O
próximo inquilino da Casa Branca é um homem apoiado pela Ku Klux Klan. Este é
um cartão de apresentação mais que suficiente para fazer soar todos os sinais
de alarme em largos sectores democráticos mundiais – da direita à esquerda –
que receiam um retrocesso civilizacional ainda mais temível do que o que ocorreu
em pleno século XX com a ascensão ao poder de forças de extrema-direita
nomeadamente na Europa e no Japão.
É
muito importante a divulgação maciça de posições de personalidades de várias tendências
cujo elo de união é a defesa da democracia, agora, particularmente em perigo.
Nesse sentido, aqui deixamos mais este artigo de opinião (*) que transcrevemos
do Público de hoje.
Este
2016 será lembrado como o ano em que as placas tectónicas da política
internacional giraram de forma significativa. “Brexit” produziu o primeiro
impacto que poderá levar à desagregação da União Europeia (UE), enquanto a
vitória de Trump poderá conduzir ao isolamento dos Estados Unidos, permitindo a
reconstituição do império russo e o realinhamento dos países asiáticos sob o
domínio da China.
O
efeito dominó da saída do Reino Unido da União Europeia não será imediato.
Estamos num momento de reacção e unidade, embora a relativa estagnação
económica europeia exerça um forte poder de erosão. A UE poderia renovar-se se
tivesse a coragem de proceder a uma saída ordenada do euro. Não parece que a
Alemanha esteja disposta a prescindir de uma moeda de valor inferior ao marco.
Nestas circunstâncias, a Itália será provavelmente o primeiro país a sair do
euro, acelerando a crise. Caso a extrema direita chegue ao poder em França,
teremos o fim da União Europeia à vista.
A
vitória de Trump tem o seu paralelo na vitória do “Brexit”. Em comum estão em
jogo políticas anti-imigrantes. As diferenças entre o Reino Unido e os Estados
Unidos, contudo, são abissais. Enquanto no primeiro caso existe uma relativa
unanimidade em favor do Serviço Nacional de Saúde, nos Estados Unidos o
Obamacare tem os dias contados, estando em cima da mesa a exclusão, de novo, de
vinte milhões de pobres. A redução de impostos e a redução do Estado,
promovidas nos Estados Unidos, não tem eco, de momento, no Reino Unido, onde se
verifica a inversão das políticas de George Osborne, como resultado do “Brexit”
e das promessas de compensação face a aumentos tarifários.
O
proteccionismo, claramente prometido por Donald Trump, não parece compatível
com a total dependência de fluxo de capitais e a economia internacional de
serviços que define o Reino Unido, onde a indústria está em queda e a
produtividade é uma das mais baixas da Europa.
O
ambiente xenófobo é o mais visível legado do “Brexit” e da vitória de Trump. No
caso dos Estados Unidos, a linguagem de Trump autorizou a emergência da extrema
direita, que estava ausente do jogo político há longos anos. Aliás, expoentes
de conhecidas redes da extrema direita estiveram diretamente envolvidos na
campanha eleitoral de Donald Trump. O abuso racista e sexista tornou-se agora
banal, invadindo os media e pondo em cheque as conquistas sociais e culturais
dos últimos 50 anos.
A
eleição do primeiro Presidente norte-americano que recusou a publicação das
suas declarações de impostos não prenuncia o exercício de um governo isento e
sério. Os problemas do sistema politíco norte-americano, onde a legalização dos
lobbies procurou enquadrar a corrupção larvar que ensombra as instituições
legislativas, serão provavelmente aprofundados nesta legislatura. Os poderes
estrangeiros, que conhecem perfeitamente as possibilidades oferecidas pelo
sistema, tendo-as usado amplamente, terão motivos para reforçar a sua presença,
já notada durante a campanha eleitoral.
Estamos
numa fase adiantada de declínio do império informal americano, que ameaça a
implosão do mundo ocidental. Essa implosão nada teria de dramático se
democracias participativas e representativas estivessem em gestação noutras
partes do mundo. Não é isso que se verifica. O ataque aos direitos dos
trabalhadores irá conhecer uma nova fase num ambiente nacionalista,
isolacionista e proteccionista, quando se sabe que tem sido um dos factores de
estagnação do sistema económico.
Mais,
é conhecido o impacto económico favorável dos imigrantes em diversos países,
incluindo o Reino Unido, mas as estatísticas não se reflectem na opinião
política, dominada pela competição por recursos, nomeadamente benefícios
sociais, supostamente estáticos. O próprio sistema económico poderá estar em
causa neste novo ambiente. Aliás, a robótica e a nanotecnologia irão provocar a
curto prazo um enorme impacto no mercado de trabalho. A retracção politica a
que estamos a assistir vem no pior momento, contribuindo talvez, pela ruptura
que ameaça, para uma profunda reavaliação do sistema capitalista.
(*) Francisco Bethencourt, prof. no King’s
College em Londres
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