Em
interessante artigo de opinião que hoje assina no Público, que apresentamos a
seguir, João Semedo (*) denuncia dois exemplos do descaramento, do fingimento e
da hipocrisia da direita que, tendo estado no poder até há bem poucos meses não
pôs em prática iniciativas (na área da saúde) que agora reclama, apenas para
marcar agenda, não tenhamos a menor dúvida. A impostura é a marca de água desta
gente – devemos ter isso sempre presente.
Sobre
cuidados paliativos, defendi no Parlamento dois projetos apresentados pelo
Bloco de Esquerda, o primeiro em 2012 e o outro em 2014, ambos recomendando ao
governo a instalação de uma unidade de cuidados paliativos para crianças e
adolescentes na cidade do Porto.
A
ideia era muito simples e prática: por um lado procurava responder à
inexistência absoluta de cuidados paliativos para aquelas idades e, por outro,
aproveitar as instalações do hospital Maria Pia, entretanto totalmente
desocupadas e que, desde a sua abertura em 1882, sempre estiveram ao serviço
das crianças.
O
que se pretendia era que o governo, então presidido por Pedro Passos Coelho e
apoiado pelo PSD e o CDS/PP, não perdesse a oportunidade e o momento para
aproveitar aquelas instalações ou parte delas.
A
ideia foi recusada, os votos do PSD e do CDS/PP chumbaram-na duas vezes. Em
2012, votaram contra, pura e simplesmente. Mas, em 2014, não querendo repetir a
triste figura que fizeram dois anos antes, apresentaram um projeto em que
recomendavam ao governo – ao seu governo – “que reforce o estudo e devidas
respostas no âmbito dos Cuidados Paliativos Pediátricos e que implemente as
medidas necessárias à disponibilização efectiva desses cuidados no nosso país”.
O
projeto acabou por ser aprovado por unanimidade, confirmando que a defesa de
cuidados paliativos não é um exclusivo da direita e, muito menos, do CDS.
Apesar disso, nada foi feito, mas, enfim, a ideia também não era essa. De facto
a direita não pretendia que o governo fizesse fosse o que fosse, era mesmo só
para fingir alguma preocupação e apagar a iniciativa da oposição.
É
por isso extraordinário o que se passou agora no congresso do CDS/PP com a
apresentação, por iniciativa, entre outros, de Isabel Galriça Neto, Pedro Mota
Soares e Teresa Caeiro, de uma moção reclamando o alargamento da rede nacional
de cuidados paliativos. O descaramento não tem limite: saíram do governo há
pouco mais de três meses, no Parlamento votaram contra a criação de novas
unidades e já estão a reclamar do novo governo o que eles não fizeram durante
quatro anos. “Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz”...
Mas
também isso é fingimento ou, se preferirem, instrumental. A moção é longa, tem
dez páginas, fala de muita coisa para, finalmente, chegar ao que interessa à
direita: recusar liminarmente a morte assistida (eutanásia e suicídio
medicamente assistido) com a velha e batida argumentação que temos ouvido e
lido por estes dias. A moção não traz nada de novo, é mais do mesmo: os
cuidados paliativos eliminam a dor e o sofrimento, são o garante de uma morte
digna e, portanto, não é necessário despenalizar a morte assistida, basta
alargar a rede e tudo fica resolvido.
Como
sabemos, nada disto é certo, bem pelo contrário, está entre a crença e a
publicidade enganosa. Os cuidados paliativos não são 100% eficazes, não se
aplicam em muitas situações de fim de vida, sofrimento ou dependência, arrastam
o doente para um estado vegetativo e, imagine-se o sacrilégio, a sedação
paliativa acaba por antecipar a morte do doente, como têm vindo a reconhecer
todos os profissionais que a praticam.
Defendo
o crescimento da rede de cuidados paliativos e a despenalização e
regulamentação da morte assistida. Não são respostas que se excluam ou que
sejam alternativas. São respostas diferentes e legítimas, ambas necessárias
para os difíceis momentos do fim de vida.
Para
o CDS/PP, tudo se resume e resolve com uma boa rede de cuidados paliativos.
Fica por explicar por que não a fizeram durante os quatro anos em que
governaram. Falo da rede pública, de cuidados paliativos no SNS, essa é que faz
falta. Porque privados não faltam, desses alguém tem andado a tratar. Do
negócio, nunca se esquecem.
O
CDS é assim.
(*) Médico, dirigente do BE
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