É
bom recordar sempre – para que não caia no esquecimento – que a actual vaga
migratória em direcção à Europa tem tudo a ver com o resultado da conivência dos
governos do velho continente com o caos provocado pela intervenção ocidental no
Médio Oriente e norte de África, capitaneada pelos Estados Unidos da América.
Ainda
agora se sabe, por informação da ONU, que se encontram na Líbia 235 mil
refugiados (sem contar com os que não foram registados) provenientes de toda a África,
à espera de transporte para o que eles consideram o paraíso europeu na outra
margem do Mediterrâneo.
Ora,
sucede que União Europeia (UE), com grandes culpas neste processo, não pode lavar
as mãos como Pilatos, encerrando violentamente as suas fronteiras, com todos os
meios ao seu alcance.
Muito
a propósito convém referir um grupo de Estados-membro da UE denominado Grupo de
Visegrado que tinha como intenção defender na Cimeira de Bratislava “um
nacionalismo de oposição às migrações, aos refugiados e, no fundo, à
diversidade que nos caracteriza enquanto UE a 28”. É este o tema de fundo de um
artigo de opinião de Pedro Góis (*) que transcrevemos do Público e que achámos
interessante deixar aqui para reflexão dos frequentadores deste blog.
A
União Europeia está, novamente, em turbilhão. Há um grupo de países que, de
pleno direito, quer ter os mesmos direitos que todos os Estados-membros, isto
é, quer o direito aos fundos comunitários, o direito à livre circulação dos
seus cidadãos, dos seus produtos e dos seus serviços. Quer o direito a votar e
a vetar decisões conjuntas. Quer o direito a ser parte de uma União Europeia de
vantagens. Este grupo de países tem muito em comum entre si: partilha uma
história, um mesmo espaço geográfico, os seus países partilham fronteiras e,
nos últimos tempos, partilham ideias. Algumas destas partilhas são desafios
para a Europa dos deveres, para a Europa dos valores. Para uma Europa
sustentável. Para uma Europa coesa. Para uma Europa de futuro.
Há
uma ideia que emerge que, pelo menos a mim, me assusta: a de que há direitos
sem deveres e que há “velhos” valores europeus que já não fazem sentido na
“nova” Europa. Que há “velhos Estados-membro” que são responsáveis pelas crises
atuais e que “novos Estados-membro” são os ideólogos das soluções. O grupo de
que vos falo chama-se Grupo de Visegrado e é composto pelos
governos/governantes da Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (não
confundir com os povos destes países). A este grupo de 4 juntam-se, por afinidades
eletivas, governantes de outros países (a Ucrânia, por exemplo) e têm um
potencial de agregar em torno de si ainda outros países das mesmas geografias
políticas e sociais.
O
grupo de Visegrado prepara-se para defender na próxima Cimeira de Bratislava uma
posição conjunta que podemos apelidar de um nacionalismo partilhado. Um
nacionalismo protecionista partilhado. Um nacionalismo de oposição às
migrações, aos refugiados e, no fundo, à diversidade que nos caracteriza
enquanto UE a 28. Impedir a chegada, trânsito ou permanência de migrantes
étnica ou religiosamente distintos das suas populações é um ponto de união
entre este grupo de 4. Desafiados pela história de uma Europa sem Fronteiras,
os membros do grupo de Visegrado escolheram um caminho de porta fechada.
Chamados a construir, em conjunto, uma Europa de valores, rejeitam ser
solidários face aos outros Estados-membro e cerram fileiras protecionistas
quanto à liberdade de circulação de seres humanos. Não aceitam acolher
refugiados. Opõem-se à recolocação dos requerentes de asilo que já estão na
União Europeia. São contra o caminho seguido até aqui. Tudo está errado nas
políticas europeias de migrações. Nos seus discursos referem-se a Átila, o
huno, como o antepassado da horda de refugiados e migrantes que agora querem
invadir a Europa. Não têm pejo de associar refugiados e terrorismo, migração e
medo. Não querem mais. Querem menos. Menos estrangeiros, menos muçulmanos,
menos integração, menos diversidade.
Podíamos
pensar que estão no seu direito mas, na verdade, não estão. A sua posição
conjunta é um desafio aos deveres conjuntos dos 28 Estados-membro mas é,
sobretudo, um desafio inaceitável à nossa história comum, ao humanismo europeu,
aos nossos deveres conjuntos enquanto cidadãos de um espaço humanista.
As
migrações são, claramente, um colossal desafio para a Europa atual. Não são um
desafio pelo número. Não são um desafio pelo seu impacto económico ou social.
São um desafio porque estão a gerar um discurso de ódio protecionista, de ódio
nacionalista e de oposição à diversidade. Em Bratislava (e nas cimeiras que se
seguirão) ou fechamos a porta aos migrantes e refugiados (como pretende o grupo
de Visegrado) ou somos capazes de encontrar um consenso entre os medos e as
necessidades de seres humanos iguaizinhos a nós. Se aceitarmos o medo, o
protecionismo nacionalista, o discurso populista e fácil de quem tem uma
solução, então, estamos condenados a perder este desafio. A um desafio colossal
só a coragem da generosidade será capaz de fazer frente. Não há outra opção que
não seja deixar a porta aberta às migrações, aos refugiados, à diversidade.
Recordo que, se fecharmos os muros à nossa volta, ficamos presos do lado de
dentro.
(*) Sociólogo, Professor da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador do Centro de Estudos
Sociais
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