domingo, 3 de fevereiro de 2013

PELO REGRESSO ÀS PESSOAS


Francisco Louçã assina um artigo de opinião publicado este sábado no Expresso, onde defende a recusa do memorando e a reestruturação da dívida portuguesa. A clareza com que expõe os seus argumentos constitui uma prova da dificuldade que as forças de esquerda anti-troika sentem no acesso aos meios de comunicação social de maior audiência.


Não tenhamos qualquer ilusão de que o principal partido da oposição, o PS, mesmo sabendo que as receitas políticas actualmente em vigor só conduzem o país para o desastre, vai continuar a aplicá-las caso chegue ao poder. O conteúdo será o mesmo como se pôde verificar esta semana pelas posições tomadas pelo maior partido da oposição em relação ao celebrado “regresso aos mercados”. A diferença estará apenas no estilo. O “regresso às pessoas” é a solução.


A linha vermelha da defesa do Estado social

No meio do tumulto desta semana no PS, terá passado despercebida a candura com que Álvaro Beleza, um dos porta-vozes de Seguro, explicou que o sucesso da sua liderança seria demonstrável porque o Governo faz exatamente o que o PS propõe. O próprio Seguro garantiu que a operação “regresso aos mercados” teria sido afiançada ao mundo pela sua garantia de que, se governo, manteria o curso estabelecido pelos credores. O situacionismo tornou-se assim panache, o que adensa o nevoeiro cínico em Portugal: muitos dos que sabem que esta política arruína o país clamam pela sua prossecução a todo o vapor. Há uma oposição cuja estratégia é camaleónica.

O “regresso aos mercados” foi a chave deste alinhamento celestial. Para o Governo foi um sucesso estrondoso: durante uma semana Gaspar brilhou, Relvas fez-se esquecer. Cronistas insuspeitos afivelaram o seu melhor sentido de Estado para festejarem o “sucesso de Portugal”. Coisa pouca porque os juros são insuportáveis: pagá-los exigiria cinco anos de um superavit primário acima dos 3% e de crescimento a 2%, mas o foguetório só precisa de fazer barulho para parecer bonito. Dentro de três semanas, na próxima avaliação da troika, os festejantes vão propor agravar o abismo da recessão com medidas suplementares de mais 2% de queda da procura interna. Assim, a sua austeridade torna estritamente impossível pagar os juros do “regresso aos mercados”. Em todo ocaso, o “regresso” tem duas fortes implicações políticas. Em primeiro lugar, a coligação refez-se para já. A operação demonstrou-lhes que o “custe o que custar” tem um caminho depois de setembro: juros altos depois da troika, prolongado condicionamento da austeridade, mas alguns bons negócios, com mais exportações se a Europa respirar. A direita e os interesses económicos que representa unificam-se neste projeto de um país pobrezinho com alguma caridade triste, com muito desemprego e as famílias que substituam a segurança social, mas uma acumulação financeira pujante, repartida entre os agiotas, os rentistas e os donos dos hipermercados. Passos Coelho e Portas sabem o que querem, têm um destino para Portugal.

A segunda consequência política é mais funda: se o caminho do “regresso” é um resgate perpetuado depois de setembro sob a tutela do BCE, sem alívio do trabalhador ou do contribuinte e com cada vez com maior custo de juros (está previsto o dobro em 2016, o triplo em 2021), então a máquina de destruição do Estado vai acelerar. Como anunciou o FMI, só veem onde cortar nos salários e pensões. Dura conclusão para quem pensava que haveria a aparição, em cima da azinheira, de uma espécie de memorando em versão amigável. Não há.

De facto, no memorando já está todo plano de ataque ao Estado social: privatização dos CTT, da TAP, da energia, dos transportes, dos seguros da CGD, a chave do sector financeiro, de outras utilidades; cortes no SNS, escola pública minguada, despedimentos facilitados, corte nas pensões, a desarticulação da proteção social. Está lá tudo.

É por isso que a questão política maior, que vai definir a esquerda nos próximos anos, é sempre esta: a defesa do Estado social na saúde e educação, na reforma consistente da segurança social e na proteção dos salários e na equidade fiscal, tem como linha vermelha a recusa do memorando e da estratégia de falência social que ele promove.

É do lado de cá dessa linha que se têm de fazer corajosas alianças para um governo de esquerda: sem cortar na despesa dos juros não haverá “regresso às pessoas” e por isso, a reestruturação da dívida é a chave da solução de governo para Portugal. Os últimos meses, do Congresso das Alternativas à Auditoria Cidadã à Dívida, demonstraram que essa é a proposta que faz mais convergências. É a linha vermelha para a aliança da sensatez.

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