Quando
se afirma que a actual fórmula governativa está esgotada porque já atingiu os
seus objectivos, pretende-se subestimar a sua importância e esvaziar muitas
metas que a direita não quer ver atingidas. Ao longo destes (quase) últimos
dois anos tem-se provado que, passo a passo, ainda que num quadro adverso, tem
sido possível reverter algumas malfeitorias que a coligação PSD/CDS tinha feito
às populações. Uma delas foi a aprovação na anterior legislatura de uma lei dos
baldios tendente a “destruir paulatinamente esta forma de propriedade
comunitária, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua privatização”.
O Bloco
avançou na actual legislatura com “uma nova lei que revertesse os
anteriores passos privatizadores da maioria de direita e acabasse com os
alçapões legais que privavam as comunidades dos rendimentos dos baldios”, como afirma
Carlos Matias, deputado do BE no seguinte artigo de opinião que transcrevemos
do Público de hoje. A referida lei acaba de ser aprovada na AR pela actual
maioria de esquerda.
Os baldios são terrenos de gestão e uso
comunitários, constituindo uma realidade multissecular de espaços
tradicionalmente fruídos por comunidades locais. Ao longo dos séculos, foram
objeto de cobiça dos mais poderosos e do próprio Estado Novo, sendo conhecidos
os muitos episódios de apropriação, consumada ou não, dos bens possuídos por
esta forma de propriedade comunitária. Todos estes ataques enfrentaram a
contestação das populações e originaram revoltas.
Na anterior legislatura, a maioria
PPD/PSD e CDS-PP aprovou uma lei para destruir paulatinamente esta forma de
propriedade comunitária, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua
privatização. Por essa via, a direita satisfez interesses económicos que
vislumbram na apropriação dos baldios uma nova fonte de rendimento, para
benefício próprio, em detrimento das comunidades locais. Assim se explica todo
o interesse em permitir a extinção de baldios, abrindo o caminho à sua
privatização. Tudo assente na negação do princípio secular de que os baldios
estão fora do comércio jurídico e são propriedade das comunidades locais.
Na atual legislatura, o Bloco de
Esquerda avançou com uma nova lei que revertesse os anteriores passos
privatizadores da maioria de direita e acabasse com os alçapões legais que
privavam as comunidades dos rendimentos dos baldios. O Bloco tomou a
iniciativa, apresentou e agendou um projeto-lei nesse sentido
Acaba agora de ser aprovada, na
Assembleia da República, uma nova Lei dos Baldios, após meses de intenso
trabalho e negociações que permitiram acordar um texto conjunto entre PS, BE,
PCP e PEV. Trata-se de um diploma que responde ao essencial das preocupações
das comunidades locais. Mas que irrita profundamente a direita.
Percebe-se, pois as mudanças são muitas.
A nova lei respeita escrupulosamente o princípio constitucional da propriedade
comunitária, assenta no respeito pelos diversos usos e costumes e defende a
gestão comunitária de ingerências exteriores.
Apenas alguns exemplos:
- Na lei atual podem ser celebrados
contratos de cessão e exploração e também de arrendamento. A admissão de
arrendamento corresponde a descaracterização dos baldios como propriedade
comunitária, procurando-se assim confundir a propriedade comunitária com a
privada. Na proposta aprovada não se admite o arrendamento de baldios.
- A lei ainda em vigor prevê a
obrigatoriedade de planos de utilização dos baldios. A proposta aprovada afasta
a possibilidade de, por lei ou regulamento, se impor condições mais gravosas
nos planos de utilização do que as aplicáveis sobre propriedades privadas.
- No que se refere ao direito às
receitas provenientes dos baldios submetidos ao regime florestal depositadas e
ainda não recebidas, a lei atual prevê a prescrição do direito decorridos três
anos a contar do início de Setembro de 2014. Na proposta agora aprovada, os
compartes mantêm o direito a receber essas receitas.
- Na lei atual não consta menção ao
direito às águas dos baldios. Segundo a proposta agora aprovada, as águas
integrantes dos baldios podem ser usufruídas pelos compartes de acordo com os usos
e costumes, sem prejuízo de as águas nele nascidas, que estiverem a ser
destinadas a uso público, conforme prevê a lei 54/2005, serem públicas.
- Pela lei atual a cessação do regime de
administração de baldios em associação com o Estado opera-se por deliberação da
assembleia de compartes. Na proposta prevê-se que a cessação ocorre
impreterivelmente também depois de decorridos 50 anos após a entrada em vigor
do decreto-lei aplicável.
A nova Lei dos Baldios, agora aprovada,
é de facto um passo em frente na recuperação do direito das comunidades aos
seus baldios e defende-os de ataques privatizadores. Uma lei, só por si, não
resolve todos os problemas, sabemo-lo. Esta não será exceção. Mas melhora
radicalmente o quadro em que trabalham as comunidades locais e as associações
de baldios. E há muito trabalho a fazer, para ajudar a ultrapassar casos de
fragilidade na gestão que, de facto, subsistem.
Confiamos nos povos e na sua capacidade
para encontrar novas formas de gestão amplamente democrática, sem tutelas,
rentáveis, respeitadoras do ambiente e de que, muito justamente, beneficiem as
comunidades.
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