Numa sociedade dominada pelo poder do dinheiro em que a ganancia, a usura e a agiotagem são rainhas, a corrupção tende a tornar-se regra a vários níveis e contaminar cada vez mais gente. Facilmente se transforma numa prática comum no sentido da obtenção de prerrogativas de vária ordem, à margem da legalidade. A sociedade capitalista, na versão mais radical que agora domina, o neoliberalismo, é o antro perfeito para a germinação e crescimento das mais variadas formas de corrupção, até aos mais elevados níveis.
Em Portugal os recentes fumos de alegada corrupção (chamemos-lhe assim) a nível político são mais que conhecidos e comentados por toda a gente, sem que os (alegados) prevaricadores tenham sido alguma vez chamados à pedra…
Por essa Europa, muitos casos têm vindo a lume, ou não estivéssemos numa zona, por excelência, de influência da filosofia neoliberal.
O texto seguinte que transcrevemos do Diário de Coimbra (10/2/2013) faz uma interessante abordagem do tema corrupção.
Cucurrucucú… pção (*)
Por várias razões julgo-me credor de idoneidade e autoridade moral suficientes para falar da corrupção dos políticos. Por exemplo, sempre defendi a classe política, portuguesa ou outra, contra o facilitismo de algumas acusações e, sobretudo, de generalizações.
Mas as proporções do fenómeno estão a exigir de mim, mais qualquer coisa. Em Portugal, temos um Miguel Relvas que se tornou na grande vedeta do anedotário de 2012, com uma licenciatura instantânea, obtida à custa de um sem n´mero de equivalências. A mais hilariante dessas blagues, encontrei-a numa rede social e dizia que ele se tinha licenciado, ao abrigo do estatuto dos atletas de alta competição. Como tinha pé de atleta, deram-lhe também essa equivalência.
O mais dramático é que Relvas não está só. No governo alemão, o ministro da defesa, Karl-Theodor Guttemberg foi obrigado a demitir-se, depois de se ter descoberto que plagiara a sua tese de doutoramento. Ainda a poeira não tinha assentado, e a ministra da Educação, Annette Schavan foi acusada pela Universidade de Dusseldorf, de semelhante pecado. Está agora sob pressão, para que se demita. Mas para ampliar o escândalo, Angela Merkel diz que mantém toda a confiança na ministra. Pergunta-se, como pode o chefe de um governo depositar confiança em alguém que rouba um trabalho alheio? Como pode um polícia confiar num larápio? Um ladrão, geralmente só pode ter a confiança de outro ladrão, porque o código de conduta e desvalores é semelhante.
Chegamos a Espanha, onde outro escândalo, este de natureza financeira, abala o governo, sobretudo, o seu líder, Mariano Rajoy. Ao longo de 18 anos, Rajoy recebeu uma avença negra, paga por vários empresários, através de uma contabilidade paralela do Partido Popular. Ele nega e diz que está “tranquilo”, mas não admite perguntas dos jornalistas. Mesmo que tudo isto fosse mentira, ele nunca estaria tranquilo. E se nada tivesse a ver com o assunto, aproveitaria as perguntas dos jornalistas, para provar a sua inocência. Portanto, está muito, mesmo muito preocupado. Mas há outros dirigentes do PP envolvidos, quem sabe até, se outros membros do governo, e funcionários do partido. Para além de Luís Bárcenas, ex-tesoureiro, há outro funcionário sob a alçada da justiça. Trata-se de Jesus Sepúlveda, ex-marido da ministra da Saúde, Ana Mato. Ela diz que nada tem a ver com a vida do ex-marido, mas a polícia garante exactamente o contrário por ter provas de que ela recebeu dádivas de Francisco Correa, um empresário conhecido em Espanha pelo cognome de “Gurtel”. O PP recusa despedir Sepúlveda dos seus quadros, mas proibiu-o de entrar na sede.
Mesmo ali ao lado, o marido de numa das filhas do Rei está também a contas com a justiça. Através de uma fundação, terá sacado milhões dos cofres públicos, para organizar acções de natureza vária, da cultura, ao desporto. Aqui, a solução política pode estar iminente, se a infanta se divorciar do plebeu. O resto fica para os tribunais que descobrirão as cumplicidades do poder político que com ele colaboraram.
Há muitos outros casos, menores, que abalam a Europa. Por exemplo, o marido da deputada britânica que pagava filmes pornográficos com as despesas de representação da mulher, ou o despudorado e desvairado apetite sexual de Silvio Berlusconi que o fez escorregar para o infame crime do descaminho de menores. E por aqui se vê, como a corrupção financeira coexiste na mais absoluta harmonia, com a corrupção moral. Com gente desta não temos futuro, como concluiu a recente Conferência de Davos que não poupou a falta de qualidade do pessoal político.
Voltemos a Miguel Relvas. É este homem , agora, que tem entre mãos a parte política daquilo a que o Governo chama de “reforma do Estado”. Objectivamente, não tem competência para o desempenho, nem qualquer pergaminho que o recomende. Mas ninguém questiona isso, começando pelo Presidente da República que já devia ter exigido a sua demissão.
Cortar 4000 milhões de euros é apenas uma revisão orçamental, que nada tem a ver com a reforma da arquitectura institucional da República, apesar de isso implicar uma descaracterização do Estado moderno. Querem liquidar o Estado social, mas não apresentaram até agora qualquer modelo que o substitua. Trata-se, portanto, de um impulso da mais atrevida ignorância, com o único propósito de remover obstáculos, ao reforço do sistema neoliberal.
Reforma do Estado é outra coisa, que já aqui defendi repetidas vezes e que implica uma mexida profunda do sistema político, começando pela revisão das leis eleitorais. E isto não está ao alcance deste Governo.
(*) Sérgio Ferreira Borges
P.S. Entretanto, novos desenvolvimentos sobre o caso espanhol, aqui referido, levam à suspeita de envolvimento da própria casa real.
Sem comentários:
Enviar um comentário