domingo, 20 de novembro de 2016

NOVAS CONDIÇÕES DE LUTA POR UM FUTURO CLIMÁTICO MAIS SEGURO EM PORTUGAL


Do Expresso de ontem (19/11/2016) transcrevemos mais um esclarecedor artigo de opinião de João Camargo, engenheiro do ambiente e investigador em alterações climáticas.
Camargo considera “bastante magro” o “resultado de 15 dias de negociação” da COP-22 que teve lugar em Marraquexe mas sublinha a declaração de primeiro-ministro segundo o qual “o país será neutro em carbono em 2050”. Uma afirmação destas, feita a tão longa distância tem um valor relativo mas pode significar que nasçam novas condições de luta que levem ao cancelamento das “15 concessões no mar e em terra” de exploração de hidrocarbonetos em Portugal, situação essa reforçada pela tomada de posição de “mais de 400 organizações de todo o mundo” no sentido de tornar nulo “qualquer novo projeto de combustíveis fósseis à escala mundial”.
Fecha a 22ª Cimeira das Partes. Não sendo o colapso negocial que ocorreu em Copenhaga, colapsaram no entanto ilusões sobre o acordo global como preconizado em Paris. A mudança de Presidente nos EUA foi devastadora para as Nações Unidas e para o caminho negocial rumo a um futuro climático seguro. E se havia algum conforto na ideia de que os líderes tomariam a decisão correcta de evitar o caos climático que é chegar a ultrapassar os 1,5º Celsius de aumento da temperatura até 2100, apesar dos 22 anos de negociações a meio passo, passo atrás, esse conforto acabou em Marraquexe.
O resultado de 15 dias de negociação é bastante magro e os assuntos mais importantes não avançaram: nem o financiamento para a adaptação nos países mais ameaçados, nem a metodologia comum para a medição das emissões de gases com efeito de estufa e muito menos aumento sério da ambição para as propostas individuais dos países, que continuarão a perfazer um aumento da temperatura acima dos 2 graus. A eleição de Trump dominou a cimeira desde quase o início e foi solo fértil para a inércia numa COP que se anunciava de ação. A hesitação das últimas décadas, principalmente dos países mais ricos e poluidores, aqueles que teoricamente menos impacto das alterações climáticas sofrerão, continuou. A incerteza relativa ao futuro dos Estados Unidos continua com três opções principais: abandono da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (o que faria dos EUA a única nação não-subscritora, um autêntico Estado pária), abandono do Acordo de Paris ou simplesmente a utilização do seu não-vinculativo para acelerar a produção e consumo de gás, petróleo e carvão.
Para Portugal chega a notícia, dada em Marrocos pelo primeiro-ministro, de que o país será carbono neutro em 2050. Esta decisão enterraria a questão da exploração de gás e petróleo no país, mas fiar-se em anúncios feitos em cimeiras internacionais não chega, pelo que é importante continuar a tornar totalmente clara a necessidade de cancelar as 15 concessões no mar e em terra. É nesse sentido que sai a convocatória politicamente mais clara de Marraquexe: a posição assumida por mais de 400 organizações de todo o mundo, incluindo portuguesas, pelo cancelamento de qualquer novo projeto de combustíveis fósseis à escala mundial, como única possibilidade, segundo o orçamento do carbono, para manter a subida de temperatura abaixo dos 2 graus.
De regresso a casa, milhares de participantes, negociadores e ativistas sabem que ainda está por decidir muito do futuro climático e da viabilidade do Acordo de Paris. Talvez o futuro resida em acordos multilaterais mais fortes e a participação de eventos climáticos extremos force a mão mesmo dos mais empedernidos defensores dos fósseis. Até lá, os projetos de exploração de petróleo, de gás, de carvão, os oleodutos, os gasodutos e os portos LNG, cada projeto para produzir mais gases com efeito de estufa é agora o campo de batalha em que populações e ativistas lutarão por um futuro climático seguro.

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