quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
BESTIALIDADES CAMILIANAS
Não passaria pela cabeça de ninguém que alguém dotado de um mínimo de cultura, de formação académica, e de sensatez perante a realidade que nos rodeia que viesse declarar numa televisão, perante uma audiência de centenas de milhares de pessoas que os historiadores são inúteis para a economia. Ainda por cima, o sujeito em causa, Camilo Lourenço, é autor de um livro em que, supostamente, pretende dar a receita para os portugueses saírem da crise, e comentador residente de um canal privado de televisão. Como é possível que gente desta entre com tanta facilidade nas nossas casas enquanto gente séria, conhecedora e ponderada, só por acaso é chamada a dar a sua opinião? Porém, o mais curioso é que bestialidades, como as que foram debitadas por Camilo Lourenço, pouca repercussão tiveram na comunicação social de maior audiência. Por isso, achámos interessante deixar aqui o comentário de Rui Tavares que hoje pudemos ler no Público.
Na história
Um economista e comentador, Camilo Lourenço, afirmou recentemente que os historiadores são inúteis para a economia. Enquanto historiador, eu poderia fazer aqui a defesa da minha profissão na economia ou a defesa do estudo da história para um ser humano completo. Isso é verdade, mas não chega.
Desejo defender um argumento mais ambicioso.
Na verdade, tenho sido mais bem servido durante esta crise por historiadores, como Harold James, ou por economistas que sabem história, como Paul Krugman, do que por economistas-comentadores como Camilo Lourenço e quejandos. Cito Harold James e Paul Krugman, um de direita e o outro de esquerda, para que se perceba que isto não tem forçosamente a ver com afinidade ideológica. O que interessa na visão histórica é a forma como ela combina elementos de profundidade (temporal) com outros de amplitude (temática), para produzir interpretações que nunca estão dependentes de apenas um fator.
E isso é algo que estes economistas mais estreitos, convencidos de que conseguem abrir as portas do entendimento com apenas uma chave (os custos unitários do trabalho, a dívida pública, a confiança dos mercados, etc.) nunca conseguirão entender. Por isso eles têm sido uma tragédia em toda esta crise, falhando previsões atrás de previsões e propondo remédios que agravam a doença geral, precisamente porque não têm demonstrado a flexibilidade mental necessária para prever a reverberação de uns fatores sobre os outros.
Um economista e comentador, Camilo Lourenço, afirmou recentemente que os historiadores são inúteis para a economia. Enquanto historiador, eu poderia fazer aqui a defesa da minha profissão na economia ou a defesa do estudo da história para um ser humano completo. Isso é verdade, mas não chega.
Desejo defender um argumento mais ambicioso.
Na verdade, tenho sido mais bem servido durante esta crise por historiadores, como Harold James, ou por economistas que sabem história, como Paul Krugman, do que por economistas-comentadores como Camilo Lourenço e quejandos. Cito Harold James e Paul Krugman, um de direita e o outro de esquerda, para que se perceba que isto não tem forçosamente a ver com afinidade ideológica. O que interessa na visão histórica é a forma como ela combina elementos de profundidade (temporal) com outros de amplitude (temática), para produzir interpretações que nunca estão dependentes de apenas um fator.
E isso é algo que estes economistas mais estreitos, convencidos de que conseguem abrir as portas do entendimento com apenas uma chave (os custos unitários do trabalho, a dívida pública, a confiança dos mercados, etc.) nunca conseguirão entender. Por isso eles têm sido uma tragédia em toda esta crise, falhando previsões atrás de previsões e propondo remédios que agravam a doença geral, precisamente porque não têm demonstrado a flexibilidade mental necessária para prever a reverberação de uns fatores sobre os outros.
Por isso, desde o início desta crise, enquanto os economistas estreitos se obcecavam com os seus alvos económicos, e falhavam sempre, os historiadores e outros conhecedores de história identificaram as analogias desta crise com a dos anos 1930 e entenderam que o colapso financeiro traria uma depressão económica com subsequente degradação da política e terríveis consequências sociais.
As eleições italianas desta semana mostraram uma vez mais que esta analogia faz sentido. E enquanto os economistas estreitos continuam a dizer as suas atoardas, a progressão que atrás descrevi avança inexorável. Os piores episódios desta crise, se a história nos ensina algo, estão para vir.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
MOÇÕES BE-PTM APROVADAS
Em reunião da Assembleia Municipal de Portimão de 19 de Fevereiro de 2013 foram aprovadas duas moções apresentadas pelo Grupo Municipal do Bloco de Esquerda de Portimão. Ei-las:
MOÇÃO
Taxa Municipal de Direitos de Passagem
deve ser paga pelas empresas e não pelos consumidores
Ao abrigo da lei 5/2004 (artigo 106º, nº 2), de 10 de Fevereiro, os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP).
Cabe às Assembleias Municipais autorizar, em cada ano, a cobrança da TMDP, a qual se traduz na aplicação de um percentual sobre cada fatura emitida pelas empresas que fornecem os referidos serviços, sendo diretamente paga pelos clientes.
Apesar das empresas de telecomunicações eletrónicas apresentarem lucros significativos, nem sempre se tem verificado a transferência para os municípios da totalidade dos valores cobrados aos consumidores, não estando prevista na lei qualquer sanção para este incumprimento.
Pelo Sr. Provedor de Justiça chegou a ser solicitada a suspensão da TMDP, tendo em conta que esta repercute diretamente sobre os consumidores encargos que devem ser suportados pelas operadoras de telecomunicações.
Também a Associação Nacional de Municípios Portugueses refere, em Fevereiro último, que a TMDP acaba por não propiciar aos municípios uma receita adequada à disponibilização por estes dos seus bens do domínio público ou privado, pelo que “é necessária uma alteração legislativa para resolver as questões complicadas que a mesma comporta”.
Das alterações ao regime jurídico da TMDP reivindicadas pela ANMP constam, a “responsabilização das empresas pelo pagamento da TMDP”, “disponibilizar aos municípios a listagem das empresas que estão sujeitas a TMDP” e “estabelecer-se um novo conjunto de contra-ordenações, seja pela não entrega do montante da TMDP, seja pelo não cumprimento das obrigações de comunicação e informação …”.
Assim, acompanhando as posições da ANMP, a Assembleia Municipal de Portimão, reunida em sessão ordinária no dia 19 de Fevereiro de 2013, DELIBERA:
1. Manifestar oposição à cobrança da TMDP diretamente aos consumidores, sublinhando que estes encargos devem ser suportados pelas operadoras de telecomunicações.
2. Solicitar à Assembleia da Republica a alteração da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas) para que, nomeadamente, a TMDP passe a ser paga diretamente pelas empresas e não pelos consumidores e sejam previstas sanções para as empresas que não efetuem o respetivo pagamento aos municípios.
O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda
Luísa Penisga Gonzalez
Pedro Mota
(Esta moção, depois de aprovada, deverá ser remetida ao Governo, Assembleia da República, Grupos Parlamentares e comunicação social).
Observação: Moção aprovada por unanimidade
Moção
Pela Democracia Local
A Proposta de Lei n.º 104/XII vem propor um novo regime jurídico para as autarquias locais e estabelecer o estatuto das entidades intermunicipais, agora promovidas a “entes integradores dos diversos municípios”..
Pela proximidade e pelo importante serviço prestado às populações, as autarquias deviam ter as suas competências alargadas e passar a ter mais recursos financeiros. As populações deviam ver melhoradas as possibilidades de participação nos órgãos autárquicos, a democracia local devia ser reforçada, a instituição das Regiões Administrativas devia ser entendida como um instrumento decisivo na racionalização do Estado e no combate ao desperdício de recursos públicos. Mas a Proposta de Lei n.º 104/XII não vai nesse sentido, vai num outro caminho, de desqualificação das autarquias e do poder local.
