A
recente e estúpida decisão de Tramp no sentido de retirar os Estados Unidos do
Acordo de Paris sobre alterações climáticas, está a desencadear uma reacção a nível
global, de tal modo que, talvez venha a constituir o ponto de partida para uma
consciencialização internacional sobre a necessidade de se acelerar o processo
de obtenção de energia limpa. A justificação de Trump foi muito clara no
sentido de que o Acordo de Paris é prejudicial aos “interesses da mais
violenta e poderosa indústria do mundo, a dos combustíveis fósseis”,
independentemente do que isso possa significar para a sobrevivência da espécie humana.
Felizmente, todos os dias chegam ao
conhecimento público tomadas de posição de personalidades de renome da área da ciência,
no sentido de que a humanidade abandone o mais rápido possível o consumo de
combustíveis fósseis.
O texto seguinte, que retirámos do
Público desta segunda-feira, é assinado por João Camargo, Engenheiro do Ambiente
e especialista em Alterações climáticas, e nele se chama mais uma vez a atenção
para o perigo que constitui o aumento da temperatura a nível global. Vale bem a
pena a sua leitura.
Comecemos pelo início. Não pelo
aparecimento da espécie há 200 mil anos, nem pelo fim da era glaciar há 20 mil
anos, nem mesmo pela revolução industrial e pela explosão de emissões de gases
com efeito de estufa pela queima de carvão, de petróleo e de gás. Comecemos
pela campanha eleitoral, onde Donald Trump disse, preto no branco, que se fosse
eleito Presidente tiraria os Estados Unidos do Acordo de Paris. No dia 1 de
Junho de 2017, cumpriu a sua promessa eleitoral.
O discurso de Trump foi absolutamente
revelador. Há anos que o mesmo diz que não acredita em alterações climáticas e
alimenta ideias estúpidas, como a de que os Estados Unidos produzem “carvão
limpo” e que o aquecimento global é uma invenção da China para baixar as
exportações americanas. Desta vez não foi assim: Trump não falou nas alterações
climáticas quando afirmou a sua decisão de tirar os Estados Unidos do Acordo de
Paris sobre Alterações Climáticas. Não pôs em causa o consenso científico à
volta das alterações climáticas nem a relação directa entre a queima de
combustíveis fósseis e o aumento inequívoco de temperatura registado nas
últimas décadas. O presidente dos EUA foi direto ao ponto: o Acordo de Paris
prejudica os interesses das empresas americanas e é desvantajoso em termos de
comércio internacional.
O negacionismo das alterações climáticas
ancora-se em duas rochas: a ignorância das ciências naturais e os interesses da
mais violenta e poderosa indústria do mundo, a dos combustíveis fósseis. Trump
já não se camufla na sua ignorância: é para o benefício das indústrias do
carvão, do petróleo e do gás que os Estados Unidos abandonarão o Acordo de
Paris e se posicionam como um novo estado falhado no palco internacional.
Se o planeta aumentar de temperatura 4ºC
(um pouco acima do que ocorreria se o Acordo de Paris fosse cumprido, que
garantiria um aumento de temperatura entre os 2,7ºC e os 3,7ºC), a maior parte
dos territórios hoje habitados pelas populações humanas serão amplamente
inabitáveis, incapazes de produzir alimentos e acossados por grandes secas e/ou
grandes cheias, e fenómenos climáticos extremos. As zonas mais baixas ficarão
debaixo de água, o que inclui a maior parte das cidades do planeta. A maior
parte do que é hoje o território dos EUA estará nesta situação. Se se cumprir o
Acordo de Paris, o impacto será menor, mas ainda assim monumental. Se houver
consumo irrestrito de combustíveis fósseis, incluindo nova exploração e aumento
de emissões nas próximas décadas, apontamos para os 6,8ºC até ao fim deste
século. O caminho da inviabilização da civilização.
Donald Trump recordou-nos que esta
questão está longe de acabada e que os vilões de ontem, amplificados pelas
alterações climáticas, tornam-se em monstros. Mas empurra-nos para a acção. As
lágrimas de crocodilo vertidas em Portugal não podem servir para desligar as
proclamações do concreto. Os políticos portugueses que condenam publicamente a
decisão de Trump não podem permitir-se continuar a apoiar a prospecção e
exploração de petróleo em Portugal. Comecemos a partir daí a construir tudo o
resto que falta.
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