Para quem não tem andado distraído, é notório que o Governo Passos/Portas está cada vez mais isolado. Da esquerda à direita as críticas são unânimes embora por razões diferentes. Para os fazedores de opinião passou a ser politicamente correcto dizer as últimas do Governo mas apenas alguns continuam a ser coerentes com o que sempre afirmaram. Outros seguem a onda de interesses de grande parte da direita que já deixou de se sentir representada pela equipa que conduz os destinos do país. De elogiar a coerência dos primeiros cujos receios expostos ao longo de muito tempo se vêm paulatinamente confirmando.
É o caso do autor do texto (*) que recolhemos do Diário de Coimbra de hoje onde se faz a comparação entre a acção da justiça perante os principais responsáveis pelas colossais fraudes financeiras, tanto em Portugal como na Grécia, e a forma como a justiça alemã actuou em situação semelhante mas de muito menor dimensão. Para ler e meditar…
Humor imperfeito
Nas chávenas de uma conhecida marca de café, que há dias me serviram num restaurante desta cidade [?], podia ler-se “50 anos a despertar Portugal”, mensagem publicitária não incomodativa e até compreensível, mesmo para quem não aprecie o produto e prefira o chá.
Já o mesmo não se poderá dizer da expressão utilizada por quem é normalmente designado por primeiro-ministro quando, em plena época natalícia, afirma com ênfase e aparente convicção “Vamos mudar Portugal”.
Francamente, não entendi. Pretenderá mudar as nossas coordenadas geográficas do Atlântico para o Índico ou o Pacífico? Modificar a partir de S. Bento, as características essenciais de uma nação e de um povo centenários? Alienar o que resta do património nacional ao “estrangeirado”? Será que vai transformar a cleptocracia, que conduziu este país à falência, numa democracia nórdica?
Como nenhuma destas interpretações se me afigura plausível, procurei ir à raiz, isto é, determinar o significado do verbo mudar, pelo que consultei o dicionário Houaiss da língua portuguesa e talvez lá tenha encontrado a resposta. Entre a panóplia de vocábulos, exprimindo o sentido do verbo, lá encontrei, por exemplo, “descrever ou interpretar falsamente”, “desfigurar ou deturpar, no sentido de uma insinuação superficial e irresponsável”. Assim, fiquei mais esclarecido, mas a calma não voltou.
Não voltou porque o abismo social em que nos meteram, não parece preocupar muito os governantes, nem sequer a identificação ou penalização das suas causas, de que o BPN é um paradigma. Relembro que, em 2008 e quando da inesperada nacionalização do banco, o então ministro das finanças Teixeira dos Santos garantia que nada seria feito que prejudicasse o Estado ou os contribuintes.
Quatro anos depois e basta ter visto a reportagem especial da SIC (12.12.22), o buraco aproxima-se dos sete mil milhões e a própria comissão europeia, que no seu quinto relatório de Outubro, acusava as autoridades nacionais de “falhanço”, por apenas terem recuperado 1% do total das dívidas, vem agora reconhecer que 80% dos créditos são de cobrança duvidosa e já pouco poderá ser feito, tudo isto enquanto se encontram apenas duas pessoas, provisória e principescamente presas, nas suas mansões privadas. Ficam os lusitanos, que lá vão pagando, nas reformas, nos salários, na saúde e em quase tudo.
Na Grécia teve de ser um jornalista (Real News) a divulgar os nomes constantes da chamada “Lista Lagarde”, entretanto desaparecida, onde constavam dois mil responsáveis por milhares de milhões de fuga ao fisco. Um deles, ex-secretário de estado e deputado socialista (Pasok) enforcou-se na sua residência e, um outro, empresário ligado aos negócios do ministério da defesa, apareceu morto num hotel da Indonésia. E, aparentemente, são os factos mais relevantes da justiça à grega.
Uma semana antes do Natal, duas dezenas de veículos policiais e quinhentos investigadores, entraram, às primeiras horas da manhã, na sede de uma conhecida organização bancária e nas duas principais sucursais, no âmbito de um inquérito sobre fraude fiscal agravada, branqueamento de capitais e obstrução à justiça. Sem entrar em pormenores, seis quadros superiores foram presos, 25 outros incriminados, entre os quais um administrador e um diretor financeiro e, tudo isto, pela “bagatela” de €350 milhões.
Não, caros eleitores. Isto, não aconteceu entre as avenidas da Liberdade e da Fontes Pereira de Melo, ou algures na baixa lisboeta, mas nos principais locais do Deutsch Bank, em Berlim, Frankfurt e Düsseldorf. Haverá, talvez, uma questão alemã na Europa, mas responsabilizar a senhora Merkel pela putrefação da nossa justiça é irrisório.
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação (Univ. Bordeaux III)
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