Num texto muito claro que assina no “Público”
de hoje, Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do Bloco de Esquerda,
desmonta com toda a evidência a forma que multinacionais como a Google, a Microsoft,
o Facebook ou a Apple usam para fugirem ao pagamento em muitos países onde
estão instaladas. É a partir daqui que nasce a motivação do Bloco de Esquerda ao
“propor a criação de um imposto que garanta a justiça fiscal que
hoje é negada pela engenharia financeira dos gigantes tecnológicos e pelo
atraso dos sistemas fiscais nacionais”. As resistências à implementação deste
imposto sobre os “gigantes tecnológicos” vão ser muitas, através dos seus
mascarados representantes na Assembleia da República, leia-se os partidos de
direita e, no mínimo, uma parte do PS. Por isso, é muito importante que toda a
opinião pública seja esclarecida no sentido de ficar claro que o imposto a
criar vai incidir sobre empresas gigantescas que usam, muitas vezes com êxito,
os mais diversos artifícios para escaparem ao pagamento de impostos. Também é
importante referir que um imposto deste tipo constituirá apenas a diminuição de
uma gota de água nos colossais lucros das empresas atingidas…
“Nós pagamos todos os impostos e agimos
de acordo com as leis em cada país onde operamos.” Esta afirmação é da Google,
num comunicado lançado no início de 2019. O que motivou estas justificações?
Descobriu-se que a empresa tinha desviado para um offshore nas ilhas
Bermudas 19,9 mil milhões de euros em 2017, num esquema para fugir ao pagamento
de impostos.
A sanduíche holandesa é uma técnica de
evasão fiscal e não uma especialidade culinária dos Países Baixos. Foi esta a
técnica utilizada pela Google para fugir ao pagamento de impostos. O processo é
simples e legal: 1) Uma empresa atribui todos os lucros obtidos a uma
subsidiária na Irlanda; 2) a subsidiária transfere os lucros sob a forma de
dividendos para outra subsidiária na Holanda, não pagando impostos por serem
dois países da União Europeia; 3) a partir da Holanda o dinheiro é transferido
ainda para outra subsidiária nas Bermudas, beneficiando do regime fiscal entre
estes dois últimos países que permite fugir ao pagamento de impostos.
Atenção, não é só a Google que utiliza
este esquema. O Facebook dislike impostos, a Microsoft ou a Apple
também. Já percebemos que a maçã não foi a única a levar uma mordidela, as
receitas fiscais dos Estados levaram uma dentada bem maior. Tudo isto é
possível porque a forma como as multinacionais da economia digital são taxadas
é obsoleta, completamente ultrapassada, e porque a legislação internacional e
os acordos bilaterais foram feitos à medida da ganância dos gigantes
tecnológicos.
Além disso, o tempo da economia digital
é mais rápido que o dos sistemas fiscais. O mundo dos serviços digitais vive na
internet, com bits e bytes, comunica com clientes e utilizadores
pelos sítios eletrónicos ou plataformas digitais, chega a milhões sem passar
por uma alfândega ou uma fronteira. Mas nem só da fuga ao fisco é feita a
fortuna destas multinacionais.
E se lhe dissesse que o
modelo de negócio destes gigantes tecnológicos depende da riqueza que é criada
por si, por todos os utilizadores? Já sei a resposta, dirá que não paga nada
para aceder às plataformas digitais, às redes sociais, que é tudo gratuito. É
aí que se engana redondamente, nem na internet há almoços grátis. A informação
das suas preferências, viagens, deslocações, amizades, interesses, é a
verdadeira mina de ouro destes gigantes tecnológicos. Com essa informação, a
chamada big data,
construíram uma rede de serviços que vendem e na qual se baseiam os seus
lucros, serviços que não existiriam sem esta informação criada pelos utilizadores.
São os utilizadores que criam, pela sua ação, o valor das empresas prestadoras
dos serviços.
Que serviços são esses? A
publicidade online personalizada, como a que acontece na utilização do Gmail ou
do Facebook. A intermediação online, como assistimos no Airbnb. E a transmissão
de dados, como foi possível ver na relação entre o Facebook e a Cambridge
Analytica.
São serviços que não
existiriam sem a ação dos utilizadores e, por isso, devem dar o retorno aos
territórios onde esse valor é criado. É isso que motiva o Bloco de Esquerda a
propor a criação de um imposto que garanta a justiça fiscal que hoje é negada
pela engenharia financeira dos gigantes tecnológicos e pelo atraso dos sistemas
fiscais nacionais.
Contudo, além da
distribuição da riqueza, há um contributo essencial que este novo imposto pode
dar. A nova economia digital tem um lado que nos chega com as fake news e a informação
pouco cuidada ou enviesada e cria nuvens negras sobre os regimes democráticos.
As preocupações com a iliteracia digital nascem da constatação desses
perigos que a economia digital coloca sobre a cidadania e as democracias. Para
responder a estes desafios, temos de garantir uma cidadania informada que não
fique refém das campanhas de notícias falsas, de hierarquia de importância
definida pelos algoritmos politicamente enviesados. Para isso, precisamos de
uma comunicação social forte e independente, capaz de informar. É isso que as
receitas deste imposto devem ajudar a alcançar.
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