Por vezes é importante que certas coisas aconteçam para reavivarmos a memória sobre situações que se encontram algo esquecidas. O governo Passos/Gaspar/Portas passa por cima da lei como cão por vinha vindimada. Tomam-se as decisões, mesmo feridas de ilegalidade e depois logo se vê o que acontece… Assim está a suceder com a pretensão de acabar com o princípio legal da indemnização por despedimento. Se o patamar passar para 12 dias, o próximo passo é mesmo o fim das indemnizações sem que a concertação social tenha sido sequer consultada. Mas, mais esta jogada suja do Governo veio recordar a muita gente que do lado das confederações patronais – membros da concertação social – existem fundadas dúvidas sobre a sua legalidade, em especial, no que se refere ao número de associações que representam, assim como as quotizações destas. Por se tratar de uma situação pouco conhecida, achámos interessante apresentar um excerto de um artigo de opinião (*) que aborda a problemática em questão, a propósito da lei das indemnizações por despedimento:
A chamada concertação social é uma ficção que só serve para iludir o sistema político, como se viu por estes dias. Depois de se ter comprometido com uma contestada revisão das leis das indemnizações para os despedimentos, o Governo decidiu, unilateralmente, maximizar a sua proposta.
Consagrada por lei, a concertação social vive, desde a sua fundação, ferida de ilegitimidade. Ninguém sabe que legitimidade têm as confederações que lá têm assento. Do lado das patronais, o escândalo é absoluto. Haverá alguém, em Portugal, que saiba quantas associações são representadas pela CIP, ou pela CAP, ou pela Confederação do Comércio e Turismo? É evidente que não.
Todas, ou quase todas, nasceram pelo telhado. Isto é, fez-se a chamada confederação e só depois, para disfarçar a ilegalidade, começaram a aparecer as associações, quase sempre patrocinadas pela respectiva confederação. No caso da CAP isso é particularmente escandaloso.
Há anos que falo nisto e na necessidade de se aperfeiçoar a lei, obrigando essas confederações a fazerem a prova da sua representatividade, incluindo um aspecto importantíssimo: a origem das suas receitas, sobretudo, as quotizações das suas associadas.
Enquanto isto não for feito, nunca se saberá porque razão a CAP tem assento na concertação social em desfavor da CNA.
Durante os governos de Cavaco Silva e até, de alguma maneira, nos governos de António Guterres, a concertação social chegou a “aprovar” orçamentos do Estado, antes de a Assembleia da República o fazer. Claro que esta manobra servia apenas para fazer pressão sobre o parlamento e condicionar o debate. Se os parceiros sociais já tinham aprovado, como podia depois o parlamento chumbar a proposta governamental? Diga-se que, em alguma medida, o expediente resultou e condicionou também alguma imprensa.
O Governo de Passos Coelho, finalmente, fez a prova de que a concertação social, ainda que coberta pela lei, não tem qualquer legitimidade democrática. E aproveitou esse facto para impor uma segunda redução, na fórmula de cálculo das indemnizações, por despedimento. Diga-se que a diferença entre as duas propostas não é grande e, por isso, não é por aí que a questão me parece relevante.
O importante é que o Governo pretende acabar com o princípio legal da indemnização e, ao reduzir ainda mais o número de dias de trabalho para cálculo da indemnização, acelera esse objectivo, claramente ideológico. É uma teimosia cega, apesar dos zig-zags do ministro Álvaro, que ainda não se perceberam muito bem.
Ao fim e ao cabo é mais um factor incendiário, para aumentar o ritmo da “degradação social”, como Mota Amaral denunciou esta semana, num artigo que Cavaco Silva não leu. “Verdadeira catástrofe”, escreveu o fundador do PSD.
Na rede social que frequento, dei conta da revolta que se vai instalando em cada um dos portugueses. E, o mais curioso pormenor foi o “gosto” e o comentário subsequente, de uma das mais altas figuras da hierarquia do Estado, titular de um órgão de soberania, basquetebolista da Académica do meu tempo, que até agora sempre recatou as suas opiniões políticas. Deve ter concluído que chegou o momento de ter que dar um murro na mesa.
Esta é a maior das muitas crises que Portugal atravessou. Nas anteriores, esteve sempre dependente de si próprio, dispondo de alguns mecanismos para superar ou atenuar a situação. Desta vez, há um pormenor que faz toda a diferença: o país está inteiramente subjugado por esse poder oculto e ilegítimo que é o mundo agiota da alta finança, protegido por um poder político desavergonhado. Por isso, esta crise não tem precedentes, nas suas proporções. (…)
(*) “Consternação Social”, Sérgio Ferreira Borges, Diário de Coimbra (6/1/2013)
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