O
seguinte artigo de opinião assinado por José Vítor Malheiros, que transcrevemos
do Público de hoje, tem a particularidade de ter sido escrito antes de conhecidos
os resultados da eleição presidencial nos Estados Unidos mas é como se o seu
autor já tivesse conhecimento absoluto de que Trump tinha sido o vencedor e de
como foi possível que isso acontecesse apesar de o troglodita (agora presidente)
ter levado a cabo uma campanha absolutamente ao contrário do que as regras da decência
apontam para estas circunstâncias. Apesar de todas as análises que começaram a
cair em catadupa estamos, também neste exemplo, perante um caso de estudo.
No
momento em que escrevo isto não se sabe ainda qual o resultado das eleições
americanas. No entanto, seja qual for o resultado destas eleições, Trump
ganhou.
Mesmo
que não tenha ganho as eleições e não ocupe a Casa Branca, Trump conseguiu
conquistar um imenso terreno que ninguém imaginava que pudesse vir a
conquistar.
Até
Trump, havia limites que não se podiam ultrapassar no discurso político sem
penalização pelo eleitorado. Era inconcebível que um candidato gozasse com uma
pessoa por causa de uma deficiência física, por exemplo. Como era inconcebível
que um candidato incitasse os seus apoiantes a agredir manifestantes ou que
sugerisse que alguém atacasse fisicamente a sua adversária. Ou que convidasse
uma potência estrangeira a piratar as comunicações de um rival. Mas Trump fez
tudo isso reiteradamente e a sua campanha não parece ter sido afectada. Se
Trump se tivesse desculpado, teria reconhecido a existência de limites no
combate político, mas Trump não os reconhece e não os aceitou na campanha. Nem
o limite da soberania nacional, nem o da lei, nem o da democracia, nem o da
civilidade, nem o da tradição política, nem o da decência ou os limites éticos
que excluem o racismo, a xenofobia, o sexismo ou a homofobia.
Trump
fez algo ainda mais inesperado: na era da Internet e do excesso de informação e
de debate, retirou o critério da verdade e da racionalidade do discurso
político. É falso que a criminalidade e o desemprego esteja a crescer? É
impossível construir o muro na fronteira mexicana ou expulsar 11 milhões de
emigrantes ilegais? Que importa, se as pessoas gostam de o ouvir dizer isso?
Não é que as pessoas que o apoiam pensem que isso é verdade. A questão é que
isso lhes é indiferente, porque o discurso de Trump reproduz os seus
sentimentos.
O
que é significativo não é que Trump tenha ultrapassado todos esses limites.
Muitos outros candidatos o fizeram antes. O que acontece é que esses pagaram o
preço. O que é significativo é que Trump tenha ultrapassado os limites e que
isso tenha funcionado a seu favor junto do eleitorado e que tenha sido
valorizado pelos media.
Durante
demasiado tempo, os media trataram Trump não com o nível de exigente escrutínio
a que deviam submeter um candidato presidencial mas como um útil palhaço que
lhes permitia subir as audiências. O peso que Trump conquistou é, assim, não só
uma consequência da acção dos media para-fascistas que o apoiaram (como a Fox
News) mas da deficiente acção de escrutínio e crítica exercida pelos media
respeitáveis. Hoje, os americanos adoram Trump. Todos? Não. Mas os suficientes
para alterar de forma decisiva a política americana. Tal como o Front National
de Marine Le Pen fez em França.
Trump
deu a ideias até aqui contidas por um cordão sanitário um inesperado direito de
cidade e revitalizou a direita fascista, racista e xenófoba de uma forma
inesperada. Trump federou e dinamizou, com a sua campanha, inúmeros grupos em
vias de desagregação - como o partido nazi americano ou a Ku Klux Klan - que
encontraram aí a plataforma pública comum que lhes faltava.
Até Trump, a política visava,
com todos os seus erros e desvios, eleger o melhor. Para os apoiantes de Trump
essa é uma ideia “elitista”. Trump não está preparado para ser Presidente? Os
seus apoiantes também não e gostam de Trump porque ele é como eles. Ou pior,
porque diz tudo aquilo que eles não se atrevem a dizer. Não pertence “ao
sistema”. E gostam dele assim. Esse legado populista de Trump não irá ficar por
aqui.
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