segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O “CASO ROBLES” PASSA A SER PONTO DE COMPARAÇÃO


“Não há nada de ilegal ou ilegítimo” relativamente à atitude de Robles no que diz respeito ao negócio que trouxe para as bocas do mundo o nome do ex-vereador do Bloco na Câmara de Lisboa. O grande pecado de Robles é ter investido no imobiliário quando contestava a especulação existente nesta área. É aí que se encontra o seu ponto fraco mas a verdade é que ainda que ele oferecesse o prédio aos inquilinos ou a quem quer que seja, a especulação imobiliária continuaria o seu caminho, sem qualquer arrepio. “Não há incoerência em Robles ” já que a “regulação do mercado depende da intervenção do Estado, não da boa vontade dos investidores” afirma Daniel Oliveira na crónica que assina este sábado no "Expresso" e cuja leitura recomendamos vivamente.
Ricardo Robles comprou, antes de ser vereador, um prédio que estava a um bom preço e, depois de o reabilitar, pô-lo à venda ao seu valor de mercado. Da compra à venda que não se consumou, passando pela negociação com os inquilinos, não há nada ilegal ou ilegítimo. Há, como é habitual, um contencioso com um comerciante com o recurso legítimo, de parte a parte, aos meios judiciais. Podem escalpelizar tudo, mas o essencial é isto: Robles é condenado por ter investido em imobiliário. Quando saí da minha antiga casa, arrendei-a ao preço de mercado e hoje tenciono vendê-la mais cara do que comprei, beneficiando da inflação imobiliária. E isso não me impede de dizer que os preços praticados estão a expulsar pessoas das cidades. Não há incoerência: defendo que a regulação do mercado depende da intervenção do Estado, não da boa vontade dos investidores. Neste caso, depende de um mercado público de rendas controladas que faça baixar a média dos preços, não do altruísmo individual de um proprietário. Não é por beneficiar das escolas públicas, do SNS e das estradas que um liberal perde a legitimidade para defender o Estado mínimo. Não é por defender políticas de contenção do mercado que alguém de esquerda tem de sair do mercado. O mercado e o Estado, quando nascem, são para a esquerda e para a direita.
O exercício de hipocrisia coletiva desta semana, que só parou no ridículo momento em que Catarina Martins foi acusada de gentrificar o Sabugal, já está a ser aproveitado para tentar reverter as novas políticas de habitação. É para o que servem estas cruzadas: em nome da boa aparência ataca-se a boa substância. E é por isso que nunca as acompanho. Nem com a segurança social de Passos nem com a casa de Medina nem com o prédio de Robles. Prefiro manter o foco na política. O que tramou Robles foi ele, em vez de fazer o mesmo, dedicar-se a considerações morais sobre os agentes económicos. É o problema do Bloco: põe demasiadas vezes o moralismo no lugar da política. Não está sozinho: há anos que a direita resume o seu discurso à demonização moral dos seus adversários, e ninguém lhe cobra isso. Compreendo que as contradições dos moralistas sejam assinaladas. Mas considero desproporcionado o linchamento de Robles. Ainda mais quando, para apontar o dedo à sua hipocrisia moralista, tantos se entregaram ao mais desbragado moralismo hipócrita.
Pela primeira vez na política portuguesa, um eleito foi obrigado a demitir-se por causa de um negócio legal, legítimo, aceitável e não consumado. Passou a ser possível exigir uma demissões pela simples contradição entre convicções políticas e atos privados legítimos. Este inédito grau de exigência é perfeitamente aceitável em democracia. Mas é importante perceber o alcance da coisa. Todos os políticos-advogados devem rever os processos que aceitaram, quem foi gestor deve revisitar os negócios que patrocinou, os deputados devem analisar as aplicações financeiras que fizeram. E ver se bate tudo certo com tudo o que disseram antes e depois. Criticam contratos com colégios e os filhos andam num privado? Opõem-se à ADSE e têm seguro de saúde? Lutam contra a precariedade e contrataram, mesmo que legalmente, a recibos verdes? Não chega cada ato ser legal, legítimo e moralmente aceitável. Se não aparentar escrupulosa coerência com tudo o que defendem, terá de se aplicar a “lei Robles”: demissão em 72 horas. Os moralistas da última semana estão preparados para isto? Eu não estaria.

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