A novela à volta das não-decisões de António Costa (AC) relativamente ao que pretende para o seu futuro político pode ter o condão de revelar ao povo português o tipo de personalidade que não serve para chefe de governo. Ainda bem que AC se revelou a tempo de ficarmos prevenidos perante alguém que começa, agora, por colocar os seus interesses pessoais à frente dos do partido para, mais tarde, vir a fazer o mesmo em relação ao país. Como diz o “socialista”, autor do texto seguinte, “Costa quer a presidência da Câmara de Lisboa, quer a liderança do PS e, finalmente, quer ser primeiro-ministro.” É um péssimo cartão-de-visita para um eleitorado tão escaldado com as duas últimas peças que lhe saíram na rifa.
No texto seguinte, chamamos a atenção, em especial, para o último parágrafo (sublinhado nosso), onde está bem expresso a personalidade camaleónica de AC, provavelmente pouco conhecida pela parte da maioria dos portugueses.
A mulher, a amante e a filha dela! (*)
O título pode sugerir uma comédia de costumes, mas refere-se a um drama de cordel que vi no cinema há mais de 40 anos. Um estouvado corretor de bolsa, de Nova York, vivia inquieto entre a mulher e a amante. Mas a filha da amante cresceu e complicou tudo. Decidiu entrar na trama e seduziu o homem que acabou por ficar sozinho e arruinado. É dele que me lembro, ao olhar para António Costa.
Costa quer a presidência da Câmara de Lisboa, quer a liderança do PS e, finalmente, quer ser primeiro-ministro. Tudo seria teoricamente possível, com outro calendário, mais espaçado. Tal como as coisas estão, ele tem de fazer opções. Caso contrário, pode ficar na mais impiedosa solidão, tal como aconteceu ao corrector da bolsa.
Com esta diatribe, Costa emitiu um salvo-conduto ao Governo que, assim, tem muito mais possibilidades de garantir o cumprimento da legislatura. Com o PS em Congresso, com uma disputa pela liderança, Cavaco Silva nunca demitirá Passos Coelho, por evidente falta de alternativa. Entretanto chega o Verão e depois as eleições autárquicas.
Imaginando que Costa ganha a liderança do PS, transforma-se imediatamente em candidato a primeiro-ministro, acumulando isso com a candidatura à Câmara de Lisboa, a única coisa em que ele foi claro e inequívoco. E se ganhar as eleições municipais em Lisboa, como tudo indica, resta-lhe um curto espaço de 21 meses, até à conclusão da legislatura. É evidente que não estará em condições de pedir a demissão do Governo, ou de se disponibilizar, para chefiar um executivo alternativo, mesmo que a coligação PSD/CDS se desfaça.
E não é líquido que o eleitorado reaja favoravelmente a um homem que se candidata a uma função, quando de facto, deseja outra. É um logro que pode ser punido nas urnas.
Ele deixou-se envolver nesta trama – podemos até chamar-lhe imensa trapalhada – levado pelos “socratistas” que parecem desejosos de retaliar a imensa derrota que lhes foi imposta, no Verão de 2011. Num primeiro momento, foi arrastado, para depois fazer um recuo estratégico, cauteloso, ou mesmo, medroso.
Surgiu na reunião da Comissão Política acompanhado de Francisco Assis, o que deixa supor que foi o bom senso do ex-candidato à liderança que lhe travou os ímpetos. Para que o passo atrás não fosse completo, emendou mal a questão. Impôs uma condição que nem toda a gente terá percebido. Deu um prazo de 10 dias a António José Seguro, para “unir o partido”. O que significa esta pressão no léxico partidário? Uma coisa muito simples: Seguro deve dar protagonismo, para não dizer “tachos”, aos órfãos de Sócrates. Aliás, ele associou a esta reclamação uma crítica. António Costa acusou a actual direcção de não assumir o passado, isto é, de não se empenhar na defesa do “socratismo”, como se esse período fosse alguma coisa que honrasse o PS. Nunca nada foi tão prejudicial para o partido.
Mas António José Seguro não pode esquecer que foi eleito numa base programática que prometia a ruptura com o “socratismo”, o que torna impossível essa união pretendida por Costa. Alguém quer ver o regresso de Capoulas Santos, Edite Estrela, José Lello, Luís Amado, Silva Pereira, Sérgio sousa Pinto, Paulo Campos, os ex-líderes da JS, ou mesmo Augusto Santos Silva que anda a tentar branquear o seu compromisso, com a deriva neoliberal do PS? E António Costa foi o número dois de José Sócrates. Se Seguro cometesse a asneira de pôr algumas destas figuras na primeira linha da bancada parlamentar, a direita saberia aproveitar o erro, para atacar constantemente esse período negro do consulado de Sócrates.
Costa tem uma enorme capacidade para mudar e descartar compromissos. Conheci-o muito bem, como vogal da Assembleia Municipal de Lisboa, onde nunca falou. Era então afecto à corrente soarista (João) que tinha muita influência na FAUL. Passou depois a “sampaísta” e fez até o estágio de advocacia no escritório de Jorge Sampaio e Vera Jardim. Foi nessa qualidade que chegou ao Congresso, onde Guterres disputou a liderança a Sampaio. Na sexta-feira desse conclave, participou num debate televisivo, na qualidade de “sampaísta”, com Armando Vara que representava a sensibilidade “guterrista”. Mas no domingo, quando abandonou o pavilhão Carlos Lopes, já era um “guterrista” convicto. Como “socratista”, foi dos primeiros aperceber que o barco, tarde ou cedo, afundaria. Foi criando distância, ao ponto de fazer fotografar a mulher, na mega manifestação dos professores, contra a política de Maria de Lurdes Rodrigues. Parece que agora quer ser “costista”, o que não será fácil. Passos Coelho está-lhe grato.
(*) Sérgio Ferreira Borges, Diário de Coimbra
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