Tendo
em atenção que as decisões anunciadas por Trump valem pouco, podendo sempre ser
reversíveis a qualquer momento, as notícias que nos chegam nesta altura,
indicam que o presidente dos Estados Unidos (EUA) já decidiu que vai retirar o
seu país do acordo de Paris sobre alterações climáticas, assinado por Obama em
2015.
É
bom não esquecermos as afirmações de Trump durante a campanha eleitoral no
sentido de culpar os chineses de inventarem o problema das alterações
climáticas, dando, o então candidato, a entender que se fosse eleito iria rever
a posição dos EUA sobre os acordos de Paris. Além disso, sabendo-se que Trump é
“profundamente ignorante do funcionamento do mundo” e ardente defensor das
empresas petrolíferas e “grandes energéticas”, não custa nada acreditar que
faça tábua rasa dos problemas climáticos que colocam em causa a própria sobrevivência
da humanidade.
Para
fazer face a loucuras destas, é fundamental a acção forte de um “movimento
político global pela justiça climática, popular, social e transformador, que
trave o petróleo e gás” como afirma José Camargo no seguinte artigo de opinião
que assina no Público de hoje.
As notícias acerca de uma tomada de
decisão do Presidente Donald Trump sobre o Acordo de Paris, não sendo uma
novidade, dão uma machadada no fraco acordo. Os EUA persistem em impedir um
acordo global para travar as alterações climáticas, o que indica outros
caminhos de acção multilateral e deve despertar as populações para a realidade
inultrapassável de que a grande concertação internacional à volta das
alterações climáticas foi sempre minada pelos interesses das empresas
petrolíferas e das grandes energéticas, que aceitam ver o mundo a arder, desde
que tal garanta mais duas ou três décadas de dinheiro a entrar nos cofres.
Donald Trump é o líder adequado para um
petroestado: profundamente ignorante do funcionamento do mundo, alienado de
qualquer conhecimento científico e focado numa narrativa medieval do
excepcionalismo estado-unidense, cuja principal característica é a do “líder
forte”. A sua única acção presidencial com nível de aceitação acima dos 50% foi
bombardear outro país. Isto também explica a sua ligação a Vladimir Putin,
líder do petroestado russo. Estes dois países são os maiores produtores
combinados de petróleo e gás, e a acção concertada para desmantelar
nacionalmente as restrições internas às emissões poluentes e internacionalmente
o Acordo de Paris confirmam a intenção de serem a tábua de salvação da
indústria do petróleo e do gás. Para tal, Trump assumiu uma agenda militante de
negacionismo das alterações climáticas, mandando as agências públicas apagar
referências nos seus sites à maior questão dos nossos tempos.
Mas no que diz respeito às petrolíferas,
Trump não está assim tão distante dos seus antecessores. Foi durante o mandato
de Obama que os EUA se tornaram os maiores produtores de petróleo e gás por fracking,
suplantando a Arábia Saudita. Mesmo antes disso, os EUA sabotaram
sistematicamente qualquer acordo internacional: desde a COP-1 em 1995, as
petrolíferas estiveram representadas pelos EUA e forçaram o Protocolo de Kyoto
em vez de uma taxa global sobre as emissões. Depois, os EUA recusaram-se a
ratificar o protocolo que impuseram. O próprio Acordo de Paris só é um
“acordo”, porque se fosse “tratado” e vinculativo Obama não o teria conseguido
aprovar na Câmara dos Representantes dominada pelo Partido Republicano. Paris é
apenas o último compromisso internacional sobre alterações climáticas destruído
pela indústria petrolífera e pelos EUA.
Kyoto, com as suas metas de cortes de
emissões vinculativas mas transaccionáveis, foi impotente para travar o aumento
de emissões de dióxido de carbono a nível global. O Acordo de Paris, com metas
nacionais não vinculativas, se fosse cumprido, ficaria preso num aumento de
temperatura de 2,7ºC a 3,7ºC até 2100. Mas algo está a acontecer a nível
energético à escala global, e os últimos três anos viram uma estagnação no
nível de emissões de CO2. Além da explosão das energias renováveis, essa
estagnação significa que a recta ascendente de produção de petróleo e gás nos
EUA, em crescendo desde 2009, estabilizou. Apesar disso, o país de Trump
continua a ser o maior responsável pelas alterações climáticas, já que é o
maior produtor e o maior consumidor de produtos petrolíferos à escala global (a
China é o maior emissor de dióxido de carbono, mas a maior parte dos produtos
da sua indústria são exportados).
Este corte de emissões de CO2 a nível
global é importante e dá-nos mais notícia do que uma tomada de decisão de
Donald Trump: mesmo que os EUA se mantenham no Acordo, a probabilidade de o
cumprirem é muito baixa. Por outro lado, a União Europeia está a embarcar no
seu próprio resgate às petrolíferas, através do investimento massivo em gás
natural, ignorando o gigantesco volume de emissões de metano (outro gás com
efeito de estufa) nos processos de extracção, armazenamento e transporte e
aumentando o aquecimento do planeta no curto prazo. Há homens que só querem ver
o mundo arder.
O movimento político global pela justiça
climática, popular, social e transformador, que trave o petróleo e gás e avance
firmemente na direcção de um novo modelo energético e económico, sem ilusões
acerca do processo negocial internacional como ele existe, continua a ser a
melhor garantia para lidar com as alterações climáticas.
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