domingo, 12 de agosto de 2018

OS MORTOS HUMANOS NÃO SÃO TODOS IGUAIS…


Nada justifica o assassinato inclemente de crianças. E nada é nada.
No mundo em que vivemos, com a comunicação social completamente açaimada, aparecem logo as mais descaradas fundamentações por parte dos poderosos, para  explicarem crimes hediondos como aquele que teve lugar esta semana no Norte do Iémen em que um autocarro cheio de crianças foi atacado por “aviões sauditas causando a morte e ferimentos a mais de 70”. Tudo isto aconteceu sem que se levantasse um coro de protestos a nível mundial porque a situação acabou abafada nas páginas interiores de jornais e remetida para o final dos noticiários televisivos como um dano colateral, enfim, o normal numa guerra.
Não temos a mais pequena dúvida de que tal não aconteceria se o assassínio destas crianças tivesse sido cometido por um regime desafecto do chamado mundo ocidental e, em particular, dos Estados Unidos.
É este o tema de fundo do artigo de opinião assinado pelo advogado Domingos Lopes no “Público” de hoje, que reproduzimos a seguir.
O nosso mundo perdeu a vergonha, se é que alguma vez a teve. Só o preocupa o que o pode sossegar. E só o desassossega as grandes notícias que absorve.
Na verdade, deixar que nos digam o que está certo ou errado é desde logo um modo de nos formatar no que se refere aos grandes acontecimentos que marcam a vida das pessoas e das comunidades. Seguindo o trilho, evita que tenhamos de pensar. Pensar é trabalhoso. Olhar é mais fácil.
É a essa luz que de vez em quando somos abanados por notícias que vão directamente para as paredes mais sensíveis das nossas almas.
As notícias frenéticas e brutais do envenenamento de um espião russo que passou a trabalhar para o Reino Unido, trocando de patrão, colocaram o mundo ocidental a expulsar, em catadupa, diplomatas russos, não sendo ainda hoje claro quem foi o autor do envenenamento. Em represália, Putin procedeu do mesmo modo.
Esta semana, um autocarro cheio de crianças iemenitas foi atacado no Norte do Iémen por aviões sauditas causando a morte e ferimentos a mais de 70. Tais mortes não mereceram sequer reparos por parte dos governantes que expulsaram os diplomatas russos. Até os media, em geral, se mantiveram indiferentes.
Os assassinos das crianças justificaram o ataque para prevenir que elas pudessem vir a ser usadas como escudos... Isto é, os sauditas invadem o Iémen para matar crianças porque temem o futuro e sabem que ocupam terra que não é sua.
Trump, desmiolado, preocupado em mandar no mundo a partir de um exército espacial, como nos filmes, apoia fervorosamente a Arábia Saudita. Tem uma paixão desmedida pelo príncipe herdeiro saudita e por Netanyahu; une-os o seu ódio aos palestinianos e iranianos. São homens que prezam armas e a morte.
Choca que os mortos que lutam pelos seus direitos nacionais sejam danos colaterais acidentais dos amigos ocidentais. Por quanto tempo os mais poderosos vão poder continuar a fazer deste mundo arenas de horror?
As crianças mortas pelos mísseis sauditas vendidos pelos EUA constituem uma marca indelével da ferocidade do regime absolutista de Salman. Estas mortes são crimes contra todos os seres humanos justos e passiveis de humanismo. Violam o direito internacional de modo grosseiro e violento.
Bem andou António Guterres em ordenar na ONU um inquérito, embora se saiba que quando chegarem as conclusões as emoções andem por outras bandas.
Por cá, como não houve mortes no incêndio de Monchique, andam a descobrir as falhas do Governo, servindo em doses cavalares reportagens pornográficas das desgraças dos desgraçados.
De tantos mundos é feito o mundo em que vivemos. Se as crianças iemenitas assassinadas a sangue frio por mísseis sauditas fossem ocidentais, já aviões destes países estavam a disparar mísseis para vingar as criancinhas, como gosta de alegar Trump para justificar os bombardeamentos da Síria. As da Síria alegadamente vítimas de bombardeamentos sírios fazem o mundo chorar; as do Iémen não devem ser humanas. Os mortos humanos não são iguais. Há os que não contam; eram empecilhos, podiam vir a ser terroristas.

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