“Não
há nada de ilegal ou ilegítimo” relativamente à atitude de Robles no que diz
respeito ao negócio que trouxe para as bocas do mundo o nome do ex-vereador do
Bloco na Câmara de Lisboa. O grande pecado de Robles é ter investido no imobiliário
quando contestava a especulação existente nesta área. É aí que se encontra o seu
ponto fraco mas a verdade é que ainda que ele oferecesse o prédio aos
inquilinos ou a quem quer que seja, a especulação imobiliária continuaria o seu
caminho, sem qualquer arrepio. “Não há incoerência em Robles ” já que a “regulação
do mercado depende da intervenção do Estado, não da boa vontade dos
investidores” afirma Daniel Oliveira na crónica que assina este sábado no
"Expresso" e cuja leitura recomendamos vivamente.
Ricardo
Robles comprou, antes de ser vereador, um prédio que estava a um bom preço e,
depois de o reabilitar, pô-lo à venda ao seu valor de mercado. Da compra à
venda que não se consumou, passando pela negociação com os inquilinos, não há
nada ilegal ou ilegítimo. Há, como é habitual, um contencioso com um
comerciante com o recurso legítimo, de parte a parte, aos meios judiciais.
Podem escalpelizar tudo, mas o essencial é isto: Robles é condenado por ter
investido em imobiliário. Quando saí da minha antiga casa, arrendei-a ao preço
de mercado e hoje tenciono vendê-la mais cara do que comprei, beneficiando da
inflação imobiliária. E isso não me impede de dizer que os preços praticados
estão a expulsar pessoas das cidades. Não há incoerência: defendo que a
regulação do mercado depende da intervenção do Estado, não da boa vontade dos
investidores. Neste caso, depende de um mercado público de rendas controladas
que faça baixar a média dos preços, não do altruísmo individual de um
proprietário. Não é por beneficiar das escolas públicas, do SNS e das estradas
que um liberal perde a legitimidade para defender o Estado mínimo. Não é por
defender políticas de contenção do mercado que alguém de esquerda tem de sair
do mercado. O mercado e o Estado, quando nascem, são para a esquerda e para a
direita.
O
exercício de hipocrisia coletiva desta semana, que só parou no ridículo momento
em que Catarina Martins foi acusada de gentrificar o Sabugal, já está a ser
aproveitado para tentar reverter as novas políticas de habitação. É para o que
servem estas cruzadas: em nome da boa aparência ataca-se a boa substância. E é
por isso que nunca as acompanho. Nem com a segurança social de Passos nem com a
casa de Medina nem com o prédio de Robles. Prefiro manter o foco na política. O
que tramou Robles foi ele, em vez de fazer o mesmo, dedicar-se a considerações
morais sobre os agentes económicos. É o problema do Bloco: põe demasiadas vezes
o moralismo no lugar da política. Não está sozinho: há anos que a direita
resume o seu discurso à demonização moral dos seus adversários, e ninguém lhe
cobra isso. Compreendo que as contradições dos moralistas sejam assinaladas.
Mas considero desproporcionado o linchamento de Robles. Ainda mais quando, para
apontar o dedo à sua hipocrisia moralista, tantos se entregaram ao mais desbragado
moralismo hipócrita.
Pela
primeira vez na política portuguesa, um eleito foi obrigado a demitir-se por
causa de um negócio legal, legítimo, aceitável e não consumado. Passou a ser
possível exigir uma demissões pela simples contradição entre convicções políticas
e atos privados legítimos. Este inédito grau de exigência é perfeitamente
aceitável em democracia. Mas é importante perceber o alcance da coisa. Todos os
políticos-advogados devem rever os processos que aceitaram, quem foi gestor
deve revisitar os negócios que patrocinou, os deputados devem analisar as
aplicações financeiras que fizeram. E ver se bate tudo certo com tudo o que
disseram antes e depois. Criticam contratos com colégios e os filhos andam num
privado? Opõem-se à ADSE e têm seguro de saúde? Lutam contra a precariedade e
contrataram, mesmo que legalmente, a recibos verdes? Não chega cada ato ser
legal, legítimo e moralmente aceitável. Se não aparentar escrupulosa coerência
com tudo o que defendem, terá de se aplicar a “lei Robles”: demissão em 72
horas. Os moralistas da última semana estão preparados para isto? Eu não
estaria.
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