quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

BESTIALIDADES CAMILIANAS


Não passaria pela cabeça de ninguém que alguém dotado de um mínimo de cultura, de formação académica, e de sensatez perante a realidade que nos rodeia que viesse declarar numa televisão, perante uma audiência de centenas de milhares de pessoas que os historiadores são inúteis para a economia. Ainda por cima, o sujeito em causa, Camilo Lourenço, é autor de um livro em que, supostamente, pretende dar a receita para os portugueses saírem da crise, e comentador residente de um canal privado de televisão. Como é possível que gente desta entre com tanta facilidade nas nossas casas enquanto gente séria, conhecedora e ponderada, só por acaso é chamada a dar a sua opinião? Porém, o mais curioso é que bestialidades, como as que foram debitadas por Camilo Lourenço, pouca repercussão tiveram na comunicação social de maior audiência. Por isso, achámos interessante deixar aqui o comentário de Rui Tavares que hoje pudemos ler no Público.



Na história

Um economista e comentador, Camilo Lourenço, afirmou recentemente que os historiadores são inúteis para a economia. Enquanto historiador, eu poderia fazer aqui a defesa da minha profissão na economia ou a defesa do estudo da história para um ser humano completo. Isso é verdade, mas não chega.

Desejo defender um argumento mais ambicioso.

Na verdade, tenho sido mais bem servido durante esta crise por historiadores, como Harold James, ou por economistas que sabem história, como Paul Krugman, do que por economistas-comentadores como Camilo Lourenço e quejandos. Cito Harold James e Paul Krugman, um de direita e o outro de esquerda, para que se perceba que isto não tem forçosamente a ver com afinidade ideológica. O que interessa na visão histórica é a forma como ela combina elementos de profundidade (temporal) com outros de amplitude (temática), para produzir interpretações que nunca estão dependentes de apenas um fator.

E isso é algo que estes economistas mais estreitos, convencidos de que conseguem abrir as portas do entendimento com apenas uma chave (os custos unitários do trabalho, a dívida pública, a confiança dos mercados, etc.) nunca conseguirão entender. Por isso eles têm sido uma tragédia em toda esta crise, falhando previsões atrás de previsões e propondo remédios que agravam a doença geral, precisamente porque não têm demonstrado a flexibilidade mental necessária para prever a reverberação de uns fatores sobre os outros.

Um economista e comentador, Camilo Lourenço, afirmou recentemente que os historiadores são inúteis para a economia. Enquanto historiador, eu poderia fazer aqui a defesa da minha profissão na economia ou a defesa do estudo da história para um ser humano completo. Isso é verdade, mas não chega.

Desejo defender um argumento mais ambicioso.

Na verdade, tenho sido mais bem servido durante esta crise por historiadores, como Harold James, ou por economistas que sabem história, como Paul Krugman, do que por economistas-comentadores como Camilo Lourenço e quejandos. Cito Harold James e Paul Krugman, um de direita e o outro de esquerda, para que se perceba que isto não tem forçosamente a ver com afinidade ideológica. O que interessa na visão histórica é a forma como ela combina elementos de profundidade (temporal) com outros de amplitude (temática), para produzir interpretações que nunca estão dependentes de apenas um fator.

E isso é algo que estes economistas mais estreitos, convencidos de que conseguem abrir as portas do entendimento com apenas uma chave (os custos unitários do trabalho, a dívida pública, a confiança dos mercados, etc.) nunca conseguirão entender. Por isso eles têm sido uma tragédia em toda esta crise, falhando previsões atrás de previsões e propondo remédios que agravam a doença geral, precisamente porque não têm demonstrado a flexibilidade mental necessária para prever a reverberação de uns fatores sobre os outros.

Por isso, desde o início desta crise, enquanto os economistas estreitos se obcecavam com os seus alvos económicos, e falhavam sempre, os historiadores e outros conhecedores de história identificaram as analogias desta crise com a dos anos 1930 e entenderam que o colapso financeiro traria uma depressão económica com subsequente degradação da política e terríveis consequências sociais.

As eleições italianas desta semana mostraram uma vez mais que esta analogia faz sentido. E enquanto os economistas estreitos continuam a dizer as suas atoardas, a progressão que atrás descrevi avança inexorável. Os piores episódios desta crise, se a história nos ensina algo, estão para vir.

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