O texto seguinte, da autoria de Daniel Oliveira, que vem publicado no “Expresso” de ontem, destaca cinco notícias recentíssimas, típicas da forma de actuar defendida pelo terrorismo neoliberal. Com o maior descaramento, usam-se todos os pretextos para desviar verbas do “Estado e do trabalho para o mundo financeiro”, verbas essas que não chegam a ser devolvidas “em crédito à produção”. Pela sua clareza, o comentário de Daniel Oliveira deixa-nos arrepiados pelo que possamos esperar desta gente sem escrúpulos, que está à frente dos destinos do país, pouco recomendável em termos de decência e de moral.
ANATOMIA DE UM CRIME
O Secretário de Estado da saúde admitiu que algumas terapias, como as que prolongam por pouco tempo a vida de alguns pacientes com cancro, podem deixar de ser financiadas pelo Serviço nacional de Saúde. É financeiramente incomportável para o Estado garantir, apenas por umas semanas, a sobrevivência de um doente terminal.
O Governo informou que os condutores com dívidas ao fisco podem ficar sem automóvel em operações stop. O mesmo Estado que é incapaz de levantar o sigilo bancário ou acabar com o offshore da Madeira para combater a fraude fiscal arranja coragem e meios para caçar pequenos contribuintes na berma da estrada.
O ministro Vítor Gaspar prometeu, caso haja folga, reduzir a Taxa Social Única. Para diminuir as despesas em trabalho põe em causa as nossas reformas. Mas deixa o IVA como está, estrangulando a economia, a nossa principal indústria exportadora (o turismo), o nosso principal empregador (as PME) e os cidadãos mais pobres, que são apanhados pelo mais cego dos impostos.
O não-ministro com pasta António Borges defendeu a diminuição de salários. O responsável pelas privatizações que no ano passado recebeu, do FMI, 225 mil euros livres de impostos e que foi funcionário da Goldman Sachs, considera que esta é a única forma de combater o desemprego e de ser competitivo. Apesar de nenhum dado estatístico, além dos gráficos teóricos que hoje se impingem nas faculdades de economia, confirmar que se os salários baixam o emprego aumenta. E de sabermos que o que se paga em Portugal, o trabalho pesa pouco no preço final do que produzimos. Os custos de contexto, como a energia, são bem mais relevantes para a nossa competitividade. E quem ameaça a sacrossanta EDP é corrido do Governo.
O executivo vai injetar 6650 milhões de euros no BCP, no BPI e na CGD (que se arruinou para salvar o BPN). Este dinheiro foi, por sua vez, emprestado pela troika. Será pago com juros nos próximos anos. A recapitalização do BCP e do BPI será feita pelos contribuintes e não pelo acionistas, onde estão, entre outros, Isabel dos Santos e a Sonangol. Os dois bancos valem na bolsa um quinto do que vão receber. Ou seja, dificilmente voltaremos a ver este dinheiro. Cada português dará à banca 665 euros. O Governo injetará ainda 350 milhões no BANIF, de que Luís Amado é vice-presidente. A mesma quantia que pretende gastar no combate ao desemprego jovem, que já ultrapassou os 35%.
Estas cinco notícias, todas desta semana, resumem a anatomia de um crime: a maior transferência de recursos de que há memória. Do Estado e do trabalho para as instituições financeiras. Retiram-se meios aos serviços públicos (mesmo que isso seja pago com vidas), assalta-se o pequeno contribuinte (criando um Big Brother fiscal), põem-se em perigo as reformas e reduzem-se os salários (apostando na falsa competitividade do trabalho barato) e, no fim, despeja-se o dinheiro em instituições financeiras que, como se sabe, não o devolvem em crédito à produção. Apenas sobrevivem à custa de um Estado falido para poderem continuar a lucrar com a espiral do endividamento público.
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