A contratação de
Maria Luís Albuquerque (MLA) para a Arrow Global tem feito correr muita tinta,
com toda a razão.
Se bem que, de
um modo geral, a comunicação social escrita e falada tenha colocado ênfase na
enorme quantia que a ex-ministra das Finanças irá receber todos os meses por
poucos dias de trabalho, a verdade é que o problema de fundo não é este. Na
realidade, MLA até poderia ir auferir o salário mínimo nacional que o problema
se colocaria nos mesmos termos.
Sendo que esta
senhora chega à Arrow sem qualquer experiencia conhecida em empresas
financeiras, para sermos claros, só pode suceder que tenha a ver com um
conjunto de razões altamente interessantes de que há a destacar duas: a) A
vantagem da agenda de contactos que qualquer ex-governante sempre transporta
consigo, quando abandona o cargo; b) O conhecimento de segredos de estado que,
naturalmente irá ser posto ao serviço da empresa.
E é este último
ponto, o mais polémico, já que gera “um potencial conflito de interesses”,
insolúvel no imediato. Não havendo qualquer incompatibilidade legal, ela
situa-se claramente no plano ético que, pelos vistos, pouco interessa a MLA e a
Passos Coelho que já se colocou no papel de seu advogado de defesa.
É este o tema do
artigo que José Vítor Malheiros assina no Público de hoje, de onde retirámos o
seguinte excerto que, por assim dizer, completa o nosso raciocínio anterior.
Em
termos abstractos, pode ser até visto como positivo que uma ex-governante tenha
uma oferta de emprego particularmente bem remunerado, já que isso pode ser um
reconhecimento de uma elevada competência técnica. O problema não tem nada a
ver, portanto, com o valor deste contrato em si, que continuaria a suscitar
dúvidas éticas mesmo que fosse feito pelo valor do salário mínimo.
2.
O problema tem a ver, exclusivamente, com o facto de haver um potencial
conflito de interesses e, portanto, uma incompatibilidade ética, entre 1) o
facto de Maria Luís Albuquerque ser uma ex-governante da área das Finanças
(ex-ministra e ex-secretária de Estado) e ir trabalhar para a Arrow Global
escassos meses depois de sair do Governo e 2) o facto de MLA ser deputada da
República e pretender trabalhar em simultâneo para a Arrow Global.
3.
É provável que a Comissão de Ética da Assembleia da República não veja
impedimento legal na acumulação por MLA das actividades de deputada e
administradora da Arrow. E pode ser que a justiça não veja incompatibilidade
entre o exercício desta função privada por MLA após uma tão recente cessação
das funções governativas. Mas isso não significa que, de ponto de vista moral,
essa acumulação ou essa sucessão sejam aceitáveis. De facto, é fácil imaginar
situações onde o dever de lealdade de MLA para com um dos seus patrões (o povo
português ou os accionistas da Arrow) esteja em choque com o seu dever para com
o outro. É a isto que se chama conflito de interesses. Não é algo que se possa
resolver garantindo que se irá desempenhar o seu cargo de forma escrupulosamente
honesta. Trata-de da existência de situações onde a defesa dos interesses de um
dos patrões se traduz forçosamente no prejuízo do outro - e não é difícil
imaginar situações onde a Arrow e o estado português terão interesses
conflituantes. Estas são as situações que um político honesto tem o dever de
evitar, por muito que isso o/a prejudique do ponto de vista financeiro ou
patrimonial. A existência de um período de nojo, neste tipo de situações, é
aconselhável - porque a informação sensível a que MLA teve acesso como ministra
e da qual poderá fazer beneficiar o novo patrão, tem um prazo de validade e,
passado dois ou três anos, já não permitirá grande benefícios ilegítimos. Mas o
período de nojo só resolveria o problema de MLA como ex-ministra e não o de MLA
como deputada-administradora.
4. Percebo que MLA queira
ganhar mais do que o seu ordenado de deputada. Considero que os deputados
ganham pouco e penso que deveriam ser aumentados - apesar de a actual situação
económica e social não o aconselhar neste momento. Ainda que não sejam os
salários baixos que tornam os políticos corruptíveis, é evidente que um salário
insuficiente pode incentivar um deputado a exercer outras ocupações remuneradas
que prejudicam a sua actividade política. Mas há muitas actividades compatíveis
com o trabalho parlamentar e que não suscitam problemas éticos. Bastaria ter
essa preocupação.
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