“Assalto
final à educação” é uma expressão que o prof. Santana Castilho utiliza com muita oportunidade no texto que assina
esta quarta-feira no Público. Tal como vem acontecendo em muitos outros
sectores sob controlo público – o caso dos CTT é o próximo – o Governo
Passos/Portas está a levar a cabo uma guerra sem quartel contra a escola como
nem no tempo da ditadura aconteceu. O objectivo é de natureza ideológica e visa
claramente a privatização do ensino, deixando para o Estado funções mínimas
nesta área tal como se pretende, nomeadamente, na saúde e segurança social.
O ano
lectivo que agora se inicia está marcado, pobremente marcado: pelo afastamento
da profissão de muitos e dedicados professores; pela redução, a régua e
esquadro, sem critério, de funcionários indispensáveis; pela amputação
autocrática da oferta educativa das escolas públicas, para benefício das
privadas; pela generalização do chamado ensino vocacional, sem que se conheça
qualquer avaliação da anterior experiência limitada a 13 escolas e agora
estendida a 300, via verde de facilitismo (pode-se concluir o 3.º ciclo num ano
ou dois, em lugar dos três habituais) e modo expedito de limpar o sistema de
repetentes problemáticos; pela imposição arbitrária de decisões conjunturais de
quem não conhece a vida das escolas, de que as metas curriculares, a eliminação
de disciplinas, o brutal aumento do número de alunos por turma e as alterações
de programas são exemplos; pelo medo do poder sem controlo, que apaga ao dobrar
de qualquer esquina contratos de décadas e compromissos de sempre; pela selva
que tomou conta da convivência entre docentes; pelo utilitarismo e imediatismo
que afastou a modelação do carácter e a formação cívica dos alunos; pela
paranóia de tudo medir, registar e reportar, para cima, para baixo, para o
lado, uma e outra vez, e cujo destino é o lixo, onde termina toda a burocracia
sem sentido; pelo retrocesso inimaginável, a que só falta a recuperação do
estrado e do crucifixo.
Providencialmente no tempo
(imediatamente antes de se concretizar mais um despedimento colectivo de
professores, que marca o ano lectivo) vieram a público dados estatísticos
oficiais. Primeiro disseram-nos que em 2011/2012 tivemos nos ensinos básico e
secundário menos 13.000 alunos que no ano anterior. Depois, projectando o
futuro, prepararam-nos para perdermos 40.000 até 2017. Providencialmente, no
momento, omitiram que, de Janeiro de 2011 a Junho deste ano, desapareceram
47.000 horários docentes. Políticos sérios não insinuam que esta redução de
docentes se deve à quebra da natalidade. Trapaceiros, sim.
Nada justifica a
desumanidade com que se trataram os professores contratados. Nada justifica o
ministerial sadismo de obrigar ao ritual do Fundo do Desemprego, por escassos
dias, aqueles que acabarão por ser contratados. Nada justifica o anacronismo de
impor um exame de selecção a quem já é professor há uma década e mais, ao mesmo
tempo que se entrega a leccionação de disciplinas curriculares a quem nem sequer
tem habilitação científica na área.
Na Educação acabaram as
subtilezas e perdeu-se a vergonha. Se Fernando Negrão, juiz de carreira e
deputado de circunstância, expressou vincado desacordo pelo ensino da
Constituição nas escolas, se Passos Coelho clamou pela "União
Nacional" e, raivoso com o quinto chumbo constitucional (que impediu o
despedimento sem justa casa dos funcionários públicos e foi significativamente
decidido por unanimidade) recorreu à boçalidade de linguagem para referir
explicitamente os respectivos juízes e, implicitamente, o Presidente da
República, por que razão seria Crato recatado e decente? Na mesma altura em que
a falácia da "liberdade de escolha" foi o argumento para um passo
determinante na privatização do ensino e para a ampliação sem peias das
parcerias público-privadas na Educação (outra coisa não são os contratos de
associação já vigentes), o preclaro ministro cerceou a liberdade de escolha
relativamente às escolas públicas, quando não autorizou o funcionamento de
turmas constituídas em função das decisões dos alunos e das famílias. A
engenharia social e económica que o Governo acaba de consumar com a aprovação
do novo estatuto do ensino particular, a consumar-se com a regulamentação
sucessiva que se espera, não se afastará daquela que protege as rendas
escandalosas dos sectores energéticos, bancários, das rodovias e outros. Eis o
Estado do futuro, o Estado escravo, cujo poder deixou de ser delimitado pela
lei. Uma vez mais, a Constituição da República acaba de ser revista por decreto
do Governo, que derrogou o carácter supletivo do ensino privado nela contido.
A agenda escondida com o
objectivo de fora deste Governo é a substituição do Estado social possível,
laboriosamente construído em 39 anos de democracia, por um Estado neoliberal,
redutoramente classista. Para o conseguir, e a coberto do fantasma da falência,
o Governo tem-se encarniçado em reduzir o Estado a funções mínimas de
obediência aos titereiros do regime, privatizando o resto. Como fixou Saramago
naquele belo naco de prosa que nos deixou desde Lanzarote, não escapará "a
nuvem que passa" nem o sonho, "sobretudo se for diurno e de olhos
abertos". Pela mão de Passos e de Crato, abriu o assalto final à Educação.
Não lhe declararam a privatização, como fizeram com a água. Mas,
sorrateiramente, com melífluas justificações, querem consumá-la.
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