quinta-feira, 2 de agosto de 2018

POR UM IMPOSTO DO CARBONO A SÉRIO


Damos aqui um significativo destaque à problemática das alterações climáticas porque se não houver alterações ao processo que se está a desenvolver corremos o risco de não chegarmos a ter planeta para os nossos netos.
As causas das alterações climáticas, com as consequências que já são inequívocas, têm origem variada e, às vezes, insuspeita. Por isso mesmo, e, até, por uma questão de sobrevivência da própria espécie humana, é decisivo que todos nós estejamos atentos a todas as acções, mesmo todas, que possam contribuir para agravar ou descomplicar o caminho do abismo que a humanidade actualmente trilha.
Uma das já implementadas medidas que supostamente poderiam levar à “descarbonização da economia”, tem a ver com a introdução do chamado “imposto do carbono” para se desincentivar o lançamento para a atmosfera dos gases com efeito pernicioso relativamente ao clima. Ora, o que se retira agora da forma como foi implementado este “imposto” é que terá proporcionado lautos negócios, com poucos efeitos na “descarbonização da economia”. É este o tema de fundo do artigo de opinião inserido no “Público” do passado dia 30 de Julho, assinado por Alfredo Marvão Pereira.
Em finais de fevereiro deste ano foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial para – como se lê no Decreto-Lei que o criou – “revitalizar o imposto sobre o carbono”, no sentido da “introdução de sinais corretos para a descarbonização da economia”. Até ao final de julho, deverão estar concluídas as actividades deste grupo de trabalho e serão conhecidas as suas conclusões e propostas concretas.
Assim sendo, e antecipando a divulgação das conclusões do Grupo de Trabalho, este parece-me um momento ideal para apresentar as minhas reflexões sobre esta problemática, em particular, os parâmetros fundamentais para revitalizar este imposto.
Para contextualizar, nesta matéria de descarbonização tenho três opiniões muito fortes que são axiomáticas – já que não as justificarei – mas que são baseadas nos resultados das minhas investigações. A primeira é que é muito mais fácil falar de descarbonizar e de metas de descarbonização do que de facto descarbonizar e atingir essas metas ou mesmo dar passos concretos sérios nesse sentido. A segunda é que todos os caminhos para uma descarbonização ‘a sério’ passam por um imposto sobre o carbono ‘a sério’, conjugado com a criteriosa aplicação das receitas fiscais que dele resultam. A terceira é que o imposto sobre o carbono que temos não tem nada a ver com o imposto sobre o carbono que precisamos para descarbonizar ‘a sério’. E é sobre este terceiro ponto que aqui pretendo elaborar.
Comecemos pelo princípio. Quais são as principais características que um imposto sobre o carbono deverá ter para proporcionar os sinais corretos para a descarbonização da economia? Dadas estas características, quão alinhado com elas está o imposto sobre o carbono que já temos em Portugal? Que tipo de propostas esperaria ou desejaria eu ver saídas do Grupo de Trabalho para podermos pensar que estamos a caminhar no sentido certo?
A primeira característica que um imposto sobre o carbono deve ter é ser de uma magnitude minimamente compatível com a dimensão quer do problema, quer dos objectivos que pretendemos alcançar, especificamente com o nível de descarbonização a obter. Toda a evidência empírica para Portugal sugere que precisamos de um imposto sobre o carbono que, a prazo, andará por volta dos 200 euros por tonelada de dióxido de carbono. Não precisa de por aí começar – aliás, recomenda-se que o imposto se torne progressivamente mais pesado, para permitir que os agentes económicos se ajustem a esta nova realidade. Assim, neste momento, deveríamos estar próximos dos 30 euros por tonelada, mas sinalizando a inevitabilidade de ter de subir até aos 200 euros por tonelada nas próximas décadas.
O imposto sobre o carbono que já temos em Portugal tem andado por volta dos 6 a 7 euros por tonelada. É um valor que está indexado ao preço do carbono no mercado do comércio europeu de licenças de emissão (CELE). Isto significa que o valor do imposto sobre o carbono que temos não só é manifestamente insuficiente, face à dimensão do problema, como – ainda por cima – poderá estar condenado por muito tempo a andar por estes valores tão baixos. Independentemente disso, a evolução das taxas de carbono em Portugal está assim dependente de terceiros, ou seja, da evolução do mercado CELE.
A segunda característica que um imposto sobre o carbono deve ter é ser um imposto universal. Ou seja, todos os agentes económicos que produzam emissões de dióxido de carbono – sem quaisquer exceções e qualquer que seja a justificação – devem ser tributados por igual. Só assim se garante uma redução das emissões, que seja efetiva, e sem distorções nem iniquidades.
