Do
Expresso de ontem (19/11/2016) transcrevemos mais um esclarecedor artigo de
opinião de João Camargo, engenheiro do ambiente e investigador em alterações
climáticas.
Camargo
considera “bastante magro” o “resultado de 15 dias de negociação” da COP-22 que
teve lugar em Marraquexe mas sublinha a declaração de primeiro-ministro segundo
o qual “o país será neutro em carbono em 2050”. Uma afirmação destas, feita a
tão longa distância tem um valor relativo mas pode significar que nasçam novas condições
de luta que levem ao cancelamento das “15 concessões no mar e em terra” de
exploração de hidrocarbonetos em Portugal, situação essa reforçada pela tomada
de posição de “mais de 400 organizações de todo o mundo” no sentido de tornar
nulo “qualquer novo projeto de combustíveis fósseis à escala mundial”.
Fecha
a 22ª Cimeira das Partes. Não sendo o colapso negocial que ocorreu em
Copenhaga, colapsaram no entanto ilusões sobre o acordo global como preconizado
em Paris. A mudança de Presidente nos EUA foi devastadora para as Nações Unidas
e para o caminho negocial rumo a um futuro climático seguro. E se havia algum
conforto na ideia de que os líderes tomariam a decisão correcta de evitar o
caos climático que é chegar a ultrapassar os 1,5º Celsius de aumento da
temperatura até 2100, apesar dos 22 anos de negociações a meio passo, passo
atrás, esse conforto acabou em Marraquexe.
O
resultado de 15 dias de negociação é bastante magro e os assuntos mais
importantes não avançaram: nem o financiamento para a adaptação nos países mais
ameaçados, nem a metodologia comum para a medição das emissões de gases com
efeito de estufa e muito menos aumento sério da ambição para as propostas
individuais dos países, que continuarão a perfazer um aumento da temperatura
acima dos 2 graus. A eleição de Trump dominou a cimeira desde quase o início e
foi solo fértil para a inércia numa COP que se anunciava de ação. A hesitação
das últimas décadas, principalmente dos países mais ricos e poluidores, aqueles
que teoricamente menos impacto das alterações climáticas sofrerão, continuou. A
incerteza relativa ao futuro dos Estados Unidos continua com três opções
principais: abandono da Convenção das Nações Unidas para as Alterações
Climáticas (o que faria dos EUA a única nação não-subscritora, um autêntico
Estado pária), abandono do Acordo de Paris ou simplesmente a utilização do seu
não-vinculativo para acelerar a produção e consumo de gás, petróleo e carvão.
Para
Portugal chega a notícia, dada em Marrocos pelo primeiro-ministro, de que o
país será carbono neutro em 2050. Esta decisão enterraria a questão da
exploração de gás e petróleo no país, mas fiar-se em anúncios feitos em
cimeiras internacionais não chega, pelo que é importante continuar a tornar
totalmente clara a necessidade de cancelar as 15 concessões no mar e em terra. É
nesse sentido que sai a convocatória politicamente mais clara de Marraquexe: a
posição assumida por mais de 400 organizações de todo o mundo, incluindo
portuguesas, pelo cancelamento de qualquer novo projeto de combustíveis fósseis
à escala mundial, como única possibilidade, segundo o orçamento do carbono,
para manter a subida de temperatura abaixo dos 2 graus.
De regresso a casa, milhares
de participantes, negociadores e ativistas sabem que ainda está por decidir
muito do futuro climático e da viabilidade do Acordo de Paris. Talvez o futuro
resida em acordos multilaterais mais fortes e a participação de eventos climáticos
extremos force a mão mesmo dos mais empedernidos defensores dos fósseis. Até lá,
os projetos de exploração de petróleo, de gás, de carvão, os oleodutos, os
gasodutos e os portos LNG, cada projeto para produzir mais gases com efeito de
estufa é agora o campo de batalha em que populações e ativistas lutarão por um
futuro climático seguro.
Sem comentários:
Enviar um comentário