Percebe-se de forma clara que há um desnorte crescente na acção deste Governo uma vez que, sistematicamente, nada bate certo com a suas previsões e, em especial, o desemprego atingiu níveis incomportáveis apesar da imensa massa de gente em idade activa (principalmente jovens) que tem saído do país. Nada que não tivesse já sido antecipado por muitos conhecedores com créditos firmados mas que a maioria de direita, agarrada ao seu fanatismo ideológico, nunca quis aceitar.
A espiral recessiva está a crescer a olhos vistos e apesar do assalto do fisco às nossas carteiras, que acabou por se converter num confisco, é sempre preciso mais e mais dinheiro. Para promover este arresto aos já parcos rendimentos da maioria dos portugueses, o regime passista/gasparista/ relvista/ portista resolveu criar um corpo de cidadãos polícias de cidadãos, numa repescagem dos “bufos” de má memória, auxiliares da polícia política. A caça às microfacturas ou a quem não se faz acompanhar delas depois de beber um café, transformada em lei, contém em si mesma a causa do seu próprio fim. Como afirma Fernando Madrinha no Expresso de sábado (16/2) “o pior que pode acontecer a um legislador é conceber leis que, por impraticáveis, se tornam alvo da chacota geral”.
Perante tão clara injustiça, resta ao cidadão comum recorrer à desobediência civil como sugere Daniel Oliveira na coluna que assina na última edição do Expresso e que transcrevemos a seguir.
Quem não pedir a fatura nos estabelecimentos comerciais pode ser multado. Além da duvidosa constitucionalidade e exequibilidade de tal procedimento, o Governo teima em concentrar meios no pequeno contribuinte e nas pequenas empresas, depois das grandes empresas, nas suas barbas, anteciparem a distribuição de dividendos para fugirem às novas regras fiscais. Enquanto os bancos, de forma legal e com a cumplicidade do Estado, conseguem pagar uma taxa de imposto efetiva mais baixa do que a de uma oficina ou de uma barbearia. E no momento em que o principal destinatário dos nossos impostos não são as pequenas empresas e os cidadãos, esmifrados a té ao tutano, mas o setor financeiro.
Esta medida radical é a manifestação do desespero: o aumento brutal de impostos, associado a cortes nas prestações sociais, na saúde e na educação, criam o clima propício ao ressurgimento, em larga escala, de uma economia paralela. Por isso, o clima de terror fiscal não acabará por aqui. Crescerá com a crise. Porque a eficácia fiscal depende da aceitação pelo conjunto da sociedade de que pagar impostos é justo. E isso depende de uma relação equilibrada entre o que o Estado pede e o que o Estado devolve.
Os impostos até poderiam ser altos. Mas teriam de corresponder a uma redução das despesas em serviços fundamentais. Ou seja, teriam de manter o rendimento real médio do conjunto dos cidadãos. Para isso têm de garantir duas regras fundamentais do Estado social moderno: redistribuição e universalidade. Os impostos progressivos pedem proporcionalmente mais a quem mais tem e menos a quem menos tem. Ou seja, reduzem o rendimento real dos mais ricos e aumentam o dos mais pobres. Mas, para garantir a sua sustentabilidade política e social, não podem deixar de devolver o mesmo a toda a gente. Se a classe média não receber nada pelo que paga acabará por se revoltar, aliando-se aos mais ricos, que não precisam dos serviços públicos para nada, contra os únicos beneficiários de um Estado social para miseráveis. Com esta aliança, o Estado social, assim como o sistema fiscal que o sustenta, está condenado. Por fim, o fisco não pode ser uma forma de confisco. Não se pode pedir às pessoas que passem fome para pagarem impostos.
Perante a injustiça na distribuição da fatura da despesa, perante a desigualdade na redistribuição da receita, perante a desproporcionalidade entre o que o Estado exige e o que devolve e perante a falta de razoabilidade fiscal, o contrato social que até agora aceitávamos rompeu-se. E perante esta quebra de confiança, só resta ao fisco andar a caçar gente na rua, transformando cada cidadão num bufo. Porque quem viola o contrato social de que a democracia depende acaba sempre por ter de violar as regras do Estado de direito para impor a sua vontade. Restará aos cidadãos a desobediência civil. Não pedir nenhuma fatura até que o IVA volte a descer para níveis suportáveis para as pequenas empresas. Não mostrar qualquer fatura a qualquer fiscal que lhe apareça pela frente. Não pagar a multa correspondente e recorrer aos tribunais caso ela seja cobrada de outra forma. Sim, a lei é para cumprir. Mas para ser cumprida tem de ser moralmente aceitável pela maioria da sociedade. Assim funciona a democracia.
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