Damos
aqui um significativo destaque à problemática das alterações climáticas porque
se não houver alterações ao processo que se está a desenvolver corremos o risco
de não chegarmos a ter planeta para os nossos netos.
As
causas das alterações climáticas, com as consequências que já são inequívocas,
têm origem variada e, às vezes, insuspeita. Por isso mesmo, e, até, por uma questão
de sobrevivência da própria espécie humana, é decisivo que todos nós estejamos
atentos a todas as acções, mesmo todas, que possam contribuir para agravar ou
descomplicar o caminho do abismo que a humanidade actualmente trilha.
Uma
das já implementadas medidas que supostamente poderiam levar à “descarbonização
da economia”, tem a ver com a introdução do chamado “imposto do carbono” para se
desincentivar o lançamento para a atmosfera dos gases com efeito pernicioso
relativamente ao clima. Ora, o que se retira agora da forma como foi
implementado este “imposto” é que terá proporcionado lautos negócios, com poucos
efeitos na “descarbonização da economia”. É este o tema de fundo do artigo de
opinião inserido no “Público” do passado dia 30 de Julho, assinado por Alfredo Marvão
Pereira.
Em finais de fevereiro deste ano foi criado um Grupo
de Trabalho Interministerial para – como se lê no Decreto-Lei que o criou –
“revitalizar o imposto sobre o carbono”, no sentido da “introdução de sinais
corretos para a descarbonização da economia”. Até ao final de julho, deverão
estar concluídas as actividades deste grupo de trabalho e serão conhecidas as
suas conclusões e propostas concretas.
Assim sendo, e antecipando a divulgação das conclusões
do Grupo de Trabalho, este parece-me um momento ideal para apresentar as minhas
reflexões sobre esta problemática, em particular, os parâmetros fundamentais
para revitalizar este imposto.
Para contextualizar, nesta matéria de descarbonização
tenho três opiniões muito fortes que são axiomáticas – já que não as
justificarei – mas que são baseadas nos resultados das minhas investigações. A
primeira é que é muito mais fácil falar de descarbonizar e de metas de
descarbonização do que de facto descarbonizar e atingir essas metas ou mesmo
dar passos concretos sérios nesse sentido. A segunda é que todos os caminhos
para uma descarbonização ‘a sério’ passam por um imposto sobre o carbono ‘a
sério’, conjugado com a criteriosa aplicação das receitas fiscais que dele
resultam. A terceira é que o imposto sobre o carbono que temos não tem nada a
ver com o imposto sobre o carbono que precisamos para descarbonizar ‘a sério’.
E é sobre este terceiro ponto que aqui pretendo elaborar.
Comecemos pelo princípio. Quais são as principais
características que um imposto sobre o carbono deverá ter para proporcionar os
sinais corretos para a descarbonização da economia? Dadas estas
características, quão alinhado com elas está o imposto sobre o carbono que já
temos em Portugal? Que tipo de propostas esperaria ou desejaria eu ver saídas
do Grupo de Trabalho para podermos pensar que estamos a caminhar no sentido
certo?
A primeira característica que um imposto sobre o
carbono deve ter é ser de uma magnitude minimamente compatível com a dimensão
quer do problema, quer dos objectivos que pretendemos alcançar, especificamente
com o nível de descarbonização a obter. Toda a evidência empírica para Portugal
sugere que precisamos de um imposto sobre o carbono que, a prazo, andará por
volta dos 200 euros por tonelada de dióxido de carbono. Não precisa de por aí
começar – aliás, recomenda-se que o imposto se torne progressivamente mais
pesado, para permitir que os agentes económicos se ajustem a esta nova
realidade. Assim, neste momento, deveríamos estar próximos dos 30 euros por
tonelada, mas sinalizando a inevitabilidade de ter de subir até aos 200 euros
por tonelada nas próximas décadas.
O imposto sobre o carbono que já temos em Portugal tem
andado por volta dos 6 a 7 euros por tonelada. É um valor que está indexado ao
preço do carbono no mercado do comércio europeu de licenças de emissão (CELE).
Isto significa que o valor do imposto sobre o carbono que temos não só é
manifestamente insuficiente, face à dimensão do problema, como – ainda por cima
– poderá estar condenado por muito tempo a andar por estes valores tão baixos.
Independentemente disso, a evolução das taxas de carbono em Portugