"Acho que a Europa, como um todo, devia começar a pensar num divórcio amigável com alguns países, para estes pensarem em formas para lidar com a saída. Não será um processo imune a
dificuldades (...). Custa mais a Portugal ficar do que sair do euro"
declarou Joseph Stiglitz à Antena 1 em entrevista divulgada hoje pela rádio
pública.
Stiglitz, conhecido economista
americano galardoado com o Nobel, não é, pois, um “radical esquerdista” com
ideias desconectadas do senso comum. Aliás, a criação do euro, foi uma decisão
tomada à revelia dos povos, de forma não democrática e, como tal, condenada ao
fracasso. Talvez seja uma questão de tempo a implosão de todo este processo.
Quando personalidades com a dimensão
de Stiglitz fazem as afirmações que fazem sobre o euro, então, estamos
conversados…
Muito a propósito vem o artigo de
opinião assinado por Alfredo Barroso no Público do passado sábado e que aqui
deixamos transcrito.
Ao
cabo de oito anos de crise económica e financeira, aumentou consideravelmente o
número de cidadãos que hoje considera o euro um “obstáculo” e já não um
“trunfo”. As opiniões a favor do euro degradam-se a olhos vistos em vários
países da União Europeia e também aumenta a percentagem dos que consideram que
a pertença à União Europeia é prejudicial. Todavia, os poderes instituídos
fogem a qualquer debate público sobre o euro, dizendo que o pior da crise já
passou. Mas aumenta o descontentamento em relação à União Europeia em largos
sectores da classe média, do operariado, dos assalariados, dos reformados e,
naturalmente, dos desempregados. Mesmo entre os eurófilos constatam-se mudanças que
têm vindo a engrossar as fileiras dos eurocépticos
e é cada vez mais evidente que o “sonho europeu” está a transformar-se num
“pesadelo”.
Em
muitos países da União Europeia, os principais partidos políticos que alternam
no poder fogem do debate como o diabo da cruz. E os principais órgãos de
comunicação social, cada vez mais conformistas, dogmáticos e situacionistas,
seguem-lhes os passos. Para as elites políticas europeias, tal como para os
grandes potentados económicos e financeiros, o euro transformou-se no tabu dos
tabus. O que, naturalmente, só contribui para alimentar a desconfiança dos
cidadãos em relação à moeda única. Ou seja, a recusa do debate tem um efeito
contraproducente, dando argumentos, em vários países, aos movimentos
nacionalistas de extrema-direita, cuja popularidade as elites no poder dizem
temer e por isso não se atrevem a encetar o debate. Uma pescadinha de rabo na
boca...
É
uma evidência que o euro é uma moeda sobrevalorizada, que constitui um poderoso
obstáculo ao desenvolvimento e contribui para a desindustrialização. É,
claramente, uma moeda inadaptada e condenada. Impressiona a cegueira colectiva
dos poderes políticos, económicos e financeiros que se recusam a reconhecê-lo e
a encetar qualquer debate público. Todavia, já são muitos os economistas e
activistas políticos que debatem a fundo o euro, na sociedade e nas redes
sociais. Nunca mais me esqueci da triste figura que fez António Guterres
quando, regozijando-se beatificamente com a criação do euro, ergueu os olhos ao
céu e proclamou, num acto de autêntica devoção religiosa: “Tu és euro!”. Como
se tivesse acabado de nascer mais um menino Jesus nas “palhinhas” de Bruxelas.
O
euro tornou-se um dogma, uma crença, uma espécie de religião, sobretudo para
todos quantos fizeram as suas carreiras políticas à custa da adesão ao euro –
enganando-se e enganando populações inteiras. Todos esses não estão agora
minimamente dispostos a reconhecer em público o monstruoso erro que cometeram.
E é precisamente por isso que uma geração inteira de responsáveis políticos,
tanto do centro-direita como do centro-esquerda, insistem em convencer-nos de
que é preciso salvar o euro, como se se tratasse de uma saga do estilo “o
resgate do soldado Ryan”. Curiosamente, o seu argumentário levou uma grande
volta. Já não se trata de defender o euro como “trunfo” para o futuro, mas sim
de proclamar que, se sairmos do euro, espera-nos uma catástrofe, uma inflação
apocalíptica, a hecatombe do poder de compra, a guerra, a morte, o diabo a
quatro…
E, no entanto, quase todos
temos consciência de que não é possível gerir adequadamente um país sem poder
recorrer à alavanca de uma moeda própria. É verdade, porém, que os obstáculos a
um debate generalizado, público e institucional sobre o tema são imensos. Não
apenas as grandes empresas e corporações multinacionais, mas também a banca –
que está na origem e no centro desta terrível crise que já dura há oito anos –
não têm o menor interesse em que esse debate se faça e infelizmente têm peso
“político” bastante para o abafar. Porque, se desabar o euro (o que há de
suceder mais tarde ou mais cedo), passará a ser questionada a União Europeia,
assente como está, desde 1957, numa rede de sucessivos tratados (Roma 1957,
Acto Único 1986, Maastricht 1992, Amesterdão 1997, Nice 2001 e Lisboa 2009)
todos eles fundamentalmente impregnados pelo ultraliberalismo económico imposto
pelas elites políticas e pelos grandes potentados industriais e financeiros. E
ninguém duvide de quais têm sido as inclinações quer do centro-direita quer do
centro-esquerda: ambos se têm curvado sempre perante as directivas, as injunções,
os diktats de Bruxelas (e de Berlim).
Daí que haja quem reclame a revisão dos tratados europeus, nomeadamente, a
revisão das atribuições e do estatuto do Banco Central Europeu (BCE), e pense
que, entre as formas de pressão sobre União Europeia, avultam a desobediência
selectiva às suas directivas e o abandono negociado da Eurozona. O que, para
ser sincero, não me espanta nem me escandaliza.
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