Assim
que (contra todas as expectativas) Trump foi eleito houve, desde logo, imensa
gente que, dentro e fora dos Estados Unidos (EUA) começou a sonhar com o seu
afastamento quer sob a forma de destituição quer pela criação de condições que
o levassem a abandonar o cargo. A evolução dos acontecimentos só fez aumentar o
número daqueles que desejam ver pelas costas o actual inquilino da Casa Branca.
Ainda que a concretização desse anseio possa estar longe ou seja irrealizável,
isso não impede que se comece a traçar cenários de futuro.
Caso
Donald Trump se retire “(ou for tirado) da casa Branca” será Mike Pence a
ocupar o cargo de Presidente dos EUA. No artigo de opinião que assina no
Público de hoje, Bárbara Reis traça um retrato daquele “conservador evangelista
da idade da pedra”.
Há uma frase que define bem Mike Pence, o homem que
será o Presidente dos EUA se Donald Trump se retirar (ou for tirado) da Casa
Branca. “Sou cristão, conservador e republicano — nesta ordem.”
Mesmo assim, gosto mais do auto-retrato que Pence fez
nos anos 1990. “I’m Rush Limbaugh on decaf.” Percebe-se o
“descafeinado”. Há 30 anos, Pence tinha um programa de rádio onde defendia as
suas ideias religiosas, conservadoras e republicanas (como Rush Limbaugh), mas
a sua popularidade era infinitamente menor. O “descafeinado” também tem a ver
com o estilo. Pence é um conservador com um “mas”: “Sou um conservador, mas não
estou zangado com isso.” Já Limbaugh é um conservador que oscila entre a
má-educação alarve e o touro enraivecido.
Mas o vice-Presidente dos EUA só é “descafeinado” no
tom. Em tudo o resto, é dose dupla de cafeína e faz corar os liberais do seu
partido.
Dizem os insiders que a vontade para que
substitua Trump é o segredo mais mal guardado de Washington. O homem “waiting
in the wings”, como se lê agora em toda a imprensa norte-americana, já
estará a ensaiar para assumir o cargo.
Com o rótulo de “conservador imperturbável”, Mike
Pence é um Trump com pele de cordeiro. As características que o tornaram
vice-Presidente — previsível, estável, calmo, sereno, soft-spoken e não
dado a dramas — são as mesmas que muitos republicanos apontam como aquilo de
que o país precisa. Pence já chegou à Casa Branca como o “homem consensual”.
Perante o furacão Trump, está aliás a ser decisivo para manter o partido coeso.
Ao contrário do Presidente, tem muitos amigos em Washington — foi congressista
durante 12 anos e presidente da Conferência dos Republicanos na Câmara dos
Representantes, que centraliza a mensagem do partido e por isso um
reconhecimento dos seus skills comunicativos. Ao mesmo tempo, mostra o
seu perfil de liderança. Este é o terceiro lugar mais importante na hierarquia
do partido. Em todos esses anos no Congresso, só um dos projectos de lei se
tornou lei — e até Dan Quayle, o vice-Presidente que se enganou a escrever
batata, conseguiu 18. Mas nem isso parece ser visto como um problema. A ideia é
que Pence não estava no Congresso para fazer leis, mas para o tirar do centro e
virá-lo para a direita.
Isto é a forma. No conteúdo, é uma alma gémea de
Trump. Pence foi um dos construtores da onda do Tea Party que emergiu em força
nos EUA após a eleição de Barack Obama e, como governador do Indiana
(2013-2017), assinou uma lei de inspiração medieval. Bastaria isto para o
definir. Mas vale a pena olhar para o pormenor. Sonsamente baptizada como
“Religious Freedom Restoration Act”, a “sua” lei foi escrita para permitir que
qualquer cidadão do Indiana pudesse invocar a sua crença religiosa para se
defender de uma acusação de discriminação em tribunal. Por exemplo, se recusar
servir ou receber num restaurante ou num hotel um casal gay porque a sua
religião estipula que a homossexualidade é um pecado. No currículo político de
Pence, há votos para cortar o orçamento federal da Planned Parenthood e
esforços para fazer avançar uma emenda constitucional contra os casamentos
entre pessoas do mesmo sexo. Pence foi também um dos governadores que fecharam
as fronteiras do seu estado aos refugiados sírios depois do atentado terrorista
de Paris de Novembro de 2015. Num acto de notável desobediência civil, um grupo
de igrejas locais recebeu uma família de refugiados sírios à luz do dia.
Entre os seus defensores mais desabridos está Erick
Erickson, o que diz bem sobre o que o Partido Republicano inclui na sua ampla
coligação, de gente decente a supremacistas brancos. Há dois anos, Erickson foi
definido pela revista The Atlantic como “o conservador mais poderoso do
América”. Também considerado decisivo na ascensão do Tea Party, Erickson é
comentador fixo da Fox News, tem uma coluna de opinião “sindicada”, um programa
de rádio com uma audiência de peso e em 2016 lançou um site de direita
radical chamado The Resurgent. Como muitos conservadores, foi um Never
Trumper que, perante a vitória, deu a Trump o benefício da dúvida. Há uns
dias anunciou que a lua-de-mel acabou. Com Mike Pence “in the wings”, escreveu,
não vale a pena perder mais tempo. “Espero que o Presidente e os seus
conselheiros percebam que seria muito melhor para ele demitir-se do que
arriscar um impeachment.” É hoje claro que muitos republicanos se revêem
nesta posição. E já não falam apenas em sussurro.
Entre Pence e Trump venha o Diabo e escolha? Não.
Donald Trump ofende a política, a ética, a civilidade e as mulheres. Tudo,
mesmo um conservador evangelista da idade da pedra como Mike Pence, é melhor do
que Trump.
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