O núcleo essencial das funções dos órgãos deliberativos será afetado, os princípios da independência e da especialidade das autarquias serão postos em causa se forem aprovadas normas como a que prevê que a fixação de taxas e impostos (como a do IMI) pelas assembleias municipais – artº 25º b) c) e d), passe a ser condicionada por pareceres prévios dos novos órgãos das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais.
Também sobre as novas entidades intermunicipais e as suas Comissões Executivas (não eleitas diretamente, mas com remuneração superior à dos deputados da República), não foram tidas em conta pelo governo as sugestões apresentados pelas Juntas Metropolitanas do Porto e de Lisboa sobre as experiências positivas de áreas metropolitanas noutros países europeus.
Com a proposta de lei nº 104/XII elimina-se a figura da “moção de censura”, há mais centralização do poder, mais reforço do presidencialismo, menos fiscalização dos eleitos, menos participação popular e menos democracia local. O tão anunciado alargamento das competências das freguesias traduz-se afinal numa mão cheia de nada: a emissão de parecer sobre o nome das ruas -artº 16º nº1 w), a conservação de abrigos de passageiros – artº 16º nº 1 z), o licenciamento de arrumadores de automóveis –artº 16º nº 3- ou a limpeza de balneários, lavadouros e sanitários -artº 16º nº 1 aa) …
Assim, a Assembleia Municipal de Portimão, reunida em sessão ordinária no dia 19 de Fevereiro de 2013, delibera:
a) Manifestar a sua vontade em que sejam reforçadas as competências e os recursos das autarquias locais;
b) Exprimir o seu desacordo com a supressão prevista na Proposta de Lei nº 104/XII da possibilidade de apresentação de moções de censura aos executivos autárquicos;
c) Manifestar a sua discordância pela diminuição da responsabilização política e do poder de fiscalização democrática dos órgãos deliberativos das autarquias
O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda
Luísa Penisga Gonzalez
Pedro Mota
(Enviar esta moção, depois de aprovada, à Presidente da Assembleia da República e Grupos Parlamentares)
Observação: Moção aprovada por maioria, com 6 abstenções (PSD e CDS) e 18 votos a favor (BE, CDU e PS).
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
O EXEMPLO DA ADSE
A linguagem da direita em relação aos serviços públicos é sempre a mesma. Há que os denegrir o mais possível para que tudo o que seja susceptível de dar lucro passe para a esfera privada. Acontece assim com a educação, com a segurança social e com a saúde, para mencionarmos os grupos mais importantes e mais sensíveis para o comum dos cidadãos. Curiosamente é, em muitos casos, o Estado que mantém a sustentabilidade de imensas instituições privadas, à custa de muitos serviços que essas instituições prestam ao sector público. É o que acontece, por exemplo, com a ADSE que aguenta os hospitais privados como afirma a Isabel do Carmo, conhecida médica endocrinologista, no seguinte artigo que transcrevemos do Expresso do último sábado.
Quem sustenta os hospitais privados? A ADSE
Quem suporta economicamente a prestação de serviços privados na Saúde é o “monstro”, designação por que é conhecido o Estado (supostamente social) pela direita política, que coincide com aqueles que defendem os serviços privados de Saúde. É um curioso espetáculo de hipocrisia quando os vemos atacar o Estado, os seus “maus” serviços, o seu “desperdício”, sabendo que sem os pagamentos feitos pelo Estado as grandes instituições privadas seriam insustentáveis.
Os hospitais privados só o são nos proventos. De facto uma parte substancial do seu orçamento (trinta por cento?) está dependente dos pagamentos dos serviços prestados a beneficiários da ADSE. O Estado paga e paga sem atraso. No dia em que essa fatia de venda de serviços ao Estado deixasse de funcionar, faliam.
Além da ADSE os hospitais privados são pagos por companhias de seguros, as quais em Portugal têm uma cobertura pequena da população. A restante fatia é paga por particulares, sendo que em Portugal a fração da população com capacidade económica para pagar custos elevados é pequena; é também uma questão de escala. Não estamos a falar dos serviços de consulta privada em consultórios, mas sim de internamentos, exames auxiliares de diagnóstico, tratamentos caros. Portanto, os hospitais privados dependem da ADSE, isto é, do Estado. que só é “monstro” quando se trata de educação pública e Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Ao contrário da prontidão de pagamento aos privados, a ADSE deve milhões aos hospitais públicos (no caso do hospital de Santa Maria 31.416 milhões), que não tem qualquer esperança de recuperar a dívida. Isto é, n Saúde, o Estado é bom pagador aos privados e é mau pagador ao SNS. Aquilo que o Estado (Ministério das Finanças) coloca para pagamentos da ADSE aos privados, além dos proventos desta (descontos dos beneficiários) bem podia ser injetado no SNS que muito precisa.
Todavia a discussão sobre a ADSE e seus benefícios é complexa. E já começamos a ouvir os espontâneos que sabem discutir aeroportos, pontes, TGV, a rotunda do Marquês, agora a darem opiniões abalizadas sobre a ADSE, antes de as pessoas com conhecimento se confrontarem e afrontarem as soluções.
De facto as pessoas que são beneficiárias da ADSE descontaram durante toda a vida para este subsistema, ao que são mais velhos enquanto eram jovens e saudáveis e de pouco precisavam. Esse desconto fazia parte de um contrato social. Esse contrato social tem de ser respeitado, mantendo alguns benefícios. E considerando que todo o beneficiário da ADSE tem direito ao SNS como qualquer cidadão. Outra questão é este mecanismo estar a servir para a promiscuidade público-privada.
Mas a questão talvez mais sensível seja a eleitoralista. Todos os partidos sabem quanto pesam s votos dos funcionários públicos. E os discursos têm de ser descriptados.
Todavia, todos sabem também o que está escrito no acordo do memorando com a troika, logo na primeira versão. Aí constava que era necessário cortar trinta por cento nas despesas do Estado com a ADSE. Resta pois discutir se o corte é nos óculos, nos aparelhos auditivos, nas cadeiras de rodas ou se nos pagamentos ao Grupo Mello ou ao Grupo BES.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
GRANDOLANDO
A emblemática canção de Zeca Afonso, Grândola Vila Morena, foi ontem à noite cantada junto do quartel do Carmo pelo colectivo “Que se lixe a troika! O povo é quem mais ordena!” e por quantos se lhe quiseram juntar, como forma de recordar a data do falecimento do seu autor (23/2/1987). Consta que ainda não foi desta vez que o ministro Relvas quis aprender a letra da canção do Zeca…
LEGITIMIDADE FORMAL E DEMOCRACIA
“Há quem acredite que o primado da lei e do voto de quatro em quatro anos chega para garantir a democracia”. Quem pensa assim está completamente errado. Se a relação de confiança entre povo e governantes eleitos se quebra, a aplicação das leis deixa de ser possível e a governabilidade torna-se uma tarefa impossível. Por muita legitimidade formal que um governo obtenha através do voto, se a maioria da população sentir que está a ser enganada de forma escandalosa como tem vindo a acontecer em Portugal, de forma sistemática, desde que Passos Coelho e Portas tomaram posse, então, a ruptura entre governados e governantes é inevitável com a consequente inaplicabilidade das leis.
É este o tema base da coluna semanal que Daniel Oliveira assina este sábado no Expresso, um excelente texto que transcrevemos a seguir.
DO POVO, PELO POVO, PARA O POVO
Aurélia tinha 85 anos e vive na Corunha. Atrasou-se um mês a pagar a renda de casa e o tribunal decidiu o seu despejo. Em Espanha, decisões como estas são 520 por dia, com vários suicídios registados. Não estando em causa a obrigatoriedade de pagar as rendas, está a desproporcionalidade e a insensibilidade social destas medidas. Por causa delas, um grupo de cidadãos ciou a plataforma Stop Despejos. Plantam-se à porta da casa dos despejados, chamam a comunidade social, e, através da resistência e da exposição da injustiça, tentam obrigar as autoridades públicas a recuar. Repare-se: impedem a aplicação de uma lei aprovada por um parlamento eleito, determinada por tribunais legítimos e aplicada pelas forças de segurança de um Estado de direito. E, no entanto, é difícil dizer que fizeram mal em impedir que Aurélia fosse despejada.
