domingo, 25 de junho de 2017

INCÊNDIOS FLORESTAIS: AGIR PARA PREVENIR


Muito se tem escrito por estes dias, na sequência dos incêndios catastróficos que ceifaram mais de seis dezenas de vidas e causaram para cima de duas centenas de feridos, alguns dos quais, infelizmente ainda podem morrer. Todos os anos é assim por altura do Verão, quando o país é assolado por mais uma vaga de incêndios. Em relação a 2017, a particularidade é que o fogo começou mais cedo do que é costume e já leva um cortejo enorme de morte e destruição. Lamentavelmente, a catástrofe a que acabámos de assistir era previsível desde há vários anos a esta parte porque se foi criando o caldo propício à sua efectivação.
Há mais factos que se repetem todos os anos: 1) o Governo em funções jura que “agora” é que se vão tomar medidas para que estas situações não se repitam; 2) de imediato se levantam vozes, segundo as quais não é aconselhável tomar decisões a quente, em cima dos acontecimentos; 3) chegado o tempo frio também arrefece a vontade política de alterar o status quo e tudo continua na mesma.
Para os mais desconfiados, esta inacção não acontece por acaso e começam a conjecturar que haverá interesses obscuros por de trás de um imenso lote de sistemáticas indecisões de sucessivos Governos. Neste sentido, o Bloco de Esquerda está entre os mais atentos e já o mostrou no Parlamento, embora necessite da concordância de outras forças partidárias para a elaboração de legislação que, no mínimo, faça baixar de forma significativa a posição de Portugal no ranking dos países com mais área ardida na Europa. Não é aceitável que um país tão pequeno como este, seja o campeão dos incêndios no velho continente.
O texto seguinte é um artigo de opinião que retirámos do Expresso de ontem, assinado por Luísa Schmidt – socióloga especialista em questões do ambiente – que constitui mais uma chamada de atenção para a premente necessidade da prevenção dos fogos florestais. Merece uma leitura atenta, sobretudo pelas questões que levanta.
Em agosto do ano passado, neste mesmo jornal, publicámos um artigo que poderia ser republicado hoje sem se perceber que tinha passado um ano. Artigo que, aliás, repetia em parte outros de 2014, de 2012, de 2003, de 1995 e por aí fora até 1991...
Contudo, dado que qualquer coisa marcou no ano passado uma espécie de decisão coletiva de emendar os erros trágicos que fazem o país arder, coloquemos de novo as perguntas e vejamos o que aconteceu entretanto.
1 Avançámos no cadastro, esse instrumento indispensável para todo o processo de ordenamento florestal do território, dada a enorme dispersão de propriedade? Até agora não. E o que está previsto é desesperante: para já mais uma experiência-piloto em seis concelhos e depois esperar que as pessoas colaborem voluntariamente na identificação das propriedades. Isto em vez de aproveitar para se fazer um Cadastro Nacional. Porquê?
2 O Estado assumiu uma Política Florestal, terminando a revisão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e as suas metas e incentivando as ZIF nomeadamente apoiando os pequenos proprietários? Até agora não. Apenas produziu uma ‘Reforma Florestal’ jurídica que não teve ainda consequências no terreno. Alguns dos diplomas encontram-se morosamente no calvário dos processos legislativos. Porquê?
Os erros são os mesmos de sempre, foram-se acumulando e o impacto das alterações climáticas elevou ainda mais o risco
3 O perfil florestal do país foi orientado no sentido da segurança contra incêndios? Não. Na continuidade da perversa tendência anterior e a coberto de insuficientes e ineficientes políticas florestais, os povoamentos fragmentários e desordenados de eucalipto e os matos continuaram a proliferar agravando o desordenamento florestal e, com este, o nível de risco. Também não se incentivaram povoamentos mistos com espécies mais adequadas e menos combustíveis retomando as metas dos PROF na reflorestação das áreas ardidas. Porquê?
4 Foram aplicadas medidas de prevenção? No concreto, muito poucas. Não foi imposta nem fiscalizada uma política de limpeza de matos e florestas. Nem os 50 metros em redor das casas, nem as bermas dos caminhos e estradas, nem as faixas à volta das aldeias, nada... Porquê?
5 O ‘combate ampliado’ para condições extremas foi implementado? Não. Em vez de retomar e reativar a formação dos Grupos de Análise e Uso do Fogo (GAUF) — que aplicavam fogo controlado no inverno e contrafogo no verão —, e cuja ação foi interrompida apesar do sucesso que haviam obtido entre 2006-2010, nada fizeram. Dizem agora que transferiram as suas funções para os corpos de bombeiros, mas com que eficácia? E bastará? Por outro lado, a mobilização de outras forças para intervenção rápida nos primeiros momentos das ignições continua perigosamente estagnada. Porquê?
Se há coisa que o país não possa dizer é que não sabe porque é que arde. No rescaldo dos incêndios do verão passado, todos — desde o Presidente da República ao Governo, do Governo aos técnicos e cientistas — reconheceram com relativo consenso os principais fatores que têm determinado a repetida tragédia de que o país é ao mesmo tempo a vítima e o culpado. É assim que as governações, incapazes de atacar as causas que são bem conhecidas, foram empurrando ao longo dos anos a arriscada condição do país para uma circunstância que hoje está muito agravada pela brutalidade com que já se fazem sentir os impactos das alterações climáticas. Este fator, vem, aliás, sendo alertado desde 2002 nos primeiros relatórios do projeto SIAM.
Mais uma vez os custos de nada fazer, ou de não fazer suficientemente, e sobretudo de não fazer de forma continuada, são muito mais elevados do que seriam os das medidas preventivas.
Com o tempo que passou, a segurança da nossa floresta não aumentou, mas as suas vulnerabilidades, essas sim, cresceram imenso, como se viu tragicamente nestes dias. Os erros são, pois, os mesmos de sempre, foram-se acumulando e o impacto das alterações climáticas elevou muito o risco.
Desde que se iniciou o alerta relativamente às alterações climáticas que o país sabe que duas das suas maiores vulnerabilidades são a erosão costeira e os incêndios florestais sobretudo em contexto de seca como estamos a viver neste momento. Não são infelizmente as únicas, mas são aquelas que mais imediatamente produzem catástrofe e tragédia.
Portugal é o país da Europa que tem perdido mais área florestal útil, apesar do inefável ICNF não publicar informações detalhadas sobre a floresta desde 2010 (por onde andará o Inventário Florestal Nacional?). O que se sabe é que Portugal também é o país da Europa em que o Estado ‘está menos presente’ na floresta. Apenas detém 2% comparado com os 55% na Alemanha ou 30% na Espanha.
O centro nevrálgico da questão que tanto tem custado a tantos governos sucessivos abordar, está escondido por trás da assimetria destes números. Este é ainda o país agarrado à terra, mas agarrado a ela pelo fantasma do país que foi. São as pessoas que já lá não estão, mas ainda querem ter a terra. E querem tê-la mas já não podem possuí-la. E querem possuí-la mas já não sabem como. O último ato do Portugal rural é trágico e está nos incêndios.
Portugal arde, triste, embaraçado e obtuso a olhar para si mesmo sem compreender o que lhe está a acontecer. Não vale a pena procurar os culpados. Mas vale a pena reconhecer as falhas e agir em consequência. E não é o mercado à solta que nos vai salvar do fogo. O Estado tem de pôr mãos à obra com lealdade democrática, ou seja, pondo o interesse coletivo e o bem comum acima de todos os outros interesses.

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