Vivemos um tempo em que o capital financeiro dispõe da vida de todos nós como muito bem entende, através de lacaios espalhados por todo o mundo, quer nos governos quer noutros sectores que influenciam de forma significativa a opinião pública. Para esta gente as medidas tomadas são aplicadas à medida dos seus interesses próprios ou daqueles que representam, independentemente de estarem conforme à lei ou a ferirem de modo mais ou menos grosseiro. A democracia também se tornou numa força de bloqueio para os donos do mundo e não se eximem de o afirmar abertamente. Aliás, parece que defender a democracia passou a ser atitude de radicais e extremistas e, como tal, coisa desprezível. Pensar de forma diferente do “discurso que nos é servido, pronto a consumir” tornou-se crime de lesa finança ou lesa troika para o caso de Portugal.
De facto, começam a ser insustentáveis estes sucessivos discursos sobre a crise que revelam, acima de tudo, uma crise discursiva, já que se procura escamotear que, antes de ser social, ela teve uma raiz política, financeira e económica, para não evocar a sua vertente antropológica.
Confrontamo-nos globalmente com regimes políticos de dominação que, à falta de um argumentário consequente, vão alimentando o sentimento ilusório de que, em breve, vamos sair do estado crítico em que nos encontramos e pelo qual, aliás como cidadãos, somos os principais responsáveis.
Salvo algumas exceções, parece-me que não se está a dar a devida atenção ao esgotamento do espaço democrático – veja-se o ressurgimento da xenofobia e do populismo, em vários países europeus – implicando necessariamente o reconhecimento da dignidade de pensar e de criticar, em detrimento de uma plêiade de tecnocratas, fieis servidores do poder e sempre disponíveis para tudo dizer e o seu contrário, em função de interesses espúrios.
O caso da proposta governamental do OGE-2013 é disso um bom exemplo. Pouco ou nada importa se viola a nossa lei fundamental, como se uma constituição fosse um conjunto de rabiscos em papel higiénico. O discurso que nos é servido, pronto a consumir, é que a sua não aprovação implicaria um prejuízo financeiro insustentável e, claro, que a troika não iria apreciar, pelo que a ameaça vem, conjuntamente, de dentro e de fora.
Neste contexto preciso, o governo escolheu o último dia do ano para injetar – verbo escolhido pelo jornal La Tribune - €1,1 mil milhões no Banif, alegadamente para reforçar os capitais próprios do banco (Cor Tier One), sendo assim a quarta instituição financeira a ser recapitalizada, depois do BCP, BPI, e CGD, se ignorarmos, que é o que pretendem, o caso BPN.
Observando a cartografia dos índices bolsistas em 2012, editada pelo quotidiano Les Echos, e intitulada “Ano fausto para as bolsas mundiais” e após um momento de perplexidade, surge um mal-estar profundo, para não dizer revolta. Apenas alguns exemplos. O índice MSCIWorld aumentou 13,2%, o DAX Alemão 29%, o CAC-40 de França 15%, os valores tecnológicos da bolsa americana (NASDAQ) 13,6%, os industriais (Dow Jones) 5,9% e, pasme-se, a bolsa de Atenas deu um salto de 32,7%. Se excetuarmos a Ucrânia (-38,5%), Marrocos (-15,13%) e a Espanha (-5%), o mundo financeiro está bem e recomenda-se. (*)
O “ano fausto para as bolsas mundiais” é um dos exemplos significativos de quem está a beneficiar com a crise – e à custa de quem – se nos lembrarmos da austeridade que nos está a ser imposta como se não houvesse qualquer alternativa. E há, mas os seus defensores quase não têm hipóteses de a defenderem publicamente.
(*) In Diário de Coimbra (“Justificações discursivas”, João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação).
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