Voltamos ao tema abordado ontem por Rui Tavares
num artigo que aqui deixámos transcrito do Público por ser um tema de suprema
importância para a esmagadora maioria dos portugueses que pagam os seus impostos
a tempo e horas, sem faltarem com 1 cêntimo que seja. Mas, se os titulares de
rendimentos fixos, os trabalhadores por conta de outrem e as pequenas empresas
são obrigados a cumprir com os seus compromissos fiscais, sejam eles muito
elevados ou não, a verdade é que as grandes empresas conseguem escapar às suas
obrigações, quer por via de legislação que lhes é favorável, quer por outros
artifícios menos claros que essas mesmas leis permitem. São milhões de milhões
(exactamente) que acabam por fugir aos cofres dos Estados da UE que, para
compensarem essa fuga, deixam o cidadão comum exaurido, destroem a economia e
acabam com uma infinidade de postos de trabalho.
O seguinte texto, contido no Público de
hoje, da autoria de José Vitor Malheiros
acrescenta mais alguns pormenores importantes ao que Tavares escreveu ontem,
como, por exemplo, a designação “dupla não-taxação”. Importantíssimos os
esclarecimentos que contém. Os 5 minutos que se gastam na sua leitura são
altamente compensados (os sublinhados são nossos).
O relatório tem como
título "Avoiding Tax in Times of Austerity" e como pós-título
"Energias de Portugal (EDP) and the Role of the Netherlands in Tax
Avoidance in Europe", foi publicado há dias e já deu origem a várias
notícias de jornal. O seu autor é a SOMO, uma organização holandesa sem fins
lucrativos, dedicada ao estudo do desenvolvimento sustentável e que há 40 anos
monitoriza o funcionamento das multinacionais e o impacto da sua acção no
desenvolvimento económico, no ambiente e nos direitos humanos.
O que diz o relatório?
Explica como é que as grandes empresas portuguesas fogem aos impostos em
Portugal criando empresas-fantasma na Holanda (mailbox companies,
assim chamadas por terem pouco mais do que uma caixa de correio), fazendo
passar por elas os seus fluxos financeiros, beneficiando não só das condições
fiscais vantajosas que a Holanda oferece às empresas estrangeiras, como
conseguindo por vezes, como fez a EDP, acordos especiais com o fisco holandês
que lhes garantem uma "dupla não-taxação". "Dupla não
taxação"? Sim. Estas empresas não pagam ou quase não pagam impostos nem cá
nem lá, graças a uma hábil utilização das leis fiscais, à conivência das autoridades
fiscais holandesas que ganham com o negócio das empresas-fantasma cerca de mil
milhões de euros por ano e, claro, à benevolência generalizada, em Portugal e
na UE, relativamente aos abusos do grande capital.
A expressão "double
non-taxation" aparece 15 vezes nas 30 páginas do relatório e é o Santo
Graal do "planeamento fiscal agressivo" - o eufemismo utilizado para
descrever a fuga, legal ou ilegal, aos impostos.
O relatório da SOMO não
tem nenhuma novidade de fundo. Os advogados que aconselham as empresas sobre as
melhores maneiras de fugir aos impostos, os activistas que combatem a mesma
fuga aos impostos, os políticos e os jornalistas da área conhecem bem esta
situação, que é objecto de discussão em organizações internacionais há anos.
Por isso, o relatório foi objecto de algumas notícias, mas não suscitou a
indignação generalizada que teria sido justa. E, no entanto, esta é uma das
razões principais da crise que vivemos, da desigualdade crescente das nossas
sociedades, da erosão da democracia que todos sentimos. Graças aos buracos
nas leis nacionais e às lacunas nas leis internacionais, as grandes
empresas conseguem fugir às suas obrigações fiscais e defraudar o Estado
enquanto usam as infra-estruturas que os cidadãos pagam com o seu trabalho. A
fuga aos impostos é o roubo por alguns do património de todos.
É por isso que é
chocante a mentira que Passos Coelho gosta de repetir segundo a qual "não
há dinheiro". Não há dinheiro para a Saúde ou para a Educação. Não há
dinheiro para pensionistas ou para desempregados. Não há dinheiro para as
universidades ou para as pequenas empresas. Mas há dinheiro para compensar a
fuga aos impostos das grandes empresas. Mais: os mesmos políticos que
repetem que não há dinheiro são os que nunca levantam um dedo nos fóruns
internacionais para combater a evasão fiscal. E os empresários que mais falam
de patriotismo e que pregam que temos de trabalhar mais são os mesmos que vivem
à conta dos impostos que nos roubam. Dezanove das empresas do PSI20 têm
empresas de fachada na Holanda. E o Governo adula as grandes empresas que fogem
aos impostos enquanto esmifra os trabalhadores por conta de outrem. Como a
famosa milionária americana Leona Helmsley (que foi presa por fuga ao fisco), o
Governo acha que só os pobres é que devem pagar impostos.
A Comissão Europeia
estima que o total perdido devido à fuga aos impostos é de um milhão de milhões
de euros por ano. Quando se olha para o que as empresas roubam à comunidade
através dos seus advogados pagos a peso de ouro e dos políticos corruptos que
metem no bolso, percebe-se de onde vem a dívida pública. Quando nos roubam, é
natural que fiquemos com um défice. Só a parte legal dessa fuga aos impostos é
estimada em 150.000 milhões de euros. Mais do que o orçamento total da União
Europeia.
Não há dinheiro para
pagar pensões, quando as grandes empresas dão o golpe do baú todos os anos, perante o sorriso
seráfico de Maria Swap Albuquerque. A SOMO diz, aliás, a certa altura: "Apenas
podemos especular sobre as razões por que as autoridades fiscais portuguesas
não levantam junto das autoridades fiscais holandesas [a questão da fuga aos
impostos das empresas portuguesas]."
Imagine por um momento
que tínhamos um governo honesto, empenhado em fazer cumprir a lei, em combater
este regime de crime social tolerado. Qual seria a importância da nossa dívida?
Seria possível continuar a destruir o Estado social com o argumento da falta de
dinheiro? Seria possível continuar a vender ao desbarato o património público?
Não. É por isso que podemos ter a certeza de que, com este Governo, a actual
situação de saque legal e fuga das empresas para paraísos fiscais como a
Holanda irá continuar.
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