Viver em democracia é viver em tensão. A tensão entre os representantes eleitos e os cidadãos que os elegem, entre as leis que aprovam e a aceitação social que permite que elas sejam aplicadas. Há quem acredite que a democracia pode existir sem representantes eleitos, tribunais independentes e separação de poderes. Conhecemos os resultados do desprezo pela democracia representativa: democracia nenhuma. Há quem acredite que o primado da lei e do voto de quatro em quatro anos chega para garantir a democracia. Só que a uma lei não chega a aprovação parlamentar. Sem aceitação social torna-se inaplicável. E a um governo não chega ser eleito. Tem de saber manter uma relação de confiança com quem o elegeu.
Pode dizer Miguel Relvas que os portugueses terão a oportunidade de se verem livres dele em 2015. Mas a verdade é que se um governo eleito perde o apoio popular deixa de conseguir governar. Se um ministro é desprezado por todos deixa de conseguir cumprir as suas funções mais básicas. Incluindo a de fazer um discurso numa universidade. Um ministro (ou um governo) que, perante o desespero das pessoas, já nem consegue falar aos cidadãos está condenado a fugir pela porta dos fundos. Pode agarrar-se à sua legitimidade formal para continuar a ocupar o lugar. Mas ela, no desempenho das suas obrigações quotidianas, não vale um caracol. Como o despejo de Aurélia, que, por mais legal que seja, surge como intolerável aos olhos de qualquer espanhol normal, a presença de Miguel Relvas no governo tornou-se insuportável para a esmagadora maioria dos portugueses.
O Estado Novo criou um mito sobre os portugueses: o de que somos brandos nos costumes. Um mito que não tem correspondência com a nossa história mas que era conveniente à ditadura. É verdade que os mitos sobre um povo também formam o seu carácter. E, quando comparados com espanhóis, revelamos quase sempre maior resignação e conformismo. É por isso que, apesar de tudo, ainda é com cantos e gritos que Passos ou Relvas se têm de confrontar. Acontece que os mitos também se desfazem. E ou os governantes percebem que não podem viver divorciados de um povo ou o ‘povo bom’ que um representante da troika elogiou muda de temperamento. Sem conteúdo democrático – um governo do povo, para o povo e pelo povo – a legitimidade formal vale muito pouco. Porque para uma lei ser lei, para um governo ser governo, não lhe basta a forma. É preciso que os cidadãos lhe reconheçam o conteúdo.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
JOÃO SEMEDO EM PORTIMÃO
Segundo informação que recebemos do João Vasconcelos, está confirmada a presença do João Semedo em Portimão, no próximo dia 1 de Março (sexta- feira) e cujo programa será o seguinte (de acordo com o que programámos): pelas 17 horas haverá uma reunião com a Administração do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (no Hospital do Barlavento) e pelas 21 horas teremos uma sessão pública na Junta de Freguesia de Portimão. O tema será a fusão do Hospital de Faro com o CHBA, cujas consequências serão muito graves para o SNS do Algarve, em especial para a zona barlavento mas não só: extinção e degradação de serviços, encerramento do Hospital de Lagos, deslocação de pessoal, mais desemprego, etc.
É importante a presença, em especial, de um grande número de camaradas e simpatizantes do Bloco, como forma de apoio a importantes lutas que se estão a desenvolver no Algarve, nomeadamente nas áreas da saúde, desemprego, portagens, etc. Todos somos necessários para dar força às nossas propostas.
ZECA AFONSO PRESENTE, MAIS QUE NUNCA
No 26º aniversário da sua morte, a melhor homenagem que lhe podemos prestar é usar os seus poemas e as suas músicas como arma contra o fascismo social que nos querem impor.
CITAÇÕES
Quando todos os sinais de alarme estão a soar estridentes, há que resolver dois problemas: remover os credores da posição que ocupam no governo do país e encontrar uma alternativa de governação que nos represente numa negociação efetiva, séria e acutilante com os credores.
Carvalho da Silva, JN
Ou seja, "indexar o global das reformas pagas ao PIB" corresponde a um critério de opção política que aponta para uma maior redistribuição da riqueza. E é provavelmente por pertencer a universo ideológico diverso do que é a propaganda neoliberal, que infiltra mesmo o ideário de partidos como o PS, que esta proposta está a passar despercebida.
São José Almeida, Público (sem link)
É tudo "ajustamento" porque os manipuladores das palavras entendem que, lá fora da sua janela do poder, tudo é plástico que se pode moldar, é tudo paisagem em que se pode plantar uma sebe alta para não ver o mais de um milhão de desempregados "em linha com o que estava previsto", e colocar os portugueses numa jaula de ratinhos a correr para fazer experiências.
Pacheco Pereira, Público (sem link)
Os hospitais privados só o são nos proventos. De facto uma parte substancial do seu orçamento (trinta por cento?) está dependente dos pagamentos dos serviços prestados a beneficiários da ADSE.
Isabel do Carmo, Expresso (sem link)
Agora, havendo o risco de as forças do mal inviabilizarem algumas das medidas que tomou, o senhor da Gasparlândia já se precaveu e com a sua enorme tesoura cortará mais de 800 milhões de desperdícios (nomeadamente desperdícios com desempregados, pensionistas e, em geral, com as funções sociais do Estado).
Nicolau Santos, Expresso Economia (sem link)sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
PS DEFENDE RELVAS
Provavelmente um qualquer Miguel Relvas (MR) teria lugar num governo PS.
Em relação ao que se passou no ISCTE, MR parece ter mais defensores dentro do PS do que dentro do Governo ou mesmo entre os seus correligionários. Ainda ontem à noite se verificou isso no programa de debate na TVI24, Prova dos 9, em que Santana Lopes foi muito mais compreensivo para com os estudantes do que Francisco Assis.
António Costa, aspirante a primeiro-ministro juntou-se a Augusto Santos Silva e a Assis para tomar as dores de Relvas na sessão da TVI.
Como alguém já escreveu, parece que o mundo acabou mesmo em Dezembro. Quem esperaria que uma figura de proa do PS condenasse os acontecimentos do ISCTE como actos “civicamente inaceitáveis” e cedesse a MR o papel de “vítima”, afirmando a terminar que “o resto não é para aqui chamado”. Só que “o resto”, para o ministro de Estado é um rol de golpaças e maldades sem classificação de que podemos destacar, a propósito de liberdade de expressão, o despedimento de um cronista que o criticava na rádio pública e o impedimento dos funcionários da RTP fazerem declarações públicas sobre a empresa. Tudo isto, sem esquecermos a coroa de glória de Relvas que tem a ver, como todos sabem, com a obtenção da “licenciatura”.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
PARA SER VISTO E "OUVISTO"...
Vamos fazer uma petição de solidariedade com Relvas perante a “mordaça” que lhe quiseram colocar. Ele merece um tempo de antena eterno…
AMIGOS INESPERADOS DE RELVAS
Um dos aspectos mais significativos das recentes manifestações contra membros do Governo quando estes se preparavam para falar, em especial no que diz respeito ao inefável Relvas, teve origem onde menos se esperava, ou seja, em várias figuras de proa do PS. Para além da retórica, o que fica em política são as acções concretas que vão definir o que pretende quem as levou a cabo. As tomadas de posição de, por exemplo, Augusto Santos Silva e Francisco Assis, pela forma que tomaram, quase convertem Relvas de algoz em vítima, sem mais uma palavra que realce os antecedentes que originaram a contestação. Quando Assis afirma que “Miguel Relvas foi vítima de actos civicamente inaceitáveis e, por isso mesmo, absolutamente condenáveis. Ponto final. O resto não é para aqui chamado” está objectivamente a contribuir para o branqueamento de uma figura do Governo, execrável para a esmagadora maioria dos portugueses, um dos principais rostos do inferno em que o país se tornou para quase todos nós. É mesmo “o resto” que tem de ser “para aqui chamado” porque, não tenhamos dúvidas que sem “o resto” a contestação ao Governo, seja no seu aspecto colectivo seja na pessoa de cada um dos seus membros, não teria lugar.
