domingo, 20 de março de 2016

QUE SE CUMPRA DEMOCRACIA NO BRASIL


Os acontecimentos que estão a ter lugar no Brasil têm vindo a suceder-se a uma velocidade vertiginosa, de tal forma que, os mais interessados nas informações provenientes do outro lado do Atlântico correm o risco de perder o fio à meada, de um momento para o outro. Por isso, há que agarrar o que nos chega através pessoas que tenham um olhar, tanto quanto possível independente e honesto sobre o que por lá está a acontecer já que não é possível acedermos a todas as fontes de informação. Está neste caso a jornalista Alexandra Lucas Coelho que assina no Público de hoje um artigo de opinião estruturado em oito pontos, dos quais aqui apresentamos cinco (do 3 ao 7).
Sobretudo, temos a certeza de que a nossa maior preocupação aqui em Portugal deve ir no sentido de que tudo se resolva sem atropelos à democracia porque, fora da via democrática, fica o caminho aberto a toda a espécie de arbitrariedades e à lei do mais forte.
3. Essa gente pode ser corrupta, em vários casos comprovadamente foi, em todos deve ser investigada, sem excepção para presidentes, ex-presidentes, ministros. É o óbvio da democracia, mas o presente está tão minado que será preciso repetir o óbvio: em democracia, toda a gente tem de poder ser investigada. Isso inclui a Câmara de Deputados, começando por quem a ela ainda preside, o ultraconservador Eduardo Cunha, sobre quem pendem acusações de corrupção muito mais graves do que as suspeitas que existem sobre Lula. E implica que o judiciário não apareça como o justiceiro que vai derrubar o executivo, entregando escutas à imprensa num momento de emergência nacional, como quem lança petróleo no fogo.
4. Professor de filosofia na USP, Vladimir Safatle escreveu na sua mais recente crónica para a “Folha de S. Paulo”: “Não quero viver em um país que permite a um juiz se sentir autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus cidadãos por ter sido incitado por um circo midiático composto de revistas e jornais que apoiaram, até o fim, ditaduras, e por canais de televisão que pagaram salários fictícios para ex-amantes de presidentes da República a fim de protegê-los de escândalos. O Ministério Público ganhou independência em relação ao poder executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência viciosa em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores hegemônicos da imprensa. Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal. Por isso, é muito provável que, derrubado o governo e posto Lula na cadeia, a Lava Jato sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa será só sorrisos para os dias vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e voltarão ao comando os mesmos corruptos de sempre, já que eles foram poupados de maneira sistemática durante toda a fase quente da operação. O que poderia ter sido a exposição de como a democracia brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser radicalmente mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.”
5. Cronistas como Safatle são a excepção num circo mediático distorcido por uma rede de interesses também eles herdeiros de um Brasil oligárquico e apoiante da ditadura. Entre os jornais-jornais e os telejornais, a distorsão é muitas vezes revoltante. Entretanto, os brasileiros ainda não superaram mecanismos opressivos de há 400 anos, e há pouco mais de 20 anos viviam em ditadura. A angústia de Março de 2016 tem a ver com o medo de que tudo isso volte em força, um novo golpe como em 1964, que faça retroceder os avanços para tantos milhões de pessoas. Nostálgicos da ditadura civil-militar estiveram nas ruas este mês, participando em manifestações pelo impeachment de Dilma que clamaram ser maiores do que as de 2013. De certa forma, na origem, a explosão eufórica de 2013 foi o contrário da angústia actual, mas de certa forma, no desfecho, prenunciou o que aí vinha: várias trincheiras.
6. Talvez o Brasil tenha sido a derradeira peça do dominó do “progresso”, a última mutação do capitalismo, a sua conta final, que é uma conta lulista. O Brasil a que cheguei, em 2010, na transição Lula-Dilma, era certamente um país capitalista, a apontar ao céu. E, para quem se veio a tornar cada vez mais crítico da governação PT, essa corrupção ideológica, ou desideologização, com consequências catastróficas no ambiente e no mundo indígena, tornou difícil sair às ruas esta sexta-feira porque a defesa da democracia, anti-golpe, podia ser confundida com a defesa de traidores.
7. À esquerda do PT, o deputado carioca Marcelo Freixo gravou um vídeo para tentar unir quem defende a democracia, contrariando o fla-flu que parece dividir o país entre petralhas e coxinhas. Disse Freixo: não defender o impeachment de Dilma não é defender a corrupção; a rua é uma conquista mas a justiça não se pode comportar como a rua; ao tornar-se instrumento de uma política, a justiça gera um sentimento de golpe. O problema, em suma, não será que Dilma e Lula sejam investigados e sim que já estejam a ser linchados.

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