O
“debate sobre a despenalização da ajuda à antecipação da morte quando pedida
por pessoa maior de idade em sofrimento devido a doença incurável ou
irreversível” deve ter como pano de fundo a ideia de que a penalização, como
actualmente prevê o Código Penal “proíbe” mas a despenalização “não obriga”. Neste
particular, podemos dizer que há algum paralelismo com a linha seguida
relativamente ao que se passou com a lei que despenalizou a interrupção
voluntária da gravidez. A única coisa que se pretendia é que os envolvidos não
fossem punidos. Para os restantes, a lei não tem qualquer efeito nas suas
rotinas de vida.
No
que se refere a uma lei que despenalize a ajuda à antecipação da morte, a
conclusão é a mesma: despenalizar os envolvidos sem obrigar quem quer que seja a
requerer uma morte antecipada assim como o direito à objecção de consciência.
Neste
artigo de opinião que transcrevemos do Público, o seu autor (*) é muito claro
naquilo que se pretende, sem qualquer sombra de dúvida, desmistificando toda a
demagogia que começa a estar envolvida no debate sobre o tema.
No
debate sobre a despenalização da ajuda à antecipação da morte quando pedida por
pessoa maior de idade em sofrimento devido a doença incurável ou irreversível
(defendida sem ambiguidades em artigos meus neste jornal, “O horror do absoluto” em Julho e “Em defesa dos cuidados paliativos” em Abril,
assim como em textos de outros) temos visto que há quem persista em considerar
que é justo condenar à prisão quem, em determinadas condições, satisfaça tais
pedidos.
Tal
como no passado, muitos confundem o objectivo da despenalização com a bondade
do acto a despenalizar. Ou seja, posso não concordar com o recurso à
interrupção voluntária de uma gravidez mas não me atribuo o direito de castigar
quem o faça, em determinadas condições. No caso presente, posso não satisfazer
um pedido de ajuda à antecipação da morte que me seja dirigido mas não me
autorizo a punir quem o faça, em determinadas condições. Penalizar, como prevê
hoje o Código Penal, proíbe mas despenalizar não obriga.
O
argumentário usado pelas partes resvala frequentemente para falácias que todos
devemos evitar.
Dizer
que modificar uma lei para despenalizar um acto, em determinadas condições, é
pôr o Estado a realizar esse acto consubstancia a conhecida falácia do
‘espantalho’ – é deturpar o argumento do adversário para ser mais fácil
atacá-lo. Exagerar ou distorcer o que outrem afirma faz parecer que a própria
posição é razoável, mas isso no final descredibiliza o debate racional e sério.
Perguntar se o Estado “deve promover a morte
dos cidadãos que queiram pôr termo à sua vida” ou “pode decidir que vidas têm
ou não dignidade” é utilizar outra falácia – a ‘pergunta capciosa’. A pergunta
ardilosa tem uma presunção incluída de modo a que não possa ser respondida sem
sensação de culpa. Mas a resposta é claramente: não!
Se,
em vez de defendermos a nossa posição, desqualificássemos o opositor à nossa
proposta, estaríamos, como foi feito, a recorrer à falácia ‘ad hominem’ e perderíamos a razão.
O
Estado que legisla sobre as condições em que tais actos não serão crime não
está a promover o homicídio. Dizer isso é ameaçar com a falácia da ‘rampa
escorregadia’.
Dizer
que os cuidados paliativos conseguem evitar sempre e sempre o sofrimento da
pessoa doente é ‘tomar a parte pelo todo’ – outra falácia.
Não
creio que se justifique continuar a malhar em ferro frio. Os dados estão
lançados. Pressente-se que, na sociedade dos nossos dias, cresce o número dos
que concordam com a despenalização da morte ajudada ou suicídio assistido, em
determinadas condições.
É
hora de os legisladores sentirem essa mudança de perspectiva nos portugueses.
Cabe, agora, aos deputados tomarem iniciativas legislativas concretas que
definam as condições em que não há lugar a pena de prisão para os profissionais
de saúde que, em consciência, procedam com compaixão e evitem somar sofrimento
ao sofrimento. O dever de bem assistir à pessoa doente não implica o
afastamento do direito à objecção de consciência.
(*) Rosalvo
Almeida
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