Curiosamente ou talvez não, também o deputado do PSD, Campos Ferreira, no Correio da Manhã de hoje, afinava pelo mesmo diapasão de Assis ao afirmar sobre o mesmo tema que “não está em causa o direito à manifestação, ao descontentamento, ao protesto” quando é exactamente isso que ambos, cinicamente, colocam em causa. O que os dois membros da troika interna gostariam que acontecesse é que ninguém levantasse voz para contestar as malfeitorias a que estamos a ser sujeitos, cada vez de forma mais violenta. Em causa está mesmo o direito dos mais fracos erguerem a voz para reclamarem sobre os seus direitos espezinhados. Há “razões” mais que suficientes para olharmos o “futuro com preocupação”.
As dores de Relvas tomadas por Augusto Santos Silva em entrevista televisiva são hoje objecto da crónica que Viriato Soromenho Marques assina semanalmente no DN. Dando-lhe um tom algo irónico, que o tema pede, o professor universitário começa por afirmar: Tomei conhecimento do duplo incidente com o ministro Relvas através de uma entrevista televisiva ao ex-ministro socialista Augusto Santos Silva. A indignação deste era tanta, por causa dos maus tratos de que o primeiro teria sido vítima, que julguei ter ocorrido uma nova "Noite Sangrenta" em Lisboa. Pensei que Relvas tinha sido metido numa camioneta, tal como António Granjo, Machado Santos e outros infelizes, assassinados na noite de 19 de outubro de 1921 por marinheiros revoltados.
À atenção dos portugueses, para memória futura: Campos Ferreira, Santos Silva e Assis são farinha do mesmo saco que, no essencial, pouco diferem, por muito que queiram fazer-se distinguir.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
BENEFÍCIOS PÚBLICOS COM ESTUDOS SUPERIORES
Os benefícios públicos de uma mulher ou um homem ter um grau de ensino superior são duas a três vezes superiores aos custos públicos com a sua formação, revela um relatório da Comissão Europeia.
De acordo como relatório “Education and Traning Monitor 2012”, gastar dinheiro com formação superior é um bom investimento. No caso dos homens, os benefícios públicos são, em média, três vezes superiores aos custos públicos e no caso das mulheres são, em média, o dobro do custo associado.
Apesar disto, Portugal tem cortado no investimento dirigido ao Ensino Superior: “em 2009, a maioria dos países europeus encontrava-se em recessão, mas todos eles mantiveram o investimento em educação à excepção de Portugal e da Roménia” lê-se no relatório.
Uma das metas definidas para a Europa – ter 40% de jovens entre os 30 e os 34 anos com qualificação superior – fi atingida há dois anos por quase metade dos Estados Membros. Portugal ainda está longe da meta com apenas 26,1% dos jovens portugueses com formação superior em 2011.
Os autores do relatório acreditam que será possível atingir aquela meta até 2020 apesar de “alguns Estados-membros ainda terem consideráveis progressos a fazer para conseguir atingi-la”.
Como se percebe por este relatório, o investimento feito por Portugal no Ensino Superior fica muito aquém do desejável, mesmo em situação de recessão. Entre nós, os governantes entendem os gastos com a educação como uma despesa e não como um investimento altamente rentável. Quando aparecem estatísticas nesta como noutras áreas estruturantes, ficamos sempre entre os últimos da lista… Assim não vamos longe.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
REFORMADOS TOMAM POSIÇÃO DE CRÍTICA AO GOVERNO
Numa pouco divulgada nota à comunicação social a Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas critica a atitude de “manifesta falta de respeito pelo cidadão”, por parte do Governo.
CORRUPÇÃO RIMA COM NEOLIBERALISMO
Numa sociedade dominada pelo poder do dinheiro em que a ganancia, a usura e a agiotagem são rainhas, a corrupção tende a tornar-se regra a vários níveis e contaminar cada vez mais gente. Facilmente se transforma numa prática comum no sentido da obtenção de prerrogativas de vária ordem, à margem da legalidade. A sociedade capitalista, na versão mais radical que agora domina, o neoliberalismo, é o antro perfeito para a germinação e crescimento das mais variadas formas de corrupção, até aos mais elevados níveis.
Em Portugal os recentes fumos de alegada corrupção (chamemos-lhe assim) a nível político são mais que conhecidos e comentados por toda a gente, sem que os (alegados) prevaricadores tenham sido alguma vez chamados à pedra…
Por essa Europa, muitos casos têm vindo a lume, ou não estivéssemos numa zona, por excelência, de influência da filosofia neoliberal.
O texto seguinte que transcrevemos do Diário de Coimbra (10/2/2013) faz uma interessante abordagem do tema corrupção.
Cucurrucucú… pção (*)
Por várias razões julgo-me credor de idoneidade e autoridade moral suficientes para falar da corrupção dos políticos. Por exemplo, sempre defendi a classe política, portuguesa ou outra, contra o facilitismo de algumas acusações e, sobretudo, de generalizações.
Mas as proporções do fenómeno estão a exigir de mim, mais qualquer coisa. Em Portugal, temos um Miguel Relvas que se tornou na grande vedeta do anedotário de 2012, com uma licenciatura instantânea, obtida à custa de um sem n´mero de equivalências. A mais hilariante dessas blagues, encontrei-a numa rede social e dizia que ele se tinha licenciado, ao abrigo do estatuto dos atletas de alta competição. Como tinha pé de atleta, deram-lhe também essa equivalência.
O mais dramático é que Relvas não está só. No governo alemão, o ministro da defesa, Karl-Theodor Guttemberg foi obrigado a demitir-se, depois de se ter descoberto que plagiara a sua tese de doutoramento. Ainda a poeira não tinha assentado, e a ministra da Educação, Annette Schavan foi acusada pela Universidade de Dusseldorf, de semelhante pecado. Está agora sob pressão, para que se demita. Mas para ampliar o escândalo, Angela Merkel diz que mantém toda a confiança na ministra. Pergunta-se, como pode o chefe de um governo depositar confiança em alguém que rouba um trabalho alheio? Como pode um polícia confiar num larápio? Um ladrão, geralmente só pode ter a confiança de outro ladrão, porque o código de conduta e desvalores é semelhante.
Chegamos a Espanha, onde outro escândalo, este de natureza financeira, abala o governo, sobretudo, o seu líder, Mariano Rajoy. Ao longo de 18 anos, Rajoy recebeu uma avença negra, paga por vários empresários, através de uma contabilidade paralela do Partido Popular. Ele nega e diz que está “tranquilo”, mas não admite perguntas dos jornalistas. Mesmo que tudo isto fosse mentira, ele nunca estaria tranquilo. E se nada tivesse a ver com o assunto, aproveitaria as perguntas dos jornalistas, para provar a sua inocência. Portanto, está muito, mesmo muito preocupado. Mas há outros dirigentes do PP envolvidos, quem sabe até, se outros membros do governo, e funcionários do partido. Para além de Luís Bárcenas, ex-tesoureiro, há outro funcionário sob a alçada da justiça. Trata-se de Jesus Sepúlveda, ex-marido da ministra da Saúde, Ana Mato. Ela diz que nada tem a ver com a vida do ex-marido, mas a polícia garante exactamente o contrário por ter provas de que ela recebeu dádivas de Francisco Correa, um empresário conhecido em Espanha pelo cognome de “Gurtel”. O PP recusa despedir Sepúlveda dos seus quadros, mas proibiu-o de entrar na sede.
