O Governo português colocou em marcha, na semana que agora acaba, uma monumental campanha de propaganda ligada ao denominado regresso de Portugal aos mercados financeiros. Como se sabe, a comunicação social de maior audiência está pejada de defensores das políticas do Governo e aproveitaram um acontecimento que não resultou de qualquer mérito de Passos nem de Gaspar para embandeirar em arco, uma suposta vitória que não existiu. As dificuldades dos portugueses até se vão agravar porque as medidas de austeridade serão ainda mais apertadas este ano, como está definido no Orçamento do Estado de 2013. Os portugueses irão verificar, por si, que depois do desfazer da espuma da propaganda fica nada, para além de um maior aperto de cinto para uma imensa maioria.
Ainda que com um acesso cada vez mais limitado à comunicação social, a esquerda anti-troika deve usar todos os meios legítimos para denunciar à população o logro que o Governo lhe tenta impingir. O seguinte texto de Daniel Oliveira, que transcrevemos do Expresso de ontem, demonstra de forma clara e simples o que, na realidade, se passou e como o “papel de Vitor Gaspar e de Passos Coelho é nulo” em todo o processo.
ENTRE A TROIKA E OS MERCADOS
A ida de Portugal aos mercados e o sucesso da venda de quarta-feira nada têm a ver com os resultados do “bom aluno” português. Os nossos resultados são, na realidade trágicos. Mas os juros das dívidas europeias estão todos a cair. Os da espanhola, da irlandesa, da italiana e até da grega. Portugal não é exceção e não se trata de qualquer prémio de bom comportamento. São as novas regras do BCE que trazem confiança aos mercados. E as novas regras resumem-se assim: o BCE vai passar a comprar as dívidas que os mercados não comprem. O negócio e, assim, seguro. E isso baixa os juros da dívida (os que são praticados pela banca, que continuarão a ser superiores aos que a troika nos oferece). Até aqui, as notícias poderiam ser piores. E nelas, o papel de Vitor Gaspar e de Passos Coelho é nulo. Estão, como os “maus alunos”, apenas a recolher os frutos do reconhecimento tardio de que o BCE deveria ter um papel mais interventivo. O mesmo se passa com a extensão do período de pagamento, decidido para a Grécia em julho de 2011 e que desde essa altura se sabia que iria ser aplicado à Irlanda e a Portugal (apesar de o Governo português ter sempre dito que não o queria). Por uma razão óbvia: estes prazos eram impossíveis de cumprir. De fora fica o fundamental para podermos respirar: uma verdadeira reestruturação da dívida, dos seus juros e dos seus montantes. Como a coisa ficou a meio, estamos, na prática, presos por mais tempo a um mau negócio.
Portugal vai regressar aos mercados protegido pelo BCE. Portugal e o resto da Europa. Mas esta proteção, que se conhece desde o verão do ano passado – o que me levou, em dezembro a escrever aqui que, seguramente, voltaríamos aos mercados este ano – tem condições: a dos Estados periféricos cumprirem os “programas de ajustamento”. Como as novas condições decididas pelo BCE serviram para travar a criação dos eurobonds, única forma de distribuir os riscos por todos, os estados periféricos continuam a ver-se obrigados a reduzir salários e a cortar no investimento público. Com esta inútil austeridade (segundo a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, 4 em cada 5 euros poupados foram perdidos com a queda da receita fiscal) e sem crescimento económico continua a doença do endividamento para pagar a dívida. Porque se os juros melhoram menos do que o crescimento piora, custará mais pagar e não menos.
Como voltaremos aos mercados numa situação pior do que aquela que tínhamos quando de lá saímos – recessão em vez de baixo crescimento e um aumento de €25 mil milhões na nossa dívida, €11 mil milhões acima do que ao cálculos do memorando previam para esta altura –, vamos mesmo precisar desta proteção do BCE. E para isso teremos de continuar a política de austeridade. Ou seja, vamos endividar-nos com juros mais baixos – e isso é bom –, mas a nossa economia vai continuara a afundar-se – e isso é péssimo –, deixando-nos eternamente presos à espiral recessiva e à ingerência externa. Com um Governo como o de Passos Coelho, não daremos pela diferença. Mas como não há mal que sempre dure, Passos acabará por cair. E o país, exposto aos mercados, por um lado, e às ordens do BCE, por outro, estará impedido de optar por uma política de crescimento.
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