Os
acontecimentos que estão a ter lugar no Brasil têm vindo a suceder-se a uma
velocidade vertiginosa, de tal forma que, os mais interessados nas informações provenientes
do outro lado do Atlântico correm o risco de perder o fio à meada, de um
momento para o outro. Por isso, há que agarrar o que nos chega através pessoas
que tenham um olhar, tanto quanto possível independente e honesto sobre o que
por lá está a acontecer já que não é possível acedermos a todas as fontes de informação.
Está neste caso a jornalista Alexandra Lucas Coelho que assina no Público de
hoje um artigo de opinião estruturado em oito pontos, dos quais aqui
apresentamos cinco (do 3 ao 7).
Sobretudo,
temos a certeza de que a nossa maior preocupação aqui em Portugal deve ir no
sentido de que tudo se resolva sem atropelos à democracia porque, fora da via
democrática, fica o caminho aberto a toda a espécie de arbitrariedades e à lei
do mais forte.
3. Essa
gente pode ser corrupta, em vários casos comprovadamente foi, em todos deve ser
investigada, sem excepção para presidentes, ex-presidentes, ministros. É o
óbvio da democracia, mas o presente está tão minado que será preciso repetir o
óbvio: em democracia, toda a gente tem de poder ser investigada. Isso inclui a
Câmara de Deputados, começando por quem a ela ainda preside, o ultraconservador
Eduardo Cunha, sobre quem pendem acusações de corrupção muito mais graves do
que as suspeitas que existem sobre Lula. E implica que o judiciário não apareça
como o justiceiro que vai derrubar o executivo, entregando escutas à imprensa
num momento de emergência nacional, como quem lança petróleo no fogo.
4.
Professor de filosofia na USP, Vladimir Safatle escreveu na sua mais recente
crónica para a “Folha de S. Paulo”: “Não quero viver em um país que permite a
um juiz se sentir autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus
cidadãos por ter sido incitado por um circo midiático composto de revistas e
jornais que apoiaram, até o fim, ditaduras, e por canais de televisão que
pagaram salários fictícios para ex-amantes de presidentes da República a fim de
protegê-los de escândalos. O Ministério Público ganhou independência em relação
ao poder executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência
viciosa em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores
hegemônicos da imprensa. Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a
comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal. Por isso,
é muito provável que, derrubado o governo e posto Lula na cadeia, a Lava Jato
sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa será só sorrisos para os dias
vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e voltarão ao comando os mesmos
corruptos de sempre, já que eles foram poupados de maneira sistemática durante
toda a fase quente da operação. O que poderia ter sido a exposição de como a
democracia brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser
radicalmente mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.”
5.
Cronistas como Safatle são a excepção num circo mediático distorcido por uma
rede de interesses também eles herdeiros de um Brasil oligárquico e apoiante da
ditadura. Entre os jornais-jornais e os telejornais, a distorsão é muitas vezes
revoltante. Entretanto, os brasileiros ainda não superaram mecanismos
opressivos de há 400 anos, e há pouco mais de 20 anos viviam em ditadura. A
angústia de Março de 2016 tem a ver com o medo de que tudo isso volte em força,
um novo golpe como em 1964, que faça retroceder os avanços para tantos milhões
de pessoas. Nostálgicos da ditadura civil-militar estiveram nas ruas este mês,
participando em manifestações pelo impeachment de Dilma que clamaram ser
maiores do que as de 2013. De certa forma, na origem, a explosão eufórica de
2013 foi o contrário da angústia actual, mas de certa forma, no desfecho,
prenunciou o que aí vinha: várias trincheiras.
6. Talvez
o Brasil tenha sido a derradeira peça do dominó do “progresso”, a última
mutação do capitalismo, a sua conta final, que é uma conta lulista. O Brasil a
que cheguei, em 2010, na transição Lula-Dilma, era certamente um país
capitalista, a apontar ao céu. E, para quem se veio a tornar cada vez mais
crítico da governação PT, essa corrupção ideológica, ou desideologização, com
consequências catastróficas no ambiente e no mundo indígena, tornou difícil
sair às ruas esta sexta-feira porque a defesa da democracia, anti-golpe, podia
ser confundida com a defesa de traidores.
7. À esquerda do PT, o deputado
carioca Marcelo Freixo gravou um vídeo para tentar unir quem defende a
democracia, contrariando o fla-flu que parece dividir o país entre petralhas e
coxinhas. Disse Freixo: não defender o impeachment de Dilma não é defender a
corrupção; a rua é uma conquista mas a justiça não se pode comportar como a
rua; ao tornar-se instrumento de uma política, a justiça gera um sentimento de
golpe. O problema, em suma, não será que Dilma e Lula sejam investigados e sim
que já estejam a ser linchados.
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