Mesmo ali ao lado, o marido de numa das filhas do Rei está também a contas com a justiça. Através de uma fundação, terá sacado milhões dos cofres públicos, para organizar acções de natureza vária, da cultura, ao desporto. Aqui, a solução política pode estar iminente, se a infanta se divorciar do plebeu. O resto fica para os tribunais que descobrirão as cumplicidades do poder político que com ele colaboraram.
Há muitos outros casos, menores, que abalam a Europa. Por exemplo, o marido da deputada britânica que pagava filmes pornográficos com as despesas de representação da mulher, ou o despudorado e desvairado apetite sexual de Silvio Berlusconi que o fez escorregar para o infame crime do descaminho de menores. E por aqui se vê, como a corrupção financeira coexiste na mais absoluta harmonia, com a corrupção moral. Com gente desta não temos futuro, como concluiu a recente Conferência de Davos que não poupou a falta de qualidade do pessoal político.
Voltemos a Miguel Relvas. É este homem , agora, que tem entre mãos a parte política daquilo a que o Governo chama de “reforma do Estado”. Objectivamente, não tem competência para o desempenho, nem qualquer pergaminho que o recomende. Mas ninguém questiona isso, começando pelo Presidente da República que já devia ter exigido a sua demissão.
Cortar 4000 milhões de euros é apenas uma revisão orçamental, que nada tem a ver com a reforma da arquitectura institucional da República, apesar de isso implicar uma descaracterização do Estado moderno. Querem liquidar o Estado social, mas não apresentaram até agora qualquer modelo que o substitua. Trata-se, portanto, de um impulso da mais atrevida ignorância, com o único propósito de remover obstáculos, ao reforço do sistema neoliberal.
Reforma do Estado é outra coisa, que já aqui defendi repetidas vezes e que implica uma mexida profunda do sistema político, começando pela revisão das leis eleitorais. E isto não está ao alcance deste Governo.
(*) Sérgio Ferreira Borges
P.S. Entretanto, novos desenvolvimentos sobre o caso espanhol, aqui referido, levam à suspeita de envolvimento da própria casa real.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
REPESCAR BUFOS?
Percebe-se de forma clara que há um desnorte crescente na acção deste Governo uma vez que, sistematicamente, nada bate certo com a suas previsões e, em especial, o desemprego atingiu níveis incomportáveis apesar da imensa massa de gente em idade activa (principalmente jovens) que tem saído do país. Nada que não tivesse já sido antecipado por muitos conhecedores com créditos firmados mas que a maioria de direita, agarrada ao seu fanatismo ideológico, nunca quis aceitar.
A espiral recessiva está a crescer a olhos vistos e apesar do assalto do fisco às nossas carteiras, que acabou por se converter num confisco, é sempre preciso mais e mais dinheiro. Para promover este arresto aos já parcos rendimentos da maioria dos portugueses, o regime passista/gasparista/ relvista/ portista resolveu criar um corpo de cidadãos polícias de cidadãos, numa repescagem dos “bufos” de má memória, auxiliares da polícia política. A caça às microfacturas ou a quem não se faz acompanhar delas depois de beber um café, transformada em lei, contém em si mesma a causa do seu próprio fim. Como afirma Fernando Madrinha no Expresso de sábado (16/2) “o pior que pode acontecer a um legislador é conceber leis que, por impraticáveis, se tornam alvo da chacota geral”.
Perante tão clara injustiça, resta ao cidadão comum recorrer à desobediência civil como sugere Daniel Oliveira na coluna que assina na última edição do Expresso e que transcrevemos a seguir.
Quem não pedir a fatura nos estabelecimentos comerciais pode ser multado. Além da duvidosa constitucionalidade e exequibilidade de tal procedimento, o Governo teima em concentrar meios no pequeno contribuinte e nas pequenas empresas, depois das grandes empresas, nas suas barbas, anteciparem a distribuição de dividendos para fugirem às novas regras fiscais. Enquanto os bancos, de forma legal e com a cumplicidade do Estado, conseguem pagar uma taxa de imposto efetiva mais baixa do que a de uma oficina ou de uma barbearia. E no momento em que o principal destinatário dos nossos impostos não são as pequenas empresas e os cidadãos, esmifrados a té ao tutano, mas o setor financeiro.
Esta medida radical é a manifestação do desespero: o aumento brutal de impostos, associado a cortes nas prestações sociais, na saúde e na educação, criam o clima propício ao ressurgimento, em larga escala, de uma economia paralela. Por isso, o clima de terror fiscal não acabará por aqui. Crescerá com a crise. Porque a eficácia fiscal depende da aceitação pelo conjunto da sociedade de que pagar impostos é justo. E isso depende de uma relação equilibrada entre o que o Estado pede e o que o Estado devolve.
Os impostos até poderiam ser altos. Mas teriam de corresponder a uma redução das despesas em serviços fundamentais. Ou seja, teriam de manter o rendimento real médio do conjunto dos cidadãos. Para isso têm de garantir duas regras fundamentais do Estado social moderno: redistribuição e universalidade. Os impostos progressivos pedem proporcionalmente mais a quem mais tem e menos a quem menos tem. Ou seja, reduzem o rendimento real dos mais ricos e aumentam o dos mais pobres. Mas, para garantir a sua sustentabilidade política e social, não podem deixar de devolver o mesmo a toda a gente. Se a classe média não receber nada pelo que paga acabará por se revoltar, aliando-se aos mais ricos, que não precisam dos serviços públicos para nada, contra os únicos beneficiários de um Estado social para miseráveis. Com esta aliança, o Estado social, assim como o sistema fiscal que o sustenta, está condenado. Por fim, o fisco não pode ser uma forma de confisco. Não se pode pedir às pessoas que passem fome para pagarem impostos.
Perante a injustiça na distribuição da fatura da despesa, perante a desigualdade na redistribuição da receita, perante a desproporcionalidade entre o que o Estado exige e o que devolve e perante a falta de razoabilidade fiscal, o contrato social que até agora aceitávamos rompeu-se. E perante esta quebra de confiança, só resta ao fisco andar a caçar gente na rua, transformando cada cidadão num bufo. Porque quem viola o contrato social de que a democracia depende acaba sempre por ter de violar as regras do Estado de direito para impor a sua vontade. Restará aos cidadãos a desobediência civil. Não pedir nenhuma fatura até que o IVA volte a descer para níveis suportáveis para as pequenas empresas. Não mostrar qualquer fatura a qualquer fiscal que lhe apareça pela frente. Não pagar a multa correspondente e recorrer aos tribunais caso ela seja cobrada de outra forma. Sim, a lei é para cumprir. Mas para ser cumprida tem de ser moralmente aceitável pela maioria da sociedade. Assim funciona a democracia.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
16 FEV. MANIFESTAÇÕES CGTP NO ALGARVE
No Algarve terão participado nas manifestações de 16 de Fevereiro um milhar de pessoas, segundo a CGTP.
INSENSIBILIDADE SOCIAL GENÉTICA
Uma das características genéticas da direita é a sua falta de sensibilidade social, seja qual for o sector que quisermos abordar. A pobreza é tida como natural e as pessoas que caem nesta situação são muitas vezes consideradas “preguiçosas” e culpadas do estado em que se encontram. Afirmações como “pobreza sempre houve e sempre há-de haver” são suficientes para definirem ideologicamente quem as profere. A recente expressão do banqueiro Ulrich, “Ai aguenta! aguenta!” dentro do contexto em que foi pronunciada nunca teria como autor alguém de esquerda.
É claro que os governos que defendem em primeiro lugar os interesses dos ricos e poderosos fazem eloquentes exercícios de hipócrita retórica em defesa dos mais necessitados mas a prática é que conta e essa vai no sentido da insensibilidade social em todo o seu deplorável esplendor. O desemprego é um exemplo característico dos tempos que correm e, como afirma Fernando Madrinha no Expresso de ontem, “o que mais impressiona [no discurso oficial] é a fria naturalidade com que se assume que não há nada a fazer pelas “gerações perdidas””. Para a maioria de direita, um desempregado é apenas um número para as estatísticas e nada mais do que isso.
