Ainda
que o texto seguinte, com o título acima, possa ser considerado um pouco longo,
fazemos questão de o deixar por inteiro pela qualidade que contém e pela ironia
que o atravessa, tão do agrado de Francisco Louçã.
O
antigo líder do Bloco de Esquerda recorre exacta e longamente à ironia para
caracterizar a “inventona” a que a direita lançou mão para impedir por todos os
meios, que os mais ricos (mesmo os mais ricos) deste país sejam chamados a
pagar mais uma pitada de imposto, do muito que têm sido isentados, desde
sempre.
Quem
assiste aos noticiários televisivos, a proposta cobrança de uma taxa
suplementar de 0,5% de IMI para patrimónios que nenhuma classe média possui –
não são ainda conhecidos os valores exactos mas são muito elevados – é apenas
comentada por gente de direita. Curioso mas significativo, não é verdade?
Dá
um gozo muito grande a leitura do texto de Louçã, do qual desligámos os links
para o tornar mais leve.
Na falta do Diabo, venha a diaba.
Passos
Coelho bem avisou: é em setembro que chega o demo. E, se não chegou, então mais
vale apregoá-lo, alguém acreditará. Ou, como mandam os spin
doctors, se
há um incêndio em minha casa é melhor atear fogo à cidade porque assim ninguém
nota – ninguém nota nem as sondagens tristes, nem a sordidez do apadrinhamento
por Passos Coelho do livro do Saraiva, nem a dificuldade de ter candidatos
autárquicos, nem o desgosto de não ter havido sanções até agora.
Mariana
Mortágua tem então mais uma medalha ao peito: conseguiu juntar de novo o PSD e
o CDS, o que não estava nada fácil. Conferência de imprensa conjunta,
vociferação, ataque pessoal, tudo como seria de esperar. Afinal, uma pequena
taxa sobre os patrimónios imobiliários de mais de um milhão de euros é “ilegal,
imoral e inconstitucional”, isto dito pelos ex-governantes que impuseram sem
eficácia um imposto de selo de 1% sobre os patrimónios imobiliários de mais de
um milhão de euros. Vê-los portanto rasgarem as vestes, porque o investimento
vai morrer, porque os franceses se vão embora, porque os Vistos Gold já ninguém
os quer, porque os poupadinhos vão ficar prejudicados, porque as heranças serão
devastadas, tudo seria comovente se tivesse sentido. Pois que não, como é que
se viu, uma deputada discutir soluções fiscais, então não
é que ela tomou de assalto o Terreiro do Paço, oh da guarda?
Marques
Mendes abriu o caminho na SIC: “é um crime”. Ele não gostou muito de quando
Gaspar e Passos e Portas aumentaram os impostos em 4 mil milhões, gostou
assim-assim quando baixaram as pensões e os salários, mas cobrar mais cem
milhões ao património imobiliário de luxo faz-lhe saltar a tampa: “é um crime”.
Miguel
Sousa Tavares, que a casinha em ruinas lá na terra nunca mais vai ser
recuperada e que é melhor demitir António Costa. Mas a casinha lá na terra não
vai pagar sobretaxa do IMI. Nem a casa de família, pois quem tem essas duas
propriedades não é abrangido.
Gomes
Ferreira, que os chineses vão deixar de investir e o capital estrangeiro vai
fugir. Mas ninguém ensinou ao Gomes Ferreira que a maior parte destas compras
de casas não é investimento? (Já reparou que nos canais generalistas de TV só
há a explicação carinhosa da posição da direita sobre o assunto e nem para
amostra há uma voz que se atreva a discordar desta linha tremendista de
Mendes-Sousa Tavares-Gomes Ferreira?)
Paulo Rangel, inocente quanto a questões de economia,
transforma a ignorância em atrevimento e também se mostra ofendido por Mariana
ter explicado que só a compra da habitação nova é investimento; as outras
compras e vendas da mesma casa não são investimento e são irrelevantes para a
conta do PIB. É “ideologia”, grita Paulo; é “ciência socialista”, vocifera
Paulo; mas é o Eurostat, Paulo. E, se se derem ao trabalho de pensar um
bocadinho, tanto Gomes Ferreira como Rangel até conseguem perceber porquê: se
Gomes Ferreira vender de manhã a sua casa a Rangel e a recomprar à tarde, para
a revender no dia seguinte ao mesmo ou a outro colega e assim sucessivamente, talvez
isso os torne muito amigos mas não acrescenta um cêntimo ao PIB, pois não?
Sérgio Sousa Pinto, sabendo do que fala,
fica-se pela indignação contra estes “jovens burgueses cripto-comunistas” e
ainda contra os “habilidosos pantomimeiros da velha escola” e esta “paródia
senil”. Suspeito que escolheu cuidadosamente todas as frases.
José Milhazes, sempre cordial, anuncia que Mariana Mortágua
está louca e deve ser internada (“Não se trata de um diagnóstico, mas de um
caso clínico… O Conde Ferreira no Porto voltou a receber pacientes). Por
delicadeza, só desejo as melhoras a este jornalista.
A
brigada neoconservadora, neste caso capitaneada por Helena
Matos, Rui
Ramos e Paulo
Ferreira,
garante que a substituição do imposto de selo de 1% por uma sobretaxa de 1% é o
princípio da instalação do bolchevismo, oh que vergonha para os pergaminhos da
nossa Pátria.
Fernando Sobral, cavalheiro como sempre, anuncia que
mergulhámos nas trevas medievais da floresta de Sherwood. No dia seguinte já
passou da floresta de Sherwood para “uma versão tropical do regime de
Kim-Jon-un”. Suponho que algum dia alguém notará que o jornalismo está a acabar
e que, ao primeiro frémito de uma discussão, muitos jornalistas preferem
escrever como proto-dirigentes partidários.
O
Diabo, portanto. Ou a diaba, o que é muito mais sinistro, porque tem um sorriso
mavioso e nos encanta com a sua voz ponderada.
Ora,
esta diaba traz-nos duas lições.
A
primeira é que enquanto o imposto de selo sobre os patrimónios imobiliários de
mais de um milhão existia para fingir, a república estava salva; a partir do
momento em que se pondera uma pequena taxa marginal sobre os mesmos patrimónios
imobiliários, a democracia colapsou e as forças tenebrosas do Mal ocuparam
Portugal, Mariana é Darth Vader e Costa é o Lorde Voldermort.
A
segunda é uma lição para a esquerda: se há esta agitação desesperada, com
comentadores televisivos a declararem a sua adesão à insurreição que vem (Vai
ser como a TSU do Passos Coelho! Vai ser como a queda de Cavaco! Ocupem a
ponte!), com o jornalismo económico a marchar como um exército em defesa do
investimento dos chineses e franceses – que não afinal não é investimento, mas
este é um dos casos em que o diabo não está nos detalhes – tudo por causa de um
imposto marginal sobre o património dos milionários, façam o favor de se
preparar para quando houver impostos sobre os rendimentos que incluam os
dividendos e ganhos de capital e se puderem aumentar as pensões pobres dos
nossos pais e avós que trabalharam a vida toda.
No mínimo, na falta da diaba
ou mesmo de razões, a velha arma de sempre, uma boa inventona. E depois virá o
resto.
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