O texto seguinte faz parte de um artigo de
opinião que procura identificar algumas “causas do
fraco desenvolvimento da imprensa em Portugal”, curiosamente um tema pouco
debatido e quase desconecido ente nós. Segundo o autor do artigo (*), as causas
mais remotas têm a ver com o factor religioso e com a existência de “longos
períodos de censura severa”. A acrescentar a estes factos, sublinham-se “duas
fraquezas no atual panorama da imprensa diária portuguesa”: “a manifesta
inércia dos editores” e a “quase total letargia do meio profissional
jornalístico”.
Talvez a influência da imprensa na crise que
actualmente assola o Brasil tenha sido o motivo mais próximo para a elaboração deste
artigo e, por isso mesmo, o interesse que pode justificar a sua leitura.
É
fácil identificar algumas das causas do fraco desenvolvimento da imprensa em
Portugal. Começando pelas razões históricas, a primeira das quais é a pertença
do país à Europa católica. Porque, um século depois da “descoberta” da prensa
tipográfica (em 1440-50), a Reforma protestante e a Contra-Reforma católica
adotam posições opostas no que diz respeito à leitura. No mundo protestante, o
“povo de Deus” tem por obrigação ler a Bíblia e os textos sagrados: a
alfabetização é fomentada e os indivíduos passam naturalmente à leitura de
outros textos. No mundo católico, pelo contrário, o clérigo é o intermediário
entre Deus e o “povo de Deus” : só ele tem necessidade de saber ler para aceder
aos textos religiosos que são explicados ao “povo de Deus”. A imprensa vai pois
desenvolver-se antes do mais na Europa protestante. Até porque, se em fins do
século XVII encontramos na Alemanha populações já globalmente alfabetizadas, na
Europa do sul, católica, um analfabetismo importante perdurará três séculos
depois: no caso português a taxa de analfabetismo é de 25,7 % em 1970 e ainda
de 5,2 % segundo o censo de 2011.
Como
se esta “deficiência original” não bastasse, a imprensa em Portugal conheceu
longos períodos de censura severa que a descredibilizaram e que em nada
ajudaram ao aparecimento de um jornalismo de qualidade em termos de rigor dos
factos, agudeza da interpretação e excelência da análise da atualidade. E se o
25 de Abril de 1974 lhe permitiu (re)descobrir a liberdade de informar, o
radicalismo das opções político-económicas e socioculturais em que Portugal
viveu então deixaram claramente marcas tenazes pouco gloriosas na prática
jornalística atual. Só que, aquando da (re)descoberta desta liberdade pela
imprensa, a televisão invadia os lares e impunha-se progressivamente como média
de informação dominante. Pelo que a imprensa entrou numa fase de acentuada
erosão: hoje em Portugal publicam-se bastante menos diários impressos do que no
tempo do salazarismo e vendem-se provavelmente muito menos exemplares de
jornais diários do que antes do 25 de Abril.
Há
porém duas fraquezas no atual panorama da imprensa diária portuguesa
dificilmente compreensíveis. A primeira é a que diz respeito à manifesta
inércia dos editores, incapazes de tirarem proveito da revolução tecnológica em
curso de há dois decénios a esta parte. Não adotando rapidamente as iniciativas
indispensáveis a uma mais acelerada passagem do papel impresso para a informação
em linha. Não criando edições regionais em linha dos seus jornais, de modo a
sair de uma informação “guetizada” e largamente centrada sobre a “grande
Lisboa”. Não concebendo os seus jornais numa perspetiva global, dirigindo-os
aos leitores em língua portuguesa onde quer que eles vivam no mundo,
propondo-lhes nomeadamente uma perspetiva europeia da atualidade. Quando, sem
um alargamento considerável das audiências atuais, não poderão haver receitas
de vendas e de inserções publicitárias suficientemente importantes para cobrir
os custos de produção.
Mas
há outra incógnita ainda maior: a da quase total letargia do meio profissional
jornalístico. Como é possível que num meio onde passaram a predominar os
licenciados e mestres em “jornalismo” ou em “comunicação” de escolas superiores
(seja qual for a apreciação que se possa fazer sobre o ensino que nelas é
dispensado…) mas também os desempregados, não surjam iniciativas em matéria de
diários digitais em linha? Como explicar que tenham sido tomadas imensas iniciativas
deste género em Espanha e em França, para falar apenas nos países mais
próximos, e que Portugal continue a caracterizar-se por uma situação muito
próxima do deserto? Será necessário lembrar a estes jornalistas afastados da
atividade profissional que os custos de lançamento e de manutenção de tais
iniciativas são sem comparação com os de um diário impresso?
É
verdade que o Estado português não tem assumido as suas responsabilidades em
matéria de favorecimento do pluralismo da informação. E que os meios políticos,
económicos, sociais e culturais parecem secretamente sonhar com uma sociedade
democrática de fachada onde todo e qualquer controle seja reduzido a pura
expressão formal. Quando, como a História mostra suficientemente, a dinâmica de
uma sociedade está diretamente ligada à da sua informação pluralista. O que
supõe, é verdade, jornalistas conscientes da função social que é a sua e
decididos a assumi-la, tomando o seu destino em mãos...
(*) J.M. Nobre-Correia, Professor emérito de Informação e Comunicação
da Université Libre de Bruxelles, Público
Sem comentários:
Enviar um comentário