quarta-feira, 18 de setembro de 2013

VAMOS ENTÃO FALAR DE PORTIMÃO



Nos últimos meses, os cidadãos de Portimão viram-se confrontados com a presença contínua da sua cidade nas notícias, o que nunca acontece por bons motivos. A lógica mediática que destaca sempre o que é mau, sensacional ou polémico em detrimento de tudo o resto basta para fazer com que se uma terra não sai das parangonas algo de particularmente mau se passa por lá. E as notícias concretas confirmam esta lógica: a um endividamento monstruoso da câmara municipal, que afeta também outras autarquias, veio somar-se a prisão de elementos destacados do executivo autárquico e do PS local, com episódios rocambolescos de fitofagia à mistura, acusados de corrupção num processo que parece envolver o maior sorvedouro de dinheiro que esta cidade já conheceu (uma empresa municipal chamada Portimão Urbis) e um mirabolante projeto de instalar por cá uma delegação de Bollywood.
É tudo demasiado triste. Demasiado deprimente. Mas a verdade é que nada aqui é realmente novo.
É que embora nunca nada se tenha provado, os boatos de corrupção envolvendo os autarcas do PS têm décadas nesta cidade. Foi em boa medida por causa deles, embora a sua legendária ausência de um mínimo de sensibilidade urbanística tenha também dado uma boa ajuda, que Martim Gracias quase perdeu a câmara da última vez que se candidatou (ganhou por 47 votos apenas). Martim Gracias, o arquitonto que dizia que se as pessoas queriam espaços verdes que pintassem as casas de verde (e aqui não há "alegadamentes": o homem disse mesmo esta bojarda), era conhecido na cidade como o "senhor último andar," porque (alegadamente, aqui sim) se deixava alegremente corromper, permitindo aos empreiteiros ultrapassarem em muito os limites de altura dos prédios fixados nos regulamentos em troca dos andares de cobertura. Além de falcatruas sortidas envolvendo terrenos, Portimonense, e etc.
Nas eleições seguintes, o PS, sensatamente, pôs a família Gracias na prateleira e candidatou Nuno Mergulhão, um homem com imagem de honestidade e que, de facto, marcou uma diferença importante na forma de gerir a cidade. Em parte, por ser de outra geração. Em parte, provavelmente, por ser mesmo um homem honesto. Em parte, talvez, por ter morrido num acidente de viação a meio do mandato, nunca chegando verdadeiramente a instalar-se.
Foi substituído por Manuel da Luz, o seu vice. Que, nas eleições seguintes, venceu confortavelmente. E durante algum tempo as coisas pareceram correr bem. A cidade foi revitalizada, apesar das obras e dos projetos que eram sucessivamente anunciados com grandes parangonas mas nunca chegavam a sair do papel (só três exemplos de miragens aparentemente eternas: uma escola de medicina, um complexo desportivo, uma gare de camionagem), e a gestão autárquica pareceu razoavelmente mais limpa, embora nunca tenham deixado de haver histórias sobre terrenos valorizados artificialmente com este anúncio ou aquele, vendas a preços de favor ou de desfavor, adjudicações combinadas, etc. É provável que parte destas histórias seja falsa, pois nunca faltou às pessoas imaginação para ver sombras onde elas não existem, e a verdade é que a maior parte dos cidadãos sempre as considerou falsas, e a câmara bem gerida, tanto assim que continuaram a dar a vitória ao PS. Com a ajuda das festarolas, claro.
Mas agora já não é possível. Agora, depois de toda a festa ter desabado em cima da autarquia com a crise financeira internacional a fazer disparar a dívida para valores impagáveis, muito ajudada pelo regabofe que tem sido a criação e gestão das empresas municipais, com grande destaque para a Portimão Urbis, depois da prisão de Luís Carito, o número 2 da autarquia (de quem se dizia, aliás, que era a verdadeira eminência parda a manusear os cordelinhos que faziam mexer Manuel da Luz, em especial neste último mandato), chefe do PS local e deglutidor de papelinhos comprometedores, e da prisão de outro vereador, tudo o que ficou para trás tem de ser revisto. As histórias, que eram postas de lado como invenções de inimigos políticos, se calhar até tinham base na realidade. Se calhar até havia fogo por baixo de todo aquele fumo. E se calhar é sensato desconfiar de todos os executivos das últimas décadas.

