Tão
evidentes começam a ser os efeitos das alterações climáticas que, cada vez mais
pessoas se interessam por esta problemática que coloca em risco a sobrevivência
de toda a humanidade. Entre as acções mais conhecidas que estão a contribuir para
esta situação está a exploração de hidrocarbonetos.
Além
disso, todos já percebemos que frequentemente os governos se encontram
manietados por forças poderosíssimas que apenas têm em vista os seus interesses
mesquinhos, em detrimento dos das populações. Entre estas forças encontram-se
as multinacionais petrolíferas que pretendem explorar por todo o mundo petróleo
e gás natural, deixando, quando se retiram um rasto de destruição e morte. Há
poucos anos chegou a vez de Portugal se tornar alvo da avidez dessas empresas
que não olham a meios para atingir os seus fins.
Entretanto,
os governos em funções têm revelado muita fraqueza e falta de vontade política para
enfrentar esses interesses pelo que todos nos temos de consciencializar que é à
rua que vai caber essa luta, antes que seja tarde demais. Como complemento dela,
o esclarecimento das pessoas através da comunicação social, tem um papel de
relevo. O excelente artigo de João Camargo, que apresentamos a seguir, transcrito
do Público, é um assinalável exemplo desta acção.
Boas notícias na luta contra o petróleo e o gás em Portugal. A
primeira é que ainda não há prospecção e exploração de petróleo e gás em
Portugal. A segunda é que movimentos, presidentes de câmara, associações
ambientalistas e empresariais se uniram para dizer a uma só voz: não. Disseram
que avançar com a prospecção petrolífera ao largo de Aljezur é declarar guerra
ao Algarve, e essa é a terceira boa notícia: já sabemos todos com que linhas
nos cosemos, dos dois lados da barricada. Do lado das petrolíferas e do Governo
sabem que será uma guerra, e do lado de cá também sabemos que será uma guerra.
Esta guerra terá várias batalhas, algumas das quais já têm data
e local marcado: manifestação em Lagos a 21 de Março, manifestação em Lisboa a
14 de Abril, participação numa consulta pública até 16 de Abril e o furo.
Outras datas surgirão entretanto: as petrolíferas farão a sua guerrilha de
subversão dos factos, da realidade, o Governo assobiará para o lado dizendo que
está tudo nos contratos, que cumpre leis e que é ao aparelho burocrático que
competem as decisões. A guerrilha empresarial será feita, como até agora, atrás
de portas fechadas, em reuniões privadas e com telefonemas pessoais.
Do outro lado, dos oponentes à prospecção e exploração, as
batalhas serão públicas, declaradas e inequívocas. Opomo-nos ao petróleo e ao
gás, não apenas por questões técnicas, mas porque nos cabe, enquanto sociedade,
reagir perante o rapto e a captura do bem comum pelo interesse de empresas que
cooptam governos e burocracias, que raptam o processo legislativo e as leis. No
caso concreto das petrolíferas, raptam-nos o futuro, assentando os seus lucros
na ruína do clima do nosso planeta, na extracção de combustíveis fósseis cuja
combustão provoca o aquecimento do planeta. Por isso, falar de preocupações com
secas, incêndios florestais, tempestades marítimas extremas e ondas de calor é
falar de travar estas empresas. Em todo o mundo, é óbvio, mas começando pela
nossa casa.
Na parte técnica, o Parlamento mandou em 2016 extinguir a
Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), mas as petrolíferas
protestaram e a ENMC manteve-se. Publicou agora um relatório absurdo que diz
que as petrolíferas já gastaram 70 milhões de euros à procura de petróleo (e
mesmo mil milhões de euros desde 1938). O relatório serviu de base para o
secretário de Estado da Energia autorizar o prolongamento, pelo terceiro ano
consecutivo, da autorização para a Galp/ENI furar o mar à procura de petróleo.
Esta autorização teve uma consulta pública em 2016, em que mais de 42 mil
pessoas e organizações se opuseram, mas foram ignoradas. A criação de duas leis
no Parlamento, uma para tornar obrigatória a consulta dos municípios e outra
para criar uma avaliação de impacto ambiental na fase de sondagem, foi
amputada: os municípios todos manifestaram-se contra mas a autorização foi
dada, e agora está-se a fazer uma pergunta pública, para se saber se haverá
sequer uma avaliação de impacto ambiental, incompreensível, mas entretanto a
petrolífera ENI já fez um “estudo” e conclui que não há impactos.
Mais recentemente, outra notícia. Só em benefícios fiscais, a
Galp recebeu, entre 2010 e 2016, mais de 70 milhões de euros, enquanto a Saipem
Portugal, empresa proprietária do navio do furo de Aljezur cujo maior
accionista é a ENI, recebeu mais de 201 milhões de euros.
Do lado das petrolíferas, além dos governos, burocratas, leis e
futuro, está o dinheiro. Não só o dos negócios de oportunidade entregues por
governos fracos como têm sido os nossos, mas o favor do Estado, os benefícios
do Estado, o dinheiro do Estado. Que tenha sido usado o argumento dos 70
milhões gastos pelas petrolíferas entre 2007 e 2016 em “investimentos” para
autorizar uma sondagem que é rejeitada por comunidades inteiras e seus
representantes, incluindo em consultas públicas como a de 2016, é emblemático.
Num período mais pequeno do que esse, as mesmas petrolíferas receberam o
quádruplo do valor em benefícios fiscais.
A guerrilha feita pelo Governo e pelas petrolíferas vem pela
calada, subvertendo leis e processos participativos, fazendo recordar também as
condições das concessões sem concursos, os contratos trespassados entre
entidades e a ausência de consulta às populações. Falando nós de petrolíferas,
não podemos excluir corrupção em todo este processo: já existe o “Galpgate” em
que são arguidos ex-secretários de Estado deste Governo e o presidente da
empresa; da ENI e Saipem é abundante a literatura em matéria de corromper
governos.
Uma vez mais, boas
notícias na luta contra o petróleo e o gás em Portugal. Já apanhámos os
mentirosos e os coxos. Agora, e na guerra que está declarada, vamos enterrar de
vez estas concessões. Ganhar esta guerra é apenas o primeiro nível do combate
às alterações climáticas.
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