Como
é do conhecimento geral, a expressão “cortina de ferro”, da autoria de Winston
Churchill serviu durante a Guerra Fria para designar a fronteira que separava
os países ocidentais do bloco soviético.
Com
a queda do Muro de Berlim aquela designação passou apenas a fazer parte da
história.
A
verdade, porém, é que as guerras entretanto desencadeadas no Médio Oriente, com
grandes responsabilidades dos Estados Unidos e Europa, geraram um fluxo de
refugiados que aqui procuram, desesperadamente abrigo perante a brutal onda de
violência existente nos seus países. Mais uma vez, a Europa no seu conjunto não
tem qualquer política coordenada para fazer face a esta situação e o que se
verifica é o erguer de barreiras de arame farpado em muitas fronteiras onde
chega um imenso fluxo de gente desesperada. Como que se criou uma nova “cortina
de ferro” como lhe chama Gauri Van Gulik, Directora-adjunta para a Europa e Ásia
Central da Amnistia Internacional, num artigo de opinião que assina no Público
de hoje. Segundo a opinião de Gauri, enquanto a antiga “cortina de ferro”
pretendia impedir a saída dos que se encontravam no seu interior, a actual tenta
manter as pessoas fora.
Apresentamos
a seguir três excertos do referido artigo de opinião.
A
5 de Março de 1946, no ginásio de uma pequena faculdade do Missuri, Winston
Churchill avisou: "De Estetino no Báltico a Trieste no Adriático, uma
cortina de ferro desceu sobre o continente". Passados 70 anos desde que
Churchill fez aquele discurso, uma nova cortina de ferro está a estender-se na
Europa. Feita de arame farpado e de políticas de asilo falhadas. Pode ser vista
nos enclaves espanhóis de Ceuta e de Melila no Mediterrâneo e em Idomeni, no
Norte da Grécia, onde na semana passada a polícia anti-motim da Macedónia
disparou gás lacrimogéneo contra famílias de refugiados desesperados que
tentavam passar a fronteira da Grécia.
A
velha Cortina de Ferro mantinha as pessoas dentro, a nova mantém as pessoas
fora.
Os
Estados membros da União Europeia construíram mais de 235 km de cercas nas
fronteiras externas da UE: entre a Hungria e a Sérvia, Grécia e Turquia,
Bulgária e Turquia, e, na semana passada, entre a Áustria e a Eslovénia. Países
vizinhos como a Turquia tornaram-se em guardas fronteiriços da Europa, forçando
migrantes e refugiados a recuarem, às vezes disparando contra eles.
Com
quase todas as fronteiras terrestres da Europa seladas, mais de um milhão de
refugiados e migrantes que se lançaram rumo à Europa em 2015 arriscaram a vida
nas travessias por mar. Mais de 3770 pessoas morreram a tentar atravessar o
Mediterrâneo em 2015, e mais 410 morreram já este ano. São vítimas directas da
nova Cortina de Ferro da Europa e do que ela representa: a Fortaleza Europa. Em
contraste, 138 pessoas morreram a tentarem passar o Muro de Berlim ao longo dos
28 anos em que este existiu.
Para
aqueles que conseguem sobreviver à travessia, o sofrimento está longe de chegar
ao fim, antes têm frequentemente de caminhar durante dias a fio, viajando
através de numerosos países, a dormir ao relento, ao frio, até alcançarem a
segurança num país com um sistema de asilo que funciona.
(…)
Sem
dúvida que os números de pessoas a chegarem à Europa são altos. Mas apesar da
retórica sobre "enxames" usada pelos políticos, o facto é que a
Europa está a esquivar-se às suas responsabilidades internacionais, debilitando
a Convenção sobre os Refugiados e deixando países mais pobres a carregar o peso
da crise de refugiados. A verdade é que 85% dos 20 milhões de refugiados que
existem no mundo vivem em países em desenvolvimento.
(…)
Precisamos
de uma mudança imediata e fundamental na abordagem da Europa, para impedir que
tenhamos mais um ano de mortes no mar, desespero na Grécia e violência nas
fronteiras.
Primeiro,
há que abandonar a presunção de que gastar milhares de milhões em cercas e
guardas fronteiriços vai demover as pessoas de fugirem da guerra e da
perseguição.
Em
segundo lugar, a responsabilidade tem de ser partilhada e firmado o compromisso
na reinstalação efectiva da parte que cabe à Europa no mais de um milhão de
refugiados extremamente vulneráveis que, urgentemente, disso precisam. Têm de
ser abertas outras rotas seguras e legais que permitam aos refugiados
alcançarem protecção.
E,
em terceiro lugar, que seja posto em marcha o prometido sistema de
relocalização, para que as pessoas que conseguiram chegar à Grécia possam ser
recolocadas em outros países de forma rápida, eficiente e com dignidade.
A
Europa não tem uma escolha entre os refugiados virem para a Europa ou não. A
escolha é entre o caos e a ordem. Como disse Angela Merkel na semana passada: é
o nosso "maldito dever".
Ou, como disse Churchill no
Missuri: "As nossas dificuldades e perigos não vão desaparecer apenas
porque lhes fechamos os olhos".
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