O
mundo em que vivemos está cheio de paradoxos, muitos dos quais são habilmente
aproveitados pelos “donos disto tudo” para aumentarem o seu poder à custa da acumulação
de riquezas fabulosas, em detrimento da esmagadora maioria das populações.
Portugal
pode estar à beira de ser vítima de um destes paradoxos se permitir a prospecção
e exploração de petróleo e gás natural dentro das nossas fronteiras terrestres
e marítimas.
Os
exemplos abundam por esse mundo fora, nos países onde foram descobertos importantes
recursos naturais valiosos que, em vez de servirem para promover o “bem-estar
da comunidade”, tiveram exactamente o efeito contrário, levando ao “aumento das
desigualdades e da corrupção” ao concentrarem a riqueza num número cada vez
menor de pessoas, em prejuízo dos restantes cidadãos.
Por
outro lado, uma das abordagens relativamente à prospecção de hidrocarbonetos em
Portugal, por parte dos seus defensores, tem a ver com a nossa auto-suficiência
em combustíveis e com a riqueza que o país passaria a usufruir. Nada mais
errado porque os produtos resultantes da prospecção são propriedade das
empresas que os exploram e os valores que são pagos por unidade de volume
explorada e pela renda são muito baixos, tendo em atenção os danos ambientais a
que inevitavelmente estamos sujeitos.
A
denominada “maldição dos recursos” em que se enquadra a exploração de riquezas
naturais valiosas assim como o “fenómeno conhecido por “maldição offshore””, este último bem presente na Madeira, têm
uma abordagem simples e clara no seguinte artigo de opinião (*) que
transcrevemos do Público de hoje.
No
início dos anos 90 do século passado, os economistas começaram a usar o termo
“a maldição dos recursos” para descrever um paradoxo observado nos países em
desenvolvimento onde foram descobertos recursos naturais valiosos. A nova
riqueza, que deveria alavancar a prosperidade e o bem-estar da comunidade,
constituía um fator gerador de violência e um acelerador do aumento das
desigualdades e da corrupção, acabando por promover a desintegração económica e
política desses países.
Terry
Karl, uma professora de ciência política de Stanford, chamou este fenómeno de
“paradoxo da abundância”, depois de realizar uma pesquisa sobre a destruição
causada pela riqueza do petróleo na Venezuela. O fenómeno repete-se vezes sem
conta, desde os diamantes de sangue na Serra Leoa, até ao paradoxo do
Afeganistão que possui recursos minerais avaliados em três milhões de milhões
de dólares, mas não passa de um dos países mais pobres e corruptos do planeta,
conhecido por dar abrigo a grupos terroristas.
A
professora Brooke Harrington, uma investigadora da Business School de
Copenhaga, publicou um estudo científico que evidencia o mesmo padrão em 18
paraísos fiscais. As conclusões demonstram que o oásis da indústria offshore permite que investimentos
reduzidos, como o simples acesso à Internet de banda larga, possam atrair
elevadas somas de capital estrangeiro e criar emprego qualificado, gerando
receitas suplementares em jurisdições economicamente frágeis. Mas a longo prazo,
os efeitos inesperados e corrosivos na economia são irreparáveis.
O
estudo de Harrington demonstra que enquanto a economia, a democracia e a
cultura local permanecem formalmente intactas, são cada vez mais orientadas e
capturadas pelas elites internacionais que fogem ao pagamento de impostos. Por
outras palavras, estas jurisdições estão organizadas em torno dos interesses de
não residentes, enquanto a esmagadora maioria da população vive no limiar da
pobreza.
Este
fenómeno conhecido por “maldição offshore”
mina a democracia, fomenta a corrupção política e promove o declínio social,
impondo impostos regressivos sobre o consumo para compensar a baixa ou nula
tributação sobre o investimento estrangeiro não produtivo.
As
conclusões deste estudo referem ainda que muitos dos paraísos fiscais vivem
exclusivamente da indústria offshore
e do turismo. É precisamente neste padrão de ausência de diversidade económica
e de total dependência externa que está ancorada a economia da Madeira.
O
diretor dos impostos da RAM referiu que em 2015 a Zona Franca da Madeira gerou
um volume de negócios equivalente a mais de 50% do PIB regional e uma receita
de IRC de 130 milhões de euros. O facto de a Madeira apresentar um PIB per capita artificialmente inflacionado
através das contas do offshore,
coloca a região acima de 75% da média europeia, fazendo-a perder o estatuto de
Objetivo 1 das regiões ultraperiféricas e o acesso a mais de 500 milhões de
euros em cada quadro de apoios. Pelo mesmo motivo, a Madeira deixa de receber
400 milhões de euros provenientes do Fundo de Coesão para combater a
insularidade.
O
turismo, que para lá da indústria offshore
é o único produto da região, está na mão da mesma pessoa que é dona dos hotéis,
do casino e que detém 75% da sociedade que gere a zona franca. A restante
economia local é residual e nem mesmo a produção de banana consegue atingir a
quota atribuída pela União Europeia.
Em
mais de 40 anos de democracia, na Madeira o poder nunca mudou de mãos. A
maioria da população ativa trabalha para organismos do governo regional e mais
de 30% dos madeirenses vivem abaixo do limiar da pobreza. Este é o preço a
pagar por se escolher um regime fiscal parasitário que protege uma elite
corrupta que capturou a economia e o poder político.
Por
esta razão, um grupo de 300 economistas assinou um manifesto, solicitando aos
líderes mundiais que acabem com os paraísos fiscais. O professor Jeffrey Sachs,
um economista que criou os Objetivos do Milénio para reduzir a pobreza extrema
e a fome, afirmou que só há uma solução política para os offshores: “Acabar com eles!”
(*) João Pedro Martins, Economista
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