Vivêssemos
num país que visse a educação como um investimento no futuro e não como um
custo; vivêssemos num país em que, por isso mesmo, o papel dos professores
fosse visto de outra forma e o seu estatuto social fosse diferente, as
campanhas contra a “classe” docente levadas a cabo pelos sucessivos governos
não teriam qualquer impacto e toda a população se colocaria ao lado dos
professores na sua mais que justa reivindicação da contagem do tempo de serviço
congelado no período de intervenção da troika – 9 anos 4 meses e 2 dias. Mas a
realidade não é essa e o actual Governo sente a força suficiente para não cumprir
aquilo que é de elementar justiça, sem qualquer favor.
“O que os professores reclamam é simples e
inquestionavelmente justo: tratamento idêntico ao que foi dispensado às
carreiras gerais da administração pública” afirma de forma clara o Prof.
Santana Castilho no artigo de opinião que veio à estampa no “Público” de ontem
e que reproduzimos a seguir.
Do Expresso do último sábado jorrou o mantra
manipulador de António Costa contra a recuperação do tempo de serviço dos
professores. É penoso ler um texto saturado de cinismo e falsidade consciente.
Mas o cúmulo da desfaçatez e da desonestidade política está no momento em que
António Costa, ministro proeminente do primeiro governo de Sócrates, tem o topete
de dizer:
“Com toda a
franqueza, fico bastante perplexo que tenha havido tanta serenidade durante os
nove anos, quatro meses e dois dias em que se verificou o congelamento e que a
agitação tenha começado precisamente no dia em que se acaba com o
descongelamento”.
Dê-se de barato o significativo acto falhado de
António Costa, quando refere o dia em que acabou com o “descongelamento” (e não
“congelamento”). Varrimento da memória relativa à fortíssima contestação do
tempo em que ele era apoiante de Maria de Lurdes Rodrigues? Desatenção quanto
ao tempo de Crato, mero seguidor das políticas do PS, de ódio aos professores?
Nada disso. Apenas o corolário de um comportamento político que permite
estabelecer um padrão: de jogador de lances curtos, de manipulador, de
negociador de ocasião, numa palavra, de um carácter político que cede
facilmente a trair os que lhe garantiram a sobrevivência, quando já não precisa
deles. Que o diga o PCP (na Câmara de Lisboa), que o diga Seguro, que o diga o
próprio Sócrates, que o diga Manuel Alegre (no triste episódio do Conselho de
Estado) ou que o diga Margarida Marques (despedida sem saber porquê), para não
prolongar demasiado a lista.
O que os professores reclamam é simples e
inquestionavelmente justo: tratamento idêntico ao que foi dispensado às
carreiras gerais da administração pública. Com efeito, os trabalhadores por
elas abrangidos recuperaram todo o tempo de serviço congelado e a partir de
Janeiro de 2020 terão as suas remunerações revistas como se não tivesse havido
congelamento até 31 de Dezembro de 2017. Não entender isto não é, naturalmente,
um problema de inteligência. É um problema de carácter. Tresler o que está
escrito na Lei do Orçamento de Estado não é, naturalmente, ignorância sobre a
diferença semântica entre um “de” e um “do”. Volta a ser um problema de
carácter. Martelar cálculos para aumentar custos não traduz inépcia
contabilística. É, ainda, um problema de carácter. De carácter político.
O episódio tem, porém, um mérito, qual seja o de fixar
no papel o logro em que caíram os sindicalistas colaboracionistas, inicialmente
ofuscados pelo populismo dos membros de uma equipa, que se prestaram ao papel
de idiotas úteis aos desastrados desígnios do PS para a Educação. Exemplo
último? A natureza estritamente pedagógica da avaliação dos alunos foi desfeita
e substituída por regras administrativas, que permitirão a realização de
reuniões de conselhos de turma com apenas um terço dos respectivos professores.
Se já tinha sido grave o Colégio Arbitral determinar que os conselhos de turma
funcionassem com metade mais um dos seus membros, que dizer de um Ministério da
Educação que assim atentou contra a autonomia profissional docente e assim
limitou o interesse dos alunos ao simples preenchimento de uma folha Excel?
António Costa disse ao Expresso que os parceiros que sustentam o Governo
estão errados. Os sindicatos, que ameaçam paralisar as escolas já em Setembro,
dizem que o errado é António Costa e pediram ao PCP e ao BE que chumbem o OE
para 2019, se não forem aí atendidas as suas reivindicações, argumentando que
seria uma incoerência insuprível a esquerda viabilizar um orçamento que as
ignorasse. Ainda pelo Expresso, fomos informados que o gabinete de imprensa do
PCP esclareceu que o Governo queria (inicialmente) que, na norma da polémica,
ficasse escrito “de tempo”, que não “do tempo”. A significância desta disputa
semântica em contexto de negociação da Lei do Orçamento de Estado para 2018 (da
qual haverá sobejas testemunhas), a ser verdade, permite apanhar o mentiroso
político mais depressa que qualquer coxo.
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