O
recurso a vínculos precários pelas Universidades públicas, configura segundo o
deputado bloquista, Luís Monteiro (LM), no artigo de opinião que a seguir
apresentamos, transcrito do “Público” do passado sábado (10 Março), uma situação
de “gritante boicote” por parte daquelas instituições ao Programa de
Regularização dos Vínculos na Administração Pública, “que cria a possibilidade
de integrar bolseiros de investigação e docentes precários nas respetivas
carreiras”.
Apesar
do atraso, não quisemos deixar de apresentar aqui a posição do Bloco através do
texto de LM dada a sua importância para os bolseiros de investigação e docentes
universitários com vínculo precário.
A indignação causada pelo recrutamento de 400 jovens para
voluntariado no Festival da Eurovisão perde o seu estatuto de extraordinário,
quando o reitor João Gabriel Silva escreve um artigo no
PÚBLICO a defender ser legítimo a
Universidade de Coimbra usar e abusar do estatuto de “professor convidado” para
suprir necessidades permanentes na docência. Infelizmente, nada disto é
extraordinário, a precariedade já não é extraordinária, o falso voluntariado
não é extraordinário, o trabalho à jorna não é extraordinário e a opinião do
dirigente máximo da Universidade de Coimbra não é um epifenómeno. O Conselho de
Reitores (CRUP) emitiu um comunicado que torna preto no branco a exploração dos
trabalhadores altamente qualificados como cavalos de corrida: “A missão das
universidades pressupõe uma rotação elevada dos seus investigadores e
bolseiros.” Do Festival da Eurovisão ao ensino superior, a exceção virou regra
e o recurso a vínculos precários vulgarizou-se, como se de uma norma de
funcionamento se tratasse.
Segundo um recente relatório da Direção-Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência, no escalão etário dos menores de 30 anos só 1% dos
investigadores doutorados, membros de unidades de I&D financiadas pela FCT,
estão integrados na carreira. No escalão seguinte, dos 30 aos 34 anos, apenas
5% acedem à carreira. Para a categoria “outro tipo de docente”, em que foram
considerados os “professores convidados”, visitantes, ou cujo regime de
prestação de serviço é “colaboração”, representam 10% no escalão dos de menos
de 30 anos, 18% entre os 30 e os 34 anos e atinge o valor máximo, 19%, no
escalão seguinte, dos 35 aos 39 anos.
A maioria dos investigadores nestes escalões etários ficaram
colocados na categoria “investigadores não encontrados como docente no ensino
superior português” (89%, 77% e 66% nos escalões dos menos de 30, 30-34 e 35-39
anos, respetivamente). Ou seja, a precariedade é um fenómeno escondido na
universidade que proliferou, ao longo dos últimos anos, por decisão dos seus
dirigentes máximos e sempre com a conivência do ministério.
Contudo, o escrito do reitor de Coimbra tem um mérito: desvendar
a opinião dos governantes máximos das universidades sobre a instabilidade e a
informalidade laboral neste setor, uma vez que esta realidade tem sido
habilmente escondida e desviada da discussão pública ao abrigo da “autonomia
das instituições do Ensino Superior”, transformado em argumento de autoridade
para o que der e vier.
A gestão da academia fechou-se, tornou-se endogâmica e opaca e
parece não querer responder tampouco às leis da República. É disso exemplo
gritante o boicote declarado ao Programa de Regularização de Vínculos na
Administração Pública (Prevpap), que cria a possibilidade de integrar bolseiros
de investigação e docentes precários nas respetivas carreiras.
A universidade como
quase-mercado, incubadora de trabalho precário, apogeu das piores práticas da
gestão empresarial, é o modelo que chegou à academia em Portugal e que a
maioria dos reitores quer fazer prevalecer. Não só prepara a mão-de-obra mais
qualificada do país para estar sujeita a um mercado de trabalho cada vez mais
desumano, como ela própria encarna esse espírito de um capitalismo selvagem que
trata como descartável o que se prova ser uma necessidade permanente. João
Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra, nada consegue justificar
quando, no seu artigo de opinião, enfeita a precariedade dos docentes
“convidados” como normal e desejável. Não estará a academia a viver um processo
de autodestruição moral, quando se dirige à classe de profissionais que formou
para desautorizar o seu conhecimento?
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