A propósito, o texto seguinte de Nicolau Santos (Expresso Economia) é um bom complemento para o que acabámos de afirmar.
DESEMPREGO PARA 10 ANOS
Um em cada cinco portugueses em idade ativa está desempregado (923,2 mil). Destes, 40% (164,9 mil) são jovens. Por outras palavras, quatro em cada dez jovens não têm emprego. Do total de desempregados, apenas 42% (305 mil) recebem subsídio de desemprego. E desse total, mais de metade (519,9 mil) são desempregados de longa duração, estando há mais de doze meses fora do mercado de trabalho. Se se alargar o conceito de desempregado à população inativa (os que já desistiram de procurar emprego ou que não aceitam o emprego que lhes aparece), então a taxa de desemprego está nuns estratosféricos 21%. Quanto ao emprego, é cada vez mais precário para os trabalhadores mais qualificados. E o desemprego castiga mais os trabalhadores não qualificados. Conclusão: sem crescimento não se criam empregos. Mas quando se criarem, não absorverão os trabalhadores com menos de nove anos de escolaridade, i.e., o país vai conviver com taxas de desemprego acima dos 10% durante uma década. E tudo o que se diga ao contrário é pura fantasia.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
CITAÇÕES
Não é preciso mais do que bom senso para perceber que um pequeno aumento no rendimento disponível das famílias mais pobres vai seguramente ser aplicado na compra de bens e serviços básicos cuja oferta gera emprego e cujo consumo anima a produção e cria por isso riqueza.
José Manuel Pureza, DN
Mas, o povo não pode amochar! Se os trabalhadores e o povo não reagirem, o descalabro continuará. Se a recessão económica em 2013 for idêntica à de 2012, o desemprego oficial aproximar-se-á dos 20% no final do ano. Isto é um desastre.
Carvalho da Silva, JN
De há dez anos para cá, o Governo Sócrates e depois o Governo Passos Coelho transformaram o fisco no mais parecido que existe com uma polícia global, e uma polícia global é também política, e o número de contribuinte no verdadeiro número único dos portugueses, cujo acesso permite todos os cruzamentos de dados e uma violação sem limites da privacidade de cada cidadão.
Pacheco Pereira, Público (sem link)
O que mais impressiona [no discurso oficial sobre o desemprego] é a fria naturalidade com que se assume que não há nada a fazer pelas “gerações perdidas”.
Fernando Madrinha, Expresso (sem link)sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
O DEVER DE EXERCER O NOSSO DIREITO
Vamos lá exercer o dever do nosso direito, até porque é um direito exercer o nosso dever. (renegado Horácio)
VAZIO DE IDEIAS NO ARCO DO PODER
Ainda faz eco o indecoroso espectáculo protagonizado no interior do PS por Seguro e Costa, que levaram a cabo uma triste encenação de um vazio político impossível de aceitar num dos dois maiores partidos políticos portugueses. Tudo o que restou deste espectáculo foi a certeza de que mais um sem-número de portugueses se desinteressaram do acompanhamento da actividade política o que é péssimo para os destinos do país. Nem uma ideia útil de lá saiu, o que leva os cidadãos a acreditar que pouca diferença existe entre as propostas de governação dos partidos do arco do poder e dos seus fracos actores políticos.
Ao contrário do que Pacheco Pereira afirma no texto seguinte que transcrevemos da Sábado de ontem, Portugal não “tem uma maldição qualquer em cima”. O que acontece é que PSD e PS são duas faces da mesma moeda, sem nada de novo a apresentar aos portugueses e funcionando como uma espécie de clubes de políticos que oferecem aos seus filiados – ora uns ora outros – apetitosos lugares na administração pública e/ou trampolins para voos ainda mais rendosos…
O redondismo nacional
O PS mostrou, num processo atrapalhado e pastoso, como pode fazer bastante mal a um país que infelizmente já tem candidatos bastantes a exercerem essa maldade. Não digo que o PS fez tanto mal ao País como a governação, porque diferencio com clareza o que é do domínio do poder do que são as malfeitorias da oposição, sempre mais inócuas do que o que pode fazer quem detém o poder executivo.
Mas o PS bem nos podia ter poupado a esta exibição completamente assente numa lógica mediática por fora, embora a realidade da divisão entre os socialistas e a lógica aparelhística seja a realidade por dentro. É que com esta exibição, a que o nome medíocre é elogioso, mostra uma das razões pelas quais este Governo sobrevive com uma frágil, insegura, débil, comprometida, hesitante, oposição e deixa para os extremos e para a rua a resposta da raiva.
António Costa quis e a meio deixou de querer, e isso é mortífero para quem quer e não deixou de querer. E o seu maior pecado é deixar-nos sozinhos com Seguro, um dos melhores exemplos do redondismo nacional, num País com muitos candidatos à função e em que para se estar no pódio é preciso mesmo muito redondismo. Como todos os “jotas”, Seguro actua em função de meia dúzia de ideias sobre a política, em particular aquilo que passa por ser “liderança”, e pelo que os jornais dizem dele. Se dizem que “negoceia”, ele estremece na afronta à sua “liderança”, e vem dar um “murro na mesa”; se dizem que ele é “fraco”, ele vem falar de alto e num discurso cheio de “eus”, “eu avisei”, “como há muito disse”, “eu propus, o Governo não quis ouvir e agora faz”, por aí adiante, manifesta uma vanglória vazia que ninguém reconhece, nem sequer ouve.
Ao fim de uma semana de encenação, Seguro e Costa produziram uma nova variante da “redacção da vaca” do género “a vaca é muito boa porque dá leite”, etc., que pela sua vacuidade política, insisto política, não merece muitos comentários. Mas voltarei a ele, ao Documento de Coimbra”, com aquele masoquismo essencial que o comentário às vezes tem. Fico-me agora com o revelador incidente do título redondista, Portugal Primeiro, o mesmo que Passos Coelho usou e que deve existir em múltiplas variantes em centenas de moções das “jotas” de ambos os partidos e depois, quando eles crescem em idade e funções, é transplantado para moções de distritais e federações. Como é que podia ser diferente se eles, Passos, Relvas e Seguro, são iguais, a sua literacia política é idêntica, a sua carreira semelhante que nem a papel químico?
António Costa quis e a meio deixou de querer, e isso é mortífero para quem quer e não deixou de querer. E o seu maior pecado é deixar-nos sozinhos com Seguro, um dos melhores exemplos do redondismo nacional, num País com muitos candidatos à função e em que para se estar no pódio é preciso mesmo muito redondismo. Como todos os “jotas”, Seguro actua em função de meia dúzia de ideias sobre a política, em particular aquilo que passa por ser “liderança”, e pelo que os jornais dizem dele. Se dizem que “negoceia”, ele estremece na afronta à sua “liderança”, e vem dar um “murro na mesa”; se dizem que ele é “fraco”, ele vem falar de alto e num discurso cheio de “eus”, “eu avisei”, “como há muito disse”, “eu propus, o Governo não quis ouvir e agora faz”, por aí adiante, manifesta uma vanglória vazia que ninguém reconhece, nem sequer ouve.
Ao fim de uma semana de encenação, Seguro e Costa produziram uma nova variante da “redacção da vaca” do género “a vaca é muito boa porque dá leite”, etc., que pela sua vacuidade política, insisto política, não merece muitos comentários. Mas voltarei a ele, ao Documento de Coimbra”, com aquele masoquismo essencial que o comentário às vezes tem. Fico-me agora com o revelador incidente do título redondista, Portugal Primeiro, o mesmo que Passos Coelho usou e que deve existir em múltiplas variantes em centenas de moções das “jotas” de ambos os partidos e depois, quando eles crescem em idade e funções, é transplantado para moções de distritais e federações. Como é que podia ser diferente se eles, Passos, Relvas e Seguro, são iguais, a sua literacia política é idêntica, a sua carreira semelhante que nem a papel químico?
