Não dá para entender (caso sejamos
ingénuos) como é possível que qualquer banalidade abra um telejornal e uma
situação da maior gravidade para o país, que veio a lume há uma semana quase
não seja objecto, de um comentário mais aprofundado.
A Somo, um centro de pesquisa holandêssobre multinacionais revelou há poucos dias um estudo em que conclui que asmultinacionais portuguesas transferiram mais de 2 mil milhões de euros delucros para a Holanda entre 2009 e 2011. Por que razão isto acontece? Já todos
sabemos que é para fugir aos impostos. Pois bem, é este o tema de um importante
artigo de opinião que Rui Tavares
assina hoje no Público e cuja leitura recomendamos vivamente assim como a do
link que aqui lhe associamos.
Comecemos
por três aspectos da democracia.
O
primeiro é fácil: a maioria manda. Isto é o que a maior parte das pessoas
entende por democracia.
O
segundo é: a maioria muda. Sem ele a democracia não é sustentável. O primeiro
princípio, se entregue a si mesmo, faria com que a maioria de hoje esmagasse a
minoria que poderia muito bem tornar-se na maioria de amanhã. Para preservar
este princípio de que a maioria muda, de que a cultura é fluida e de que as
pessoas não têm sempre as mesmas ideias, gostos e vontades, a democracia
baseia-se no estado de direito e na sua proteção das liberdades civis e
políticas.
O
terceiro aspecto é o do governo para a maioria. O seu elemento essencial está
no aprovisionamento e alocação de recursos para que toda a gente possa
participar da vida social, buscar a sua realização pessoal, e tentar fazer
florescer o seu talento, vocação e potencial. Essa condição foi e é possível. O
seu melhor exemplo é, provavelmente, o do "Estado social" em que todos
os países europeus se tornaram, ou tentaram tornar, durante o século XX. Esse
Estado social implica segurança na saúde, igual para todos, na medida das
possibilidades técnicas e dos recursos disponíveis. Implica acesso à educação
de forma a combater ativamente as desigualdades sociais. E implica muito mais
coisas, do jardim ao parque natural, da biblioteca ao centro de investigação,
da rua pedonal ao acesso para deficientes.
Com
o passar do tempo, esta terceira dimensão social tornou-se o alicerce da democracia
de tipo europeu. Onde antes ela faltava, havia desespero e instabilidade -
mesmo em países ricos, poderosos e aparentemente civilizados. E hoje, é pela
destruição desta dimensão social que pode começar a desfazer-se - que já está a
desfazer-se - a democracia de tipo europeu.
Tendo
isto em conta pode entender-se melhor a gravidade da notícia mais grave no
Portugal atual: a de que as maiores empresas portuguesas transferem 30 mil
milhões de euros anuais para a Holanda, a vastíssima maioria dos quais através
de "instituições financeiras especiais". Ou seja, as nossas empresas
usam canais semelhantes aos que servem para a lavagem de dinheiro criminoso, de
forma a poderem reciclar o dinheiro dos seus lucros e quase não pagar impostos
deles. A prática é de tal forma recorrente que, em plena crise, Portugal é já o
maior investidor direto estrangeiro na economia holandesa, e a Holanda na
nossa, reproduzindo entre Holanda e Portugal a mesma relação que havia entre
Chipre e os oligarcas russos - o "investimento" é só de nome, pois o
que se passa é dinheiro a ir e voltar dos mesmos e para os mesmos bolsos.
Já
escrevi aqui como Portugal viu serem transferidos 78 mil milhões de euros entre
o resgate grego em abril de 2010, e o nosso, em abril de 2011 - um montante
equivalente ao que nos foi depois emprestado. E agora vemos como, no tempo em
que os portugueses são sangrados em impostos e cortes, e em que mil milhões de
euros bastam para uma crise político-constitucional, as nossas maiores empresas
fogem com trinta vezes mais dinheiro para a Holanda.
Um
governo a sério estaria a: denunciar o caso nas instâncias europeias,
pressionar a Holanda para fechar as condutas, chamar as empresas para lhes
anunciar como as regras de contabilização de lucros passariam a ser diferentes.
O nosso governo está a pensar como continuar a sangrar os cidadãos comuns e
baixar os impostos para as empresas.
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