As crises do capitalismo geram sempre mudanças, na sociedade, na economia, na cultura e na política, umas mais profundas do que outras. Sempre foi assim ao longo da sua História. Algumas dessas crises desembocaram em revoluções, outras em contra-revoluções. Umas favoráveis aos povos, outras contra os povos, dependendo das circunstâncias e das relações de força de cada momento.
A primeira grande crise do capitalismo nos anos 30 do século passado, também conhecida como a Grande Depressão, provocou terríveis e trágicas consequências para a Humanidade, cujo expoente máximo foi uma destrutiva e criminosa guerra mundial com mais de 50 milhões de mortos, milhões de feridos e um sofrimento inaudito para os povos, incluindo os povos europeus, com destruição de cidades, vilas e infra-estruturas. De permeio, a crise consolidou o fascismo italiano, provocou a ascensão do nazismo hitleriano e do expansionismo japonês, reforçou o “Estado Novo” salazarista e conduziu à guerra civil espanhola e à vitória nacionalista de Franco. Nos anos 30 quase toda a Europa mergulhou em ditaduras de extrema-direita, também por receio do comunismo soviético. Além dos países referidos, temos os regimes ditatoriais de Pilsudski na Polónia, Voldemaras na Lituânia, Dolfuss na Áustria, o rei Boris III na Bulgária, Ulmanis na Letónia, Stojadinovic na Jugoslávia, Metaxas na Grécia, o rei Carol na Roménia.
Além das ditaduras fascistas e nazi, a crise fomentou o nacionalismo e o racismo extremistas e, também, a pobreza extrema e mais de 30 milhões de desempregados só nos E. U. A. e na Europa. Também originou o New Deal e o Keynesianismo, as Frentes Populares na Espanha e em França e diversos confrontos entre a esquerda e a direita na Europa, na América e um pouco por todo o mundo. De toda esta confrontação, de um modo geral a esquerda perdeu e a direita e extrema-direita saíram vencedoras. Mas podia ter sido outro o rumo da História, precisamente o seu contrário.
Agora o mundo e, particularmente a Europa, estão a viver a segunda maior crise do capitalismo. Poderá não acontecer uma nova guerra mundial que seria terrivelmente devastadora para o planeta. A globalização neo-liberal e a financeirização da economia já provocaram dezenas de milhões de desempregados, a pobreza avança por todo o lado como uma bola de neve, a xenofobia, o racismo e os partidos de extrema-direita crescem na Europa a olhos vistos.
O austeritarismo é agora a regra na Europa. O autoritarismo e a austeridade são o alfa e o ómega dos governos europeus, muitos deles submetidos aos governos da troika, como Portugal, Grécia e Irlanda. Mas esta crise também está a provocar uma outra novidade – uma alternativa, de esquerda, à tirania da troika e dos seus governos. Uma possibilidade, bem real, de formação de governos de esquerda por toda a Europa. Governos de esquerda fruto das lutas de resistência dos povos, das lutas dos povos contra o FMI, o BCE e a troika. O povo grego e a Syriza são exemplos bem concretos e reais dessas lutas de resistência. O que também terá de suceder em Portugal com o Bloco de Esquerda, desde que este se mantenha fiel à sua matriz. Desde que seja capaz de construir uma ampla maioria social de esquerda a caminho do socialismo do século XXI.
O problema candente que se coloca nos dias de hoje é o refundar da Europa e derrotar o poder financeiro, incluindo em Portugal. “Esse poder – conforme assinalou Alexis Tsipras há uns dias atrás – é o grande inimigo dos povos, não governa mas decide sobre todas as coisas”. Mais disse ainda que “estamos vivendo uma guerra entre as forças do trabalho e as forças invisíveis da finança e dos bancos”, e que “a cadeia de resignação e de servidão que unia os povos europeus está a romper-se”.
A Europa, incluindo Portugal, está a viver uma nova encruzilhada. Tal como disse o compositor e político grego Mikis Theodorakis: “ou os povos se levantam, ou os bancos trarão de volta o fascismo”. Também Ignacio Ramonet avisa que “se não sairmos do atoleiro dos mercados, vamos ter uma Europa de extrema-direita”.
Em Portugal e por toda a Europa os povos têm de se erguer, têm de correr com as troikas, os banqueiros, os agiotas e os governos seus lacaios, incluindo o social-liberalismo lacaio travestido de social-democracia. E a solução, a alternativa, só com governos de esquerda – também no nosso país. Um governo de esquerda que, entre outras medidas, implemente as seguintes:
a. Cancelar imediatamente o Memorando com a troika e devolver os salários e pensões por completo aos cidadãos;
b. Uma auditoria pública à dívida procedendo à sua renegociação e recusar o pagamento da dívida ilegítima, ou odiosa;
c. Revogar imediatamente o vergonhoso pacote laboral e instituir legislação favorável aos trabalhadores e aos jovens, permitindo o combate à precariedade e ao desemprego;
d. O controlo pelo Estado do sistema financeiro e a nacionalização da banca e dos sectores básicos da economia. Os bancos devem ser colocados ao serviço da economia e não da especulação e da agiotagem;
e. A defesa intransigente dos serviços públicos, de um efectivo Serviço Nacional de Saúde, revogando as taxas moderadoras, de uma Escola Pública de qualidade, abolindo todo o tipo de propinas, e uma Segurança Social ao serviço das pessoas;
f. Combate sem tréguas à corrupção política, económica e financeira, e à evasão fiscal;
g. Um imposto progressivo sobre as grandes fortunas e desmantelamento do offshore da Madeira.
Mas não nos iludamos: a burguesia vai responder com todas as armas que tiver ao seu alcance contra as lutas dos povos - já começou a sua famigerada campanha contra a Syriza e o povo grego. Precisamos de estar alerta, pois são de esperar novos desenvolvimentos nos próximos capítulos.
João Vasconcelos
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