Ao
contrário do que as nossas televisões nos querem fazer crer, a problemática das
alterações climáticas tem muito mais implicações no futuro das nossas vidas do
que os empurrões que tiveram lugar nos túneis do estádio de Alvalade na
sequência de um jogo de futebol…
Na
realidade, muito se discute de vital importância para o futuro da humanidade na
Conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas que tem lugar aqui bem
perto de nós, em Marraquexe, sem que a comunicação social televisiva lhe dê
grande relevo.
O
compromisso anunciado pelo Governo português no sentido de o nosso país reduzir
a zero as emissões de gases com efeito de estufa até 2050 é tema do seguinte
artigo de opinião que Francisco Ferreira (*) assina no Público de hoje e que a
seguir se transcreve.
Uma
frase do discurso do primeiro-ministro António Costa na noite de terça-feira,
na Conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas que decorre em
Marraquexe, não pode passar despercebida, aliás, merece o maior destaque:
"Portugal reafirma o seu firme compromisso de ser neutro em termos de
emissões de gases com efeito de estufa até ao final da primeira metade do
presente século". Este balanço zero de emissões anunciado para 2050
significa uma redução na ordem dos 85% em relação às nossas emissões atuais.
Isto significa que as emissões que existirem terão de ser compensadas pela
nossa capacidade de retirar carbono da atmosfera através das florestas ou, por
exemplo, através de um excesso de energia renovável que consigamos exportar.
Foi
a primeira vez que este objetivo foi afirmado pelo Governo português, colocando
o nosso país num caminho político consistente com o espírito e a exigência do
Acordo de Paris à escala mundial. Juntamo-nos assim a vários países europeus
que já estão a agir para a descarbonização da economia e que já traçaram metas
idênticas. A Noruega tem já aprovada a meta de balanço zero de emissões em
2030, e a Alemanha aprovou na sexta-feira a meta de reduzir as suas emissões em
95% em 2050, em relação às emissões de 1990.
As
implicações de passar de um roteiro de baixo carbono, já existente, para um
roteiro neutro em carbono são significativas. As políticas e medidas em curso
têm agora de passar a estruturantes e têm de ser ampliadas. Trinta e quatro
anos, o que nos separa de 2050, parecem distantes. Mas a transformação que é
requerida à nossa sociedade, passar de uma economia baseada em 72% de energia
primária importada proveniente de combustíveis fósseis, para um país com 100%
de energia de fontes renováveis, é enorme. Têm de ser repensadas opções
políticas de consumo individual e coletivo, feitos investimentos que sejam
perspetivados no longo prazo e tem que haver uma mudança no nosso estilo de
vida.
Portugal
pode e deve ser mais ambicioso nos objetivos para 2030 e planear, ao longo de
2017, com a intervenção de todos os setores da sociedade, como atingir esta
meta de longo prazo. É precisa uma aposta na eficiência energética, nas
energias renováveis, em particular na energia solar, nos transportes públicos,
na mobilidade sustentável, complementando com uma estratégia de floresta
sustentável. Com esta decisão, não se pode simultaneamente estar a viabilizar a
exploração de petróleo e gás natural, em total contraciclo com o objetivo agora
anunciado. Muitos são também os desafios de curto prazo: o transporte
rodoviário é responsável por 23,5% das emissões e as duas centrais térmicas a
carvão para produção de energia eléctrica (Sines e Pego) são responsáveis por
19,5%. Por motivos exclusivamente de eficiência económica, estas ganham prioridade
no mercado ibérico de eletricidade.
Podemos
sempre considerar que se trata de mais um anúncio fácil que não
responsabilizará ninguém, a não ser este Governo. Por isso mesmo vamos
trabalhar para conseguir um pacto parlamentar sobre política climática até
2050. A revolução rumo a uma sociedade neutra em carbono e enquadrada pelos
objetivos de desenvolvimento sustentável, traçados à escala mundial em 2015
pelas Nações Unidas, tem de ser uma realidade para lidarmos com o maior desafio
global do século: travar as alterações climáticas.
(*) Presidente
da Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável
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