Este ano, o PS candidata Isilda Gomes. Não é uma novata nestas coisas, bem pelo contrário. Vereadora a tempo inteiro durante vários anos, só abandonou a autarquia quando o PS de Sócrates lhe acenou com cargos maiores a nível algarvio. Não há muito tempo, andava aí pelos palcos, lado a lado com Carito, a preparar a sua candidatura. É altamente duvidoso que não soubesse de nada. É altamente duvidoso que a sua lista não esteja contaminada com o polvo corruptor de Portimão. E é altamente duvidoso que represente alguma espécie de rotura com o passado recente, por mais que alegue agora querer "novos rumos". Quem está tão profundamente enredada nos velhos rumos e nas redes de cumplicidade, favores, compadrios, desastre financeiro e, provavelmente, corrupção que esses velhos rumos implicam, não se desenreda assim tão facilmente. Mesmo que queira.
Não, nesta terra o PS não merece o voto de ninguém.
Há mais quatro candidaturas. O CDS disfarça-se de candidatura abrangente, numa coligação com dois micropartidos cuja expressão em Portimão é praticamente igual a zero. Só não esconde a sigla e o símbolo porque a lei não lho permite; caso contrário, tudo o indica, esconderia. Da candidatura do PSD, o cor de laranja desapareceu como que por milagre, substituído por uma mancha verde que quase esconde o símbolo do partido num cantinho.
E compreende-se. É, só pode ser, com embaraço que se defende as cores desses partidos.
Mas, desculpem que vos diga, esse embaraço é mais aparente do que verdadeiro. Alguém imagina que quem aceita candidatar-se por estes partidos, neste momento, num momento em que quer PSD, quer CDS, estão reduzidos a pouco mais que bandos mafiosos determinados a esbulhar o cidadão em prol dos grandes interesses económicos, não concorda com o que tem sido feito? Alguém imagina que o seu objetivo caso sejam eleitos não seja, também aqui, assaltar o que é público para transferir recursos para o que é privado? Alguém julga que não é possível fazer também a nível local o mesmo tipo de roubo? Alguém pensará realmente que não há num município possibilidade de desviar fundos como o governo central tem feito com os milhares de milhões que todos nós temos entregado de mão beijada à banca, ou a esta ou aquela empresa parasítica através das famigeradas parcerias publico-privadas, ou a colégios privados por via do inacreditavelmente estúpido cheque-ensino, que tem prejudicado o sistema educativo de todos os países em que tem sido posto em prática? Alguém?
Alguém é assim tão anjinho?
Não, nesta terra, e em todas as outras, PSD e CDS também não merecem o voto de ninguém.
Em Portimão, restam duas candidaturas, a do PCP e a do BE. São essas as que merecem os vossos votos. Escolham a que preferirem.
(E sim, restam duas candidaturas. Votar branco, votar nulo ou não votar de todo não serve para mudar absolutamente nada. Quem está insatisfeito, quem quer mudança, vota na mudança.)

Cá eu, prefiro a do Bloco. Por vários motivos, mas bastaria a atitude do PCP para com a lei de limitação de mandatos para preferir logo a do Bloco. Sou daqueles patetas que não gostam de caciques, nada a fazer. Dos que acham que a eternização no poder cria condições para gerar estruturas de interesse e dependência que destroem a democracia. E que a lei de limitação de mandatos, que uma lei de limitação de mandatos decente, é um passo para impedir que essas estruturas ganhem raízes demasiado profundas. Não o suficiente, provavelmente, mas um passo. E é também por isso que vou votar BE daqui a semana e meia.
Jorge Candeias


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