Essa
“coisa chamada ética”, como José Vítor Malheiros refere na sua crónica de hoje
no Público, e que falta ao novo presidente da CGD, não pode jamais ser apanágio
de um banqueiro ainda que temporariamente a exercer funções de gestor público.
Pela
sua própria natureza, um banqueiro desconhece o que é ética porque a sua função
é apenas obedecer a interesses de poderosos, a começar por si próprio,
independentemente de estar a gerir um banco público, ou seja, de todos nós. Portanto,
não causa qualquer admiração que António Domingues pretenda privilégios acima
de tudo o que seria imaginável, desde um chorudo vencimento a acumular com uma
reforma mais a exigência de “não submeter ao Tribunal Constitucional a sua declaração
de património”.
O
homem foi mal escolhido. E a responsabilidade dessa má escolha deve ser
imputada, antes de mais, a Mário Centeno. Má escolha e tardia decisão, ainda
que uma parte do atraso pareça ter decorrido da má escolha, que alongou para
além do razoável a dança de propostas, contrapropostas, discussão, negociação e
reflexão que existem quando há convites para cargos desta importância.
É
espantoso que António Domingues tenha sido considerado por alguém o “Mourinho
da banca” o que o tornaria “a” escolha certa para a Caixa Geral de Depósitos.
Como se alguém pudesse ser “o” homem certo e como se só houvesse um e mais
nenhum. Mas mais espantoso ainda é que, na dança de exigências, hesitações,
contrapropostas e ofertas que foi o processo de contratação, Centeno (mais
ninguém acompanhou o processo? António Costa achou que não valia a pena
manter-se a par?) não tenha percebido que “o Mourinho” não era a pessoa certa
para um cargo tão importante num momento tão delicado.
Sabemos
que a CGD tem problemas de capital e conhecemos o folhetim da negociação com
Bruxelas para permitir a sua capitalização com dinheiros públicos. Mas isso é
apenas uma parte da solução. Um banco não se constrói com dinheiro, como
António Domingues espantosamente parece não saber. Um banco constrói-se com
confiança. E António Domingues à frente da CGD alimenta muitas desconfianças
pela ignorância que demonstra sobre a maneira como se deve comportar um gestor
público (aqui não se trata da designação juridicamente correcta ou
politicamente conveniente: um gestor público é aquele que administra um
património público). Domingues não percebeu que o fundamental nesta história
não é a confiança nas suas capacidades de gestor, nem na sua capacidade de
esquivar-se a perguntas no Parlamento, nem a sua rapidez a pedir pareceres
jurídicos. O que é fundamental aqui é a confiança que todos temos de ter na sua
honestidade e na limpidez dos seus métodos. Domingues não percebeu. E Centeno
também não percebeu, ainda que por agora já deva ter começado a perceber.
Essa
confiança é abalada quando percebemos que Domingues negociou a sua contratação
de forma a poder somá-la a uma pensão e ficar assim a ganhar substancialmente
mais do que ganhava no banco privado onde estava. E é destruída quando vemos
que Domingues exigiu poder esconder do escrutínio público o seu património -
tal como fez aliás para os seus colegas da administração. Que um gestor público
peça um salário elevado, é aceitável - ainda que o salário possa não o ser. Mas
que um gestor público exija não submeter ao Tribunal Constitucional a sua
declaração de património não é aceitável.
Domingues acha que é. Mas não
se trata apenas da lei. Há a outra coisa, que parece estar fora da grelha de
análise de Domingues e que o torna incapaz para gestor público. Trata-se de uma
coisa que não está na gestão e que só por vezes está na lei, uma coisa chamada
ética. Uma coisa que um gestor público deve colocar no topo dos valores e que
um banqueiro devia reconhecer como fundamental para o valor do bem que
administra. Domingues está, acima de tudo, preocupado com Domingues. Não quer
que as pessoas possam vir a saber quão rico é, quão pobre é, ou qualquer outra
coisa. Mas não se trata dele. Trata-se da Caixa. E o facto de Domingues não ter
percebido isso torna-o incapaz para o cargo que ocupa.
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