O relatório do FMI teve o condão de nos mostrar, mais uma vez, o carácter fanático, irresponsável, e incompetente deste Governo e a sua má-estima pelos portugueses. No texto seguinte, Nicolau Santos classifica o relatório como “um embuste ideológico”, usando muita benevolência já que o dito documento é, em si mesmo, um embuste em todos os sentidos, fazendo jus à verdadeira fonte de onde emanou. Como muito bem afirma Carvalho da Silva (JN, 12/1/2013) “pelo processo da sua produção e, acima de tudo, pelo seu conteúdo, tal relatório deve ser classificado de ignóbil. Ele só tem interesse num aspeto: tornou mais claro, perante os portugueses, a malvadez, o retrocesso social e civilizacional das políticas deste Governo e, logo, a certeza de que elas negam o futuro do país". Alguns próximos da maioria são os primeiros a classificarem o documento como um “disparate”.
Tendo cumprido a missão de desmascarar o Governo, o destino do dito relatório deve ser, portanto, o caixote do lixo.
Tendo cumprido a missão de desmascarar o Governo, o destino do dito relatório deve ser, portanto, o caixote do lixo.
Um embuste que merece discussão (*)
O relatório do FMI para cortar €4 mil milhões na despesa pública é um embuste ideológico. Divulgado cirurgicamente, faz o mal e a caramunha para conseguir alguns ganhos.
É um embuste porque este relatório, sendo formalmente do FMI, é na prática dos 10 ministros e cinco secretários de Estado que colaboraram formalmente na elaboração do documento. É um relatório do Governo, apadrinhado pelo FMI, que passa ao papel os preconceitos e as posições ideológicas contra o Estado do primeiro-ministro e do ministro das Finanças.
Na prática, o documento abafa a polémica em torno do enorme aumento de impostos para este ano, prevenindo ao mesmo tempo o já previsível falhanço da meta do Orçamento do Estado para 2013. Além disso, antecipa o eventual chumbo do Tribunal Constitucional a algumas normas do OE.
Ao mesmo tempo, ao anunciar medidas que reduzem praticamente a cinzas a rede social do Estado tal como ele existiu até agora, o Governo prepara a opinião pública para aceitar mais e mais cortes nessa rede. Entre o napalm e a granada, a segunda parece sempre menos má.
O documento não esconde também a sua sanha ideológica contra funcionários públicos, desempregados, reformados e pensionistas. É contra eles que são propostas as medidas mais violentas (despedimentos de 140 mil funcionários públicos, redução dos salários-base em 7%, diminuição do tempo de subsídio de desemprego, cortes de 15% nas reformas acima das mínimas).
É verdade que as despesas com pessoal em percentagem do PIB foram até 2012, superiores à média da UE, mas no ano passado diminuíram para 9,8% do PIB (21% da despesa pública total), enquanto no conjunto da UE representam 10,7% do PIB (ou 21,9% da despesa pública). Contudo, no que toca ao Estado social, a proposta parte de pressupostos (propositadamente?) errados. As despesas com benefícios fiscais, em percentagem do PIB, em Portugal, sempre foram inferiores ao conjunto da UE. Até 2010, a evolução foi no sentido da convergência. Mas os benefícios sociais que representaram 29,1% do PIB em 2010, caem para 28,4% em 2011 e 27,6% em 2012 (Observatório sobre Crises e Alternativas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Barómetro das Crises nº 4).
É por isso chocante que o documento proponha a subida das taxas moderadoras de saúde nas urgências de 20 para 40 euros, ou a eliminação do abono de família aos jovens estudantes entre os 19 e os 24 anos, a diminuição dos subsídios de paternidade u o fim do subsídio de morte.
Há outro embuste neste documento: quando compara o incomparável. O Estado tem funções que exigem qualificações que o sector privado não tem. Por exemplo, polícias, militares, juízes e magistrados. E se noutros setores – saúde, investigação, universidade, educação e quadros técnicos – opera também o setor privado, não é menos verdade que os ordenados pagos no privado são muitas vezes semelhantes ou mesmo mais elevados do que na Função Pública.
O mais chocante é que esta proposta só nos propõe uma via: o empobrecimento com uma proteção social reduzida ao assistencialismo. E espera-se que quando o Estado estiver reduzido a um esqueleto, o crescimento económico e a criação de empregos brotem do solo por artes mágicas.
Dito tudo isto, contudo, não é possível escapar à discussão do Estado que queremos e podemos ter no século XXI.
(*) Expresso Economia
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