Portugal tem uma maldição qualquer em cima.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
REUNIÃO DO NÚCLEO BE/PTM
Tendo em atenção que há assuntos a tratar com alguma urgência, decidiu o secretariado do núcleo de Portimão do Bloco de Esquerda agendar uma reunião que terá lugar no próximo sábado, dia 16 de Fevereiro, pelas 18 horas, na sede do BE/Portimão. Este horário teve de ser conciliado com o da manifestação da CGTP, pelas 15.30 h, na Alameda, onde todos os bloquistas devem estar presentes.
A proposta da ordem de trabalhos é a seguinte:
1. Informações;
2. Assembleia Municipal de Portimão dia 19 de Fevereiro;
3. Situação do Hospital do Barlavento;
4. Manifestação “Que se lixe a troika” em Portimão, dia 2 de Março;
5. Eleições autárquicas.
O secretariado do BE/PTM apela à participação de todos os camaradas, tanto na reunião como na manifestação.
OPORTUNIDADES DE UNS POUCOS
Não é todos os dias que um artigo de opinião é comparável a uma aula de economia política. O texto que a seguir apresentamos foi copiado do Público de ontem (13/2/2013). Apesar da sua extensão, é de fácil leitura mas fundamental para se perceber o caminho que se está a trilhar em Portugal no sentido de um crescente empobrecimento das populações e aprofundamento das desigualdades. Os sublinhados são nossos.
Portugal, terra da desigualdade (*)
As próximas linhas não são um plágio mas antes uma proposta de jogo. Esse jogo consiste em adivinhar sobre que país estamos a falar nas frases seguintes.
“Nada ilustra melhor o que tem acontecido do que o apuro que vivem os que hoje têm vinte e poucos anos. Em vez de iniciarem uma nova vida, cheia de entusiasmo e esperança, muitos deles confrontam-se com um mundo de ansiedade e medo. Esmagados com o custo dos estudos e empréstimos, que sabem-lhes ir custar muito a pagar e que não se reduzirão mesmo que se declarem insolventes, procuram empregos num mercado de trabalho disfuncional. Se tiverem sorte de encontrar um emprego, os salários serão um desapontamento, na maior parte das vezes tão baixos que terão de continuar a viver com os seus pais. Enquanto os pais de cinquenta e tal anos se preocupam com os seus filhos, também se preocupam com o seu próprio futuro. Irão perder a sua casa? Serão obrigados a reformar-se antes do tempo? Será que as suas economias, em grande parte depauperadas pela grande recessão, serão suficientes para continuar a viver? Eles sabem que face à adversidade pode não ser possível voltarem-se para os seus filhos em busca de ajuda. Do governo vêm ainda piores notícias: são discutidos cortes no sistema de saúde, que tornarão o acesso de alguns grupos aos cuidados de saúde não suportáveis. Na segurança social, também parece estarmos numa onda de cortes”.
A que país nos estaremos a referir? A semelhança é extraordinária com o que se ouve falar nas ruas, transportes e na comunicação social em Portugal. Mas não é Portugal. São os Estados Unidos da América nas palavras de Joseph Stiglitz, prémio Nobel da economia e autor do livro The Price of Inequality publicado no final do ano passado e onde nas páginas 265-266 se encontra escrito o que, em tradução livre, aqui foi reproduzido.
Tal como é apresentado no relatório da OCDE, já velho de um ano, Divided We Stand ou se preferirmos, "Divididos Nos Mantemos", a crescente desigualdade é um problema de muitos países, ou melhor, de quase todos os países da OCDE nas últimas duas décadas - honrosa excepção feita ao Brasil.
Portugal não escapa a essa tendência e, porventura, merecerá na Europa, dos 24 países sob olhar da OCDE, o epíteto de “Terra da Desigualdade”.
A vida em Portugal é tão desigual, entre quem tem mais rendimentos e quem menos possui, que os nossos coeficientes de desigualdade do rendimento disponível nos colocam sempre pior que o Reino Unido (o país mais desigual da Europa do Norte) e logo atrás dos EUA (o país só destronado na desigualdade pela Turquia, México e Chile). Mesmo quando pensamos na desigualdade de rendimentos oriundos do chamado capitalismo popular, ou seja, da suposta “democratização” dos ganhos em bolsa, também aí conseguimos ser tão maus quanto o Reino Unido e ainda piores do que os EUA na concentração de riqueza nos mais ricos.
O que assistimos em Portugal, e nos restantes países da OCDE para os quais há dados, são duas décadas de aplicação da regra "Jesse James" (ou pelo menos como foi retratado o famoso fora-da-lei na história do cowboy que dispara mais rápido que a sua sombra, Lucky Luke). Isto é, “roubar muitos pobres equivale a roubar um rico” ou, adaptando esse dizer da BD à nossa análise, para que a concentração de riqueza nuns poucos continue a aumentar é necessário que muitos percam o seu pouco dinheiro. Pois, como sabemos, a evolução do modelo de mercado de capitais tem vindo cada vez mais a aproximar-se da lógica dos casinos em que para alguns ganharem é necessário que muitos percam, num jogo de quase soma nula.
No relatório da OCDE Divided We Stand é apontada a razão do crescente aumento da desigualdade nas sociedades estudadas, e também da portuguesa: a razão reside na crescente desigualdade de salários. Os dados sugerem que a desigualdade salarial entre cidadãos assenta no facto de o progresso tecnológico ter tido impacto salarial maior nos trabalhadores com mais competências e escolaridade; que as reformas laborais, introduzindo maior flexibilidade, criaram mais empregos, mas substituíram empregos mais bem pagos por empregos mais mal pagos; que o aumento de trabalho part-time e de contratos precários contribuiu também para maior desigualdade salarial; que as novas famílias tendem a ser constituídas por pessoas com o mesmo nível de rendimentos, em vez de demonstrarem diversidade salarial, criando menor mobilidade social e de rendimento; que os rendimentos oriundos de fora dos salários, nomeadamente os obtidos nos mercados de capitais, aumentaram ainda mais desigualmente do que os com origem em salários, concentrando-se ainda mais em menos pessoas; e que, por último, a redistribuição de rendimento via actuação dos Estados tem sido diminuída em muitos países pelos cortes de benefícios sociais, pelo apertar das regras de acesso e pelas falhas na capacidade da administração de efectuar transferências para quem mais delas necessita – embora em Portugal tais práticas tenham sido temperadas nas duas últimas décadas até à crise de 2008, pelos governos de diferentes cores, as mesmas foram depois aceleradas a partir do acordo com a Troika.
Tal como o Portugal de hoje, os Estados Unidos da América deixaram de ser a terra da oportunidade para todos e passaram a ser a terra das oportunidades de uns poucos. Daí que a população norte-americana se tenha manifestado (alguns) e apoiado (a grande maioria) o grito de que nós somos os 99% espoliados pelo 1% dos mais ricos – algo que seria inimaginável nesse país há duas décadas atrás. Como Robert Reich mostra no seu documentário “Desigualdade para Todos”, premiado em Janeiro no festival de Sundance, os desequilíbrios económicos estão agora a um nível histórico sem precedentes. A desigualdade de rendimentos na América só no ano de 1928 foi tão alta como em 2007 – isto é, os anos que antecederam os dois grandes desastres económicos dos dois últimos séculos foram também os mais desiguais de sempre. Em 1978 o trabalhador típico dos EUA ganhava em média anualmente 48,302 dólares enquanto o 1% dos mais ricos ganhava, em média, 393,682 dólares ano. Saltemos para 2010. Há três anos atrás, o mesmo trabalhador típico ganhava o equivalente a 33,751 dólares enquanto o 1% do topo da pirâmide salarial atingia a casa do milhão de dólares – mais concretamente 1,101.089 dólares. Ou seja, quem menos ganhava perdeu cerca de 30% do salário auferido na década de setenta, enquanto os detentores de salários mais elevados mais do que duplicaram o seu salário. Como Reich explica, hoje os 400 americanos mais ricos têm mais riqueza do que 150 milhões de norte-americanos juntos.
