É
factual que nas mais diversas zonas do país – umas mais que outras – se está a
assistir a uma progressiva degradação da qualidade do Serviço Nacional de Saúde,
nas suas mais diversas componentes. Esta situação não tem tido muita atenção pela
parte da comunicação social mas basta ouvirmos os utentes para percebermos o
que se passa efectivamente.
Por
isso mesmo, tem todo o cabimento, deixarmos aqui um artigo de opinião do
Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que transcrevemos do Público
de hoje.
Faltam milhares de médicos, enfermeiros
e outros profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É factual.
Na teoria e na prática. Na teoria, a comparação entre os números da
Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), dos padrões, das necessidades
e das existências é assustadora. Só no caso dos médicos faltam uns milhares. Na
prática, todos os portugueses já o sabem. Basta estar atento. De uma ou de
outra forma, já todos nos apercebemos que faltam muitos profissionais no SNS.
Por exemplo, no Hospital Prof. Doutor
Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) faltam quase 100 médicos de várias
especialidades. E o ministro da Saúde sabe disso. O ministro das Finanças não
sei. Está demasiado concentrado nos números e na execução orçamental. E não
conhece os problemas das pessoas!
A medida de execução orçamental do
Estado para 2017, publicada no Decreto-Lei 55/2017, que obriga os hospitais e
centros de saúde a cortar pelo menos 35% nos gastos com a contratação externa
de médicos e enfermeiros, vai aumentar a pressão num SNS onde os seus
profissionais estão em estado de exaustão e sem as condições de trabalho para
exercerem as suas competências em pleno.
De acordo com o normativo, os
ministérios das Finanças e da Saúde vão criar uma comissão conjunta que, a cada
trimestre, verificará se os gestores dos hospitais e dos centros de saúde estão
a fazer os cortes. Policiamento para cumprir a execução orçamental a todo o
custo. Sem qualquer preocupação com as pessoas doentes.
De salientar que “os atos de gestão que
violem estas diretivas são nulos e passíveis de punição civil, financeira e
disciplinar”. “Cereja no topo do bolo.” Coação psicológica sobre os conselhos
de administração, que assim terão que assumir todas as responsabilidades.
Perante a sociedade civil pelos doentes que possam ser prejudicados. Perante o
Governo se não cumprirem as referidas diretivas. Uma “geringonça” bem montada!
Uma vergonha nacional, num SNS
depauperado, proposta pelo Ministério das Finanças e aceite pelo Ministério da
Saúde. Sem qualquer preocupação com os doentes e com as pessoas que trabalham
diariamente, em condições difíceis, para manter o SNS acima da “linha de água”.
Esta é a face visível da contrapartida da reposição do pagamento de horas
extraordinárias a apenas 75%, que já está em vigor e que tem efeitos
retroativos a 1 de abril.
Para quando a solução adequada para
corrigir as graves insuficiências que existem actualmente em capital humano,
estruturas físicas, equipamentos, dispositivos, materiais e medicamentos?
Será que o Ministério da Saúde ainda não
entendeu que não é possível ter um SNS para todos os portugueses (mantendo o
seu código genético consagrado na Constituição da República Portuguesa) tendo
nos seus quadros cerca de 27.000 médicos (dos quais mais de 9500 são médicos em
formação — internos do ano comum ou internos da especialidade)?
Será que ainda não entendeu que acabar
com as empresas prestadoras de serviços médicos (medida positiva) e médicos
tarefeiros significa contratar para os quadros os médicos em falta no SNS? Até
quando se vai continuar a permitir a degradação do Estado Social como base
estruturante da nossa democracia? Até quando vamos continuar todos a sofrer,
doentes e profissionais de saúde?
A Ordem dos Médicos não vai pactuar com
este estado de desinvestimento e deterioração do nosso maior factor de coesão
social, o SNS. E não vai hesitar em denunciar e responsabilizar os ministérios
das Finanças e da Saúde, a todos os níveis, pelas consequências negativas que
esta medida, somada ao desinvestimento no sector público da saúde, pode
acarretar para a saúde dos doentes, nomeadamente em contexto dos serviços de
urgência.
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