Para
que tenhamos noção do perigo de destruição da humanidade que actualmente vivemos,
basta dizer-se que vivemos uma ameaça muito pior do que a que caracterizou a
corrida ao armamento nuclear durante a guerra fria. É que, se nessa altura os
dois beligerantes em presença – soviéticos e americanos – resolvessem entrar
num confronto nuclear, o mundo seria provavelmente destruído em minutos. Passadas
poucas décadas sobre essa ameaça, vivemos actualmente outra “muito mais
complexa e difusa” mas não menos perigosa porque se poderá tornar irreversível.
Alguns pequenos países, pobres e sem recursos já começaram a sentir os seus
efeitos, numa espécie de primeiros sinais do que virá a acontecer ao resto do
mundo dentro de pouco tempo.
No
artigo de opinião seguinte que transcrevemos do Público de hoje, o seu autor
(*) parte de um exemplo simples para chamar a atenção dos leitores que a nossa inacção
em defesa do clima só pode ter consequências catastróficas para a humanidade.
Corria
o ano de 1983 quando Carl Sagan, astrónomo e um dos maiores divulgadores de
ciência do século passado, em direto num debate frente a Henry Kissinger na
televisão norte-americana caracterizou a principal ameaça que pairava sobre o
mundo na época (a corrida ao armamento nuclear num cenário de guerra fria),
como “dois inimigos implacáveis que estão numa sala com gasolina até aos
joelhos, um tem 9.000 fósforos, o outro tem 7.000 e cada um dos dois está
preocupado em não deixar o outro ganhar vantagem”. Esta imagem bastou para que
muitos percebessem o quão fútil era essa discussão, pois bastaria um fósforo
para o fim chegar. Atualmente, mesmo nos nossos piores dias, a ideia de alguém
acender um desses “fósforos” não está à cabeça das nossas preocupações mais
urgentes.
Hoje
a principal ameaça que paira sobre o globo é muito mais complexa e difusa. Não
se trata da destruição total numa questão de minutos. Trata-se sim da lenta e
quase deliberada destruição das bases em que estão erguidas todas as nossas
sociedades e modos de vida. Se nos anos oitenta todos sabíamos onde estava o
problema, hoje alguns de nós insistem em nem sequer acreditar que existe um
problema. Mas pior, muito pior é que nos anos oitenta poder-se-ia adiar a
resolução do problema indefinidamente pois ele não iria piorar, mas as
alterações climáticas têm uma natureza completamente diferente. Não fazer nada
é garantir que o problema se agrave. Não fazer nada é condenar definitivamente
o planeta.
É
muito comum ouvirmos falar da nossa responsabilidade para com as gerações
vindouras (como pai, acreditem que é algo que levo muito a sério), mas essa
abordagem coloca o problema no futuro mais ou menos distante, transforma os
impactos das nossas ações em “possibilidades” e afasta-nos da realidade atual.
Temos que começar a interiorizar que hoje já há países que sofrem as
consequências das alterações climáticas que o nosso modo de vida impôs no
mundo. Ontem tive o privilégio de assistir a um painel sobre os impactos das
alterações climáticas nos SIDS (Small Islands Developing States), nos “pequenos
Estados insulares em desenvolvimento” (que incluem vários países lusófonos como
São Tomé e Príncipe, Timor-Leste ou Cabo Verde) e perceber o enorme desafio que
estes países enfrentam diariamente. Devido às suas características
(insularidade, pobreza, localização geográfica, recursos humanos, etc…) estes
Estados só entram na vida da maioria dos portugueses (e restantes europeus)
como referência a potenciais férias de sonho ou em breves flashes noticiosos
quando acontece uma tragédia. Digo “flashes” porque geralmente não passam de
pequenas notas sobre a passagem de um furacão ou tempestade, em notícias sobre
o clima impiedoso que provocou milhões em prejuízos no Sul dos EUA ou algum
outro lugar “relevante”. Esquecemo-nos é que 50 milhões de euros de estragos
provocados num destes países representam uma fatia do PIB e têm um impacto muito
mais negativo na economia local do que 5 mil milhões de estragos em propriedade
sobrevalorizadas das elites do Sul da Flórida. Um responsável de Grenada
relembrava que o país ainda estava a recuperar dos efeitos do furacão Ivan que,
há 12 anos, fez estragos superiores a 200% do PIB do país, enquanto os 13.000
milhões de dólares de estragos causados pelo mesmo evento nos EUA, há muito que
foram recuperados. O ministro do Ambiente das ilhas Maurícias relembrava que
nas suas ilhas (bem como nas Fiji) já começaram as relocalizações de
comunidades devido ao avanço do mar, mas que os esforços para tornar a sua
nação resiliente passavam por muito mais que isso: desde a melhoria das
habitações, ao reforço dos sistemas de emergência, passando pela modificação da
própria agricultura da ilha e, sobretudo, por um compromisso do seu povo com o
sacrifício e uma maior disciplina.
É
essencial olharmos longa e demoradamente para estes pequenos Estados por duas
razões: em primeiro lugar porque, atualmente, estão entre aqueles que mais
sentem os impactos das alterações climáticas. Em segundo lugar, porque é
tremendamente importante perceber como é que, num cenário de recursos muito
limitados, estas nações planeiam e enfrentam problemas que serão também
“nossos” num futuro cada vez mais próximo. É, por exemplo, interessante
perceber que muitos destes Estados têm optado por criar “super ministérios”
que, ao contrário do que acontece por cá, não estão centrados nas Finanças ou
na Economia, mas sim nas Alterações Climáticas, Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável. Dizia um representante de Tonga, que o nome do seu ministério era
tão grande que, no seu idioma nativo, daria para entrar para o Guiness. Também
será importante refletir nos pedidos de financiamento que estes países têm feito.
Longe vão os dias em que cada um “pedia umas migalhas” para resolver os seus
problemas. Hoje juntam as suas vozes para reclamar não só programas regionais e
uma concentração mais eficaz dos recursos (se cada doador tiver um programa de
100.000€, a eficácia é menor do que se 5 doadores se juntarem num programa de
500.000€), mas sobretudo reclamam que os países desenvolvidos acabem com apoios
e investimentos em projetos que, em qualquer parte do mundo, aumentam as
emissões de gases GEE.
Independentemente
das nuvens negras que ensombram o futuro do Acordo de Paris, o que se passa em
Marrakech nestas duas semanas devem encher-nos de esperança e de vontade de
lutar, porque não estamos sós e somos mesmo muitos a querer um mundo melhor. Ao
contrário de crises passadas, não fazer nada não é uma opção!
(*) José
Luís Monteiro
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