Mas o que tem a ver connosco, os portugueses, o que se passa nos EUA e no resto da Europa? Eu diria tudo, pois nós não nos limitamos a copiar estilos de vida, práticas de consumo e formas de estudar. Também copiamos formas de organizar a nossa sociedade, o nosso Estado e a forma como gerimos organizações. Para Portugal os Estados Unidos da América, em primeiro lugar, e depois a União Europeia, constituem o nosso benchmarking, ou se preferirmos, numa linguagem mais crua, são aqueles que copiamos. E isso é hoje terrível para nós. Pois estamos entalados entre a cópia de uma sociedade cada vez mais desigual, a americana, e sociedades obcecadas pelos cortes e a submissão de tudo o resto ao “corte” orçamental, ou seja, as sociedades da União Europeia, contribuindo assim ainda mais para aumentar as desigualdades.
Na União Europeia, quer na Comissão quer na maioria das práticas governativas nacionais, a grande preocupação é a estabilidade do euro – mesmo para os que estão fora dele. Isso faz com que, por exemplo, se considere que hoje as grandes ameaças à estabilidade dos mercados sejam as generalizadas suspeitas de corrupção em Espanha, que colocam em causa a credibilidade do actual primeiro ministro Rajoy e da restante cúpula directiva do Partido Popular ou a incerteza eleitoral em Itália quanto aos resultados das próximas eleições. Ou seja, estamos a chegar a um ponto onde podemos imaginar que alguém (um funcionário da Comissão ou um representante de um país da União) poderá afirmar em off, a outrém, que há um preço a pagar pela estabilidade do euro e que esse preço será pago em democracia! Pagar-se-á através do fazer de conta que não se liga às suspeitas de corrupção em Espanha, na crença de que é preferível tolerar a corrupção do que colocar em causa a estabilidade do euro, ou que se houver possibilidade de manipulação eleitoral da opinião publica em Itália, tal será desculpável desde que seja para o bem da estabilidade política no resultado de maiorias claras – a bem da estabilidade do euro, é claro. O problema reside no facto de ser precisamente o Estado a única entidade que pode reduzir as desigualdades mas que hoje se auto-limita nesse papel ora com medo da hipotética reacção dos mercados ora por ter adoptado genuinamente, sem ter a noção das suas consequências, práticas de gestão indutoras de desigualdades.
Portugal vê-se hoje colhido por este modo de pensar Europeu – por enquanto maioritário – ao mesmo tempo que foi adoptando, ao longo de duas décadas, um modelo de gestão importado das melhores escolas (pois foi oriundo das Business Schools dos EUA e dos seus MBA), causador das piores práticas de gestão (com resultados à vista na viabilidade de muitos dos nossos bancos e empresas) e produzindo a financialização da nossa economia. Ou seja, uma forma de praticar a gestão que implica a necessidade de apresentar sempre altas taxas de remuneração dos investidores que detêm acções das companhias industriais e de serviços. Criando, assim, uma “lógica” que contaminou a grande maioria das práticas de gestão portuguesas. Essa contaminação passa pela necessidade de apresentar não apenas lucros, mas também de optar por os não reinvestir nas empresas para poder pagar sempre altos dividendos aos accionistas.
Noutra esfera de decisão, essa contaminação da gestão leva a que se tenha sempre de actuar com o intuito de baixar os custos do trabalho numa lógica anual, podendo para tal tomar duas opções: despedir localmente ou deslocalizar a produção para outras zonas de salários mais baixos – introduzindo a actual crise a legitimação de uma terceira opção, a qual era antes tabu, a baixa de salários.
O que é singular nesta descrição é que não se trata de decisões motivadas pela necessidade de viabilidade económica das empresas, mas sim de decisões motivadas pela necessidade de remunerar financeiramente os acionistas em percentagens, senão de dois dígitos, pelo menos bastante acima do valor dos juros bancários. Este triunfo de uma nova moda da gestão, a da Gestão Financeira da Produção, tornou-se também num modelo para a prática política, naquilo que é hoje designado por Democracia de Gestão – por oposição à tradicional Democracia Política. A Democracia de Gestão é, no fim de contas, simplesmente a adopção dos valores da prática da gestão financeira da produção à gestão dos bens públicos e da democracia, algo retratado nas diferentes práticas governativas nacionais na Europa e que levaram à aprovação de um orçamento europeu de cortes – aumentando ainda mais as desigualdades europeias. O mais curioso é que, na maioria dos casos, os próprios actores políticos não têm a consciência de estarem a agir segundo esta lógica.
A análise realizada, ao longo dos diferentes scrolls de ecrã que fez até aqui chegar, não é uma declaração de ataque a quem mais ganha ou à diferenciação salarial ou ainda ao empreendedorismo, pois só com diversidade e liberdade há criatividade e inovação e se cria riqueza. Mas também sabemos que quando a desigualdade atinge certos patamares cerceia a capacidade criativa, o empreendedorismo, a democracia e a própria liberdade de negócio. Eu não quero viver num mundo assim, nem creio que a maior parte dos que lerem este artigo o desejem, porque já viveram em mundos melhores, ou porque já experimentaram mundos piores, ou porque simplesmente acreditam na nossa capacidade individual de fazermos coisas fantásticas em conjunto. Perceber que vivemos em “Portugal Terra da Desigualdade” e quais as suas causas são apenas um princípio para darmos juntos o próximo passo na sua resolução - pois mesmo na Europa há outros modelos menos desiguais à espera de serem experimentados (e quem o sugere é o liberal The Economist).
(*) Gustavo Cardoso
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
DESEMPREGO DESCONTROLADO
A taxa de desemprego teve um aumento brutal do 3º para o 4º trimestre de 2012, aproximando-se de 1 milhão de pessoas sem trabalho, segundo números oficiais. Ainda segundo estes números, entre 2002 e 2012 a taca de desemprego cresceu de 4,4% para 16,9%. Ainda em 2008 este valor situava-se em “apenas” 7,3%. Como alguém diria, “é só fazer as contas”… Para além disso, não nos podemos esquecer de que, já no 3º trimestre de 2012, a taxa de desemprego se situava acima do previsto pelo Governo para o fim do presente ano. Que valores iremos, então, atingir em Dezembro de 2013?
De qualquer maneira, há que ter em conta que a realidade é muito pior, ao ultrapassar largamente 1 milhão de pessoas sem trabalho – esses valores poderão estar mesmo a aproximar-se de 1,5 milhões.
Atente-se apenas em cinco pormenores (pormaiores!) retirados dos números hoje vindos a público:
1.O desemprego no Algarve atingiu quase 20% o que significa que por cada 10 pessoas em idade activa, 2 estão sem emprego.
2.Entre os jovens, por cada 10, 4 não têm trabalho, uma brutalidade que está a atirar para o estrangeiro uma massa imensa de gente preparada, com que o país contava para o fazer desenvolver.
3.Apenas 43% do número total de desempregados, segundo o INE, recebiam prestações de desemprego em Dezembro de 2012. É claro que, se tivermos em conta o número real de pessoas que não têm trabalho, aquela percentagem baixa consideravelmente.
4.No último ano foram perdidos 200 mil empregos.
5.Perante estes dados aterradores, Passos Coelho / Portas assobiam para o lado como se estivéssemos perante danos colaterais das políticas elogiadas pelos arautos do neoliberalismo nacional e internacional.
A resposta a estas provocações – não têm outro nome – só pode ser dada pelo povo, no seu conjunto, não só por meio do voto como através de greves e muitas acções de rua. O próximo sábado 16 de Fevereiro e dia 2 de Março são datas propícias para manifestarmos que isto não pode continuar assim.
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