Apesar
do âmbito limitado (ou talvez por isso mesmo) que revestem as recentes
alterações na legislação laboral anunciadas pelo Governo, não deixa de ser
importante uma “análise atenta” desta temática já que envolve os interesses de
larga maioria dos portugueses.
Todos
temos consciência de que as alterações na legislação do Trabalho que tiveram
lugar a pretexto da intervenção da Troika levaram a uma brutal transferência de
verbas do factor trabalho para o factor capital, acentuando uma situação já
iniciada anteriormente.
A
actual fórmula de Governo ancorado à esquerda conseguiu colocar um travão no
empobrecimento generalizado dos portugueses, em especial por via da acção
persistente dos partidos colocados à esquerda do PS mas a verdade é que muitos
compatriotas nossos continuam a ver-se forçados a emigrar pois os salários continuam
muito baixos e a precariedade elevada, levando a uma degradação da qualidade do
emprego e a uma persistência da pobreza na sociedade portuguesa.
É
sobre toda esta envolvente que escreve Carvalho da Silva no interessante artigo
de opinião que transcrevemos do Público do último sábado.
O governo anunciou mexidas na legislação laboral. É
uma proposta limitada, mas a exigir análise atenta a cada uma das matérias.
Deseja-se que seja contributo para debate amplo que deve emanar de propostas
dos partidos políticos, em sede da Assembleia da República, e dos parceiros
sociais, no âmbito das suas iniciativas próprias e da atividade do CES.
Os salários continuam muito baixos em quase todos os
sectores de atividade, a precariedade, elevadíssima, impede a evolução da
qualidade do emprego. Estes dois fatores continuam a empurrar para fora do país
milhares de jovens. As desigualdades persistem de forma acentuada e a pobreza
continua presente na sociedade portuguesa. Todas estas situações têm efeitos
cumulativos. A sua persistência não impede o crescimento económico, mas
limita-o. Enriquece um número significativo de empresários e gestores de topo
de grandes grupos, mas bloqueia o desenvolvimento da sociedade.
Está amplamente comprovado que, de todas as “reformas”
realizadas a pretexto do Memorando de Entendimento, as que afetam o trabalho e
o emprego são as que carreiam para o futuro um lastro mais pesado. Em nome de
um tempo de exceção, foram introduzidas alterações na legislação do Trabalho
que transferem todos os anos milhares de milhões de euros do fator trabalho
para o fator capital e que desequilibraram poderes entre partes. Será
inadmissível que se consolidem como estruturais. O desemprego, a precariedade e
condicionalismos gerados pelas políticas austeritárias colocaram imensos
trabalhadores numa situação de submissão que cerceia a sua organização e
mobilização.
Uma
legislação laboral equilibrada, e que seja cumprida, não resolve todos os
problemas, mas as práticas de diálogo e de negociação, desde as empresas ao
nível nacional, e acima de tudo se houver efetivação da contratação coletiva,
garantirá uma melhor distribuição da riqueza, reduzirá os grandes bloqueios que
enunciei e irá repercutir-se positivamente na dinâmica económica, nos sistemas
de proteção social, e no desenvolvimento territorial do país.
Os
patrões sabem que, em 2012, lhes foi oferecido um presente bem valioso de que
agora não querem prescindir, embora na altura eles próprios até tenham
reconhecido que as alterações à legislação do trabalho não eram a questão
fundamental para resolver os seus problemas económicos e de competitividade.
O
atual Governo está no tempo limite de poder fazer algo de positivo nesta
legislatura na área da legislação e das relações laborais. Tem compromissos que
deve cumprir, tem razões políticas, económicas e sociais para ser mais
ambicioso. O Parlamento tem a legitimidade e o dever de colocar estas matérias
na agenda, de alimentar e enriquecer o debate por forma a que os objetivos e os
conteúdos de cada proposta sejam equacionados e os portugueses os conheçam.
Em
sede de Concertação Social, há todo o direito e o dever de discutir estas
matérias. Contudo não é a este órgão que compete decidir sobre elas. E ninguém
ignora que a composição e os métodos de funcionamento da Concertação Social se
estruturam com base numa relação de forças altamente desfavorável aos
trabalhadores.
Há
algumas matérias que merecem uma especial atenção.
Primeiro,
o princípio da existência de normas mínimas – genericamente referenciadas no
princípio do tratamento mais favorável. Aquele princípio – que está inscrito em
normas e diretivas da OIT e em legislação da própria UE (hoje propositadamente
esquecida) – é central para a regulamentação do Trabalho, mas também
estruturante do Estado Social, em toda a sua amplitude.
Segundo,
algumas leis laborais têm, em temas pontuais, como por exemplo, mecanismos do
trabalho suplementar ou condições de acesso a férias para trabalhadores a
prazo, disposições de muito duvidosa constitucionalidade. Seria muito saudável
que o Governo, ou a própria Assembleia da República, desencadeassem uma
apreciação no espaço do Direito, sobre quais as disposições que devem ser
corrigidas.
Terceiro,
os bancos de horas individuais em
prática são mecanismos intoleráveis de exploração. A existência de bancos de horas exige, imperiosamente, controlo e
negociação coletiva a sustentá-los.
Quarto,
há toda uma “segmentação” do trabalho que alimenta a precariedade a precisar de
ser reduzida.
Quinto,
não pode haver caducidade unilateral da contratação coletiva. Têm de se
encontrar formas que, podendo não significar o regresso à situação anterior às
revisões laborais que introduziram e ampliaram essa caducidade, impeçam vazios
ou chantagens patronais como hoje acontece. Ao discutir-se soluções para este
problema, tem de se proceder a uma análise quantitativa, mas também qualitativa
do estado atual da contratação coletiva, pois existem alguns novos contratos
coletivos que são exercícios de harmonização indecorosa das condições de
trabalho.
O
debate aberto sobre a legislação do Trabalho e as relações laborais tem de
estar na agenda política nos próximos meses e ser acompanhado pela mobilização
dos trabalhadores, dos especialistas e da sociedade.
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