domingo, 6 de janeiro de 2013

CORRER RISCOS NÃO É COM CAVACO


A crise política existe porque vivemos numa crise económica, financeira e social. A política não constitui um compartimento estanque da sociedade, à margem de toda a sua problemática. Antes de mais, estamos perante uma crise política de enormes dimensões, o que significa que se o Presidente da República vetasse o Orçamento do Estado (OE) não criaria nenhuma crise, pelo simples facto que ela já existe.

Na sua mensagem de Ano Novo, Cavaco Silva afirmou claramente uma posição contrária às linhas gerais do OE, dando a entender o seu convencimento sobre a inconstitucionalidade de algumas normas mas não o vetou, evidenciando não querer correr quaisquer riscos políticos, uma incompreensível manobra já que essa é exactamente a função para que é eleito um Presidente da República.

Na sua crónica desta semana no Expresso deste sábado, Daniel Oliveira é muito crítico em relação à posição tomada pelo Presidente da República como se pode ver a seguir na transcrição que fizemos.



A QUADRATURA DO CÍRCULO

O desemprego, em especial entre os jovens, atingiu uma dimensão preocupante. Muitas famílias foram obrigadas a reduzir as suas despesas do dia a dia, mesmo em bens essenciais a uma vida digna. Muitas pequenas e médias empresas encerraram as suas portas, devido á quebra da procura de bens e serviços”. Tudo isto disse o Presidente da República para concluir o que há muito uns poucos avisaram que teria de ser feito: “Temos urgentemente de pôr cobro a esta espiral recessiva, em que a redução drástica da procura leva ao encerramento de empresas e ao agravamento do desemprego”. É o que fará o Orçamento de Estado para 2013? Pelo contrário: “Irá traduzir-se numa redução do rendimento dos cidadãos, quer através de um forte aumento dos impostos quer através de uma diminuição das prestações sociais”. E Cavaco tem “fundadas dúvidas sobre a justiça na repartição dos sacrifícios”. O que faz o Presidente? Põe combro, como diz ser urgente, à espiral recessiva? Não. Porque o país “ficaria privado de um importante instrumento de política económica”. Aquele que aumenta os impostos, reduz as prestações sociais e não garante uma justa repartição dos sacrifícios.

Cavaco Silva quer honrar os compromisso externos que impõem uma austeridade orçamental que “conduz à queda da produção e à obtenção de menor receita fiscal”, a que se segue “mais austeridade para alcançar as metas do défice público, o que leva a novas quedas da produção e assim sucessivamente”. O Presidente ao contrário do primeiro-ministro, já percebeu a mecânica da coisa. E está determinado: “É um círculo vicioso que temos de interromper”. Por isso promulga o Orçamento que lhe dá continuidade. “Temos de interromper”, claro. Mas é um plural que se perde no éter, porque não será ele a fazê-lo. Para não acrescentar à crise económica, financeira e social uma crise política. Como se a política pudesse viver à margem do resto da realidade.

Cavaco Silva disse o que os portugueses queriam ouvir para ficar quieto. Não vetou o orçamento que faz o oposto do que ele diz que tem de ser urgentemente feito. Não pediu a fiscalização preventiva de um Orçamento que ele sabe ser injusto, a única forma de não atirar para daqui a uns meses as consequências de uma decisão do Tribunal Constitucional. Pediu a fiscalização sucessiva que já sabia que a oposição iria garantir, fingindo com esta inutilidade prática, que está a fazer alguma coisa. Cavaco Silva disse, na sua mensagem de Ano Novo, que “se todos fizerem bem o que lhes compete é possível que o crescimento seja uma realidade no ano que começa”. Faltou-lhe fazer bem o que lhe competia. Faltou-lhe correr o risco de que sempre fugiu na sua já longa vida política: ter um desígnio mais alto do que a sua própria sobrevivência. Mas não é apenas isto. Na verdade, Cavaco Silva tal como Seguro e a oposição interna do PSD, procura a quadratura do círculo: quer que se interrompa um círculo vicioso imposto pelo exterior sem correr qualquer risco político. Como o próprio recordou, gastamos 20% dos nossos impostos nos juros e destruímos a nossa economia para cortar décimas no défice. Pôr fim a isto implica renegociar profundamente o memorando e a dívida. Para que isso aconteça a cise política será inevitável. É para isso mesmo que elegemos um Presidente: para impedir que, em nome da estabilidade governativa, se aprofunde a crise social e económica.

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