Todos
temos obrigação de saber que em democracia o poder judicial é independente do
poder político, o que significa que os governos não podem interferir nas
decisões dos tribunais.
Os
portugueses que viveram na ditadura conhecem bem o que acontecia nessa altura
em que as ordens para condenar ou absolver o cidadão A, B ou C, vinham de “cima”,
tendo em conta se o dito cidadão era opositor ao regime ou, no mínimo, não
levantava ondas. Com o advento da democracia, essa situação deixou de ter cabimento
e, para os mais novos, é mesmo impensável.
De
qualquer maneira, o que agora está a acontecer em vários países do mundo onde, pelo
menos no aspecto formal vigora uma democracia é que há pressupostos deste
regime que estão a ser completamente colocados em causa, como é o caso do Brasil
e de Espanha, onde os tribunais estão a servir para colocar uma venda na boca àqueles
que não se calam perante
Francisco
Louçã aborda o que se está a passar nestes dois países num excelente artigo de
opinião que transcrevemos do "Expresso" Diário de hoje.
Não é de hoje, mas
talvez nos tempos de caos político que vamos vivendo se torne mais flagrante e
mais ameaçador. Em Espanha e no Brasil os juízes, ou alguns juízes, decidiram
tornar-se o centro de uma nova república dos profetas, albergada pela monarquia
que com eles se vai absolutizando.
Os juízes do Supremo
espanhol responderam a uma acusação contra os governantes catalães determinando
a sua prisão preventiva, sem direito a fiança e sem julgamento marcado, a
pretexto de “sedição”, um crime que desconhecemos no Portugal democrático, mas
que tem raízes na ditadura franquista. Manipularam depois os prazos e as formas
da acusação, abdicando do mandado internacional contra Puigdemont quando
presumiam que as autoridades belgas o rejeitariam, mas relançando-o quando os
serviços secretos acompanhavam uma visita à Finlândia que poderia vir a
permitir a sua detenção noutro país. O dedo do rei está por todo o lado (para
perturbação de Rajoy, que assim pode perder mais uma vez a oportunidade de
aprovar o Orçamento para 2018, ainda bloqueado pelos nacionalistas bascos) e
estes juízes tornaram-se o braço executivo do Palácio.
Do mesmo modo, os juízes
desencadeiam uma ordem de prisão contra o deputado que poderia ser eleito
presidente do governo catalão, nas vésperas da sua investidura. No tempo e na
forma, o tribunal atuou como um grupo incendiário, não hesitando perante a
opção de reverter o resultado das eleições. É isso que define a república dos profetas,
os que estão acima da lei, tudo aliás ao serviço dos Bourbons e do seu sonho de
uma Espanha que, como no tempo de Franco, esmaga as suas nacionalidades.
No Brasil foi mais
fácil. Alguns juízes mobilizaram o engenho de uma lei que permite que quem
dirige a investigação seja o mesmo que determine a sentença na primeira
instância. Sérgio Moro encarregou-se desse modo do ataque contra Lula. A
segunda instância agravou a pena e, esta semana, recusou os recursos.
Entretanto, o Supremo Tribunal já tinha determinado que a prisão se torna
efetiva com as decisões da Relação e, se reconfirmar essa doutrina, Lula
entrará na prisão na próxima semana. Os juízes são neste caso o braço político
dos partidos do golpe constitucional que, depois de derrubada a presidente
eleita, os levou ao poder, mas sem um candidato presidencial viável para as
eleições deste ano – e por isso precisam de afastar o candidato com maior apoio
popular.
As repúblicas dos profetas são uma das formas de autoritarismo dos nossos
tempos. Na verdade, são uma dispensa da democracia, ou porque ela elege
governantes independentistas (como em Espanha, apesar do percurso dos
nacionalistas de direita, próximos dos governos de Madrid), ou porque pode
eleger governantes que são distintos da elite tradicional (como no Brasil,
apesar dos esforços dos governos Lula de manterem os privilégios dessa elite).
Assim, o que é criminalizado nem é a alternativa, é somente o menor laivo de
diferença. Catalão, pobre, trabalhador, não tem lugar. Pode votar, desde que o
voto confirme a elite e a tradição. Se errar, então é punido. A república dos
juízes-profetas é a nova violência social do nosso tempo.
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