O imposto sobre o carbono que temos neste momento em Portugal funciona como um adicional em sede de ISP. Assim sendo, herdou as múltiplas isenções em sede de ISP que favorecem, em muitos casos, setores e atividades fortemente poluentes. Esses são os casos, por exemplo, de isenções no que não sejam usos como carburante ou como combustível; nos usos na navegação aérea ou navegação marítima costeira e interior; usos na produção de eletricidade, de eletricidade e calor ou de gás de cidade; usos em transportes públicos e no transporte de passageiros e mercadorias por caminhos-de-ferro.
Mais importante ainda, o imposto sobre o carbono não incide sobre os sectores que participam no mercado CELE. Estão isentos sectores como, por exemplo, a produção de eletricidade, papel, cerâmica, vidro, ferro e aço, refinação e cimento, com o argumento compreensível de que esses setores já estão sujeitos a um preço do carbono através do mercado CELE. Contudo, como os valores praticados nesse mercado são tão baixos, há um risco muito sério de que a isenção destes setores altamente poluentes acabe por condenar o imposto sobre o carbono à irrelevância. A solução seria uma sobretaxa de carbono para estes setores sobre o preço que pagam no mercado CELE, de modo a alinhar o seu preço do carbono com os valores adequados aos objetivos nacionais.
A terceira característica que um imposto sobre o carbono deve ter é ser um imposto claro, transparente, e sem subterfúgios que possam encobrir os seus objetivos. Os agentes económicos que são alvo deste imposto têm de saber – de forma clara e inequívoca – não só que ele existe, mas também que o seu custo é substancial e que não há forma de o evitar. As organizações internacionais recomendam que, para este objetivo ser cumprido, o imposto sobre carbono deve ser um imposto em sede própria.
O imposto sobre o carbono que temos em Portugal é tudo menos transparente. Foi implementado sem sede própria e foi escondido na confusão e na complexidade do ISP. Foi apresentado como algo marginal e que os agentes económicos não sentiriam, o que – a ser verdade – só atestaria a sua relativa irrelevância. Neste enquadramento, vale a pena perguntar: quantos portugueses sabem que temos um imposto sobre o carbono? Quantos sabem quanto este imposto é?
A quarta e última característica de um imposto sobre o carbono merece um pouco mais de discussão. Trata-se do facto de as receitas deste imposto terem de ser muito criteriosamente devolvidas à economia – ‘recicladas’ é mesmo o termo técnico usado entre especialistas. Este ponto é absolutamente fundamental, porque, ao descarbonizar, o imposto sobre o carbono leva invariavelmente a efeitos macroeconómicos, de competitividade internacional e de justiça social que não só podem ser adversos, como podem ser muito substanciais. Assim sendo, o uso criterioso das receitas do imposto sobre o carbono é fundamental para permitir neutralizar – e mesmo reverter – estes efeitos adversos que são esperados. Por exemplo, as receitas do imposto sobre o carbono podem ser aplicadas para aliviar as outras margens fiscais como o IRS, de modo a zelar pela justiça social ou proporcionar incentivos fiscais ao investimento limpo em setores mais abertos da economia que estão assim mais expostos à concorrência internacional, ou mesmo para financiar a transição para processos energeticamente mais eficientes, que já estão disponíveis.
Lamentavelmente, o imposto sobre o carbono que temos em Portugal neste momento ignora por completo esta importante questão da reciclagem – i.e., de como aplicar as receitas resultantes. O princípio da reciclagem não está consignado na lei. Isto significa que na ausência da correção deste aspecto, das duas uma. Ou temos um imposto muito fraco do ponto de vista ambiental, como é o caso de momento, e cuja irrelevância também se traduz em efeitos adversos ao nível económico e distributivo que não são muito expressivos. Ou, então, temos um imposto ‘a sério’, i.e., que responde à dimensão do problema, mas cujos efeitos adversos não estarão minimamente acautelados e, por isso, a sua sustentabilidade económica e social está muito longe de estar garantida.
Para concluir, o imposto sobre o carbono que temos em Portugal – em todos os aspetos relevantes – está muito aquém do que é necessário e desejável. É um imposto de magnitude insuficiente, de abrangência desajustada, de duvidosa transparência e que ignora por completo a questão da reciclagem das suas receitas.
Dito isto, também fica claro que o objetivo de revitalizar o imposto sobre o carbono que temos é uma tarefa da maior envergadura. O que precisamos mesmo é de uma mudança de paradigma e não apenas de ajustamentos incrementais. De facto, poder-se-ia dizer que o que precisamos é de um imposto sobre o carbono renascido, qual fénix, das cinzas do imposto que atualmente existe. E assim, fica a grande expetativa de ver o que este Grupo de Trabalho nos vai trazer em termos de propostas concretas. Há muito a fazer. E este muito que há a fazer requer não só uma enorme ambição, como também um tremendo compromisso político alargado e ainda uma profunda visão do futuro que queremos. O imposto sobre o carbono que temos nasceu muito torto. Quanto vai o trabalho deste Grupo de Trabalho contribuir para endireitar algo que tão torto nasceu? Em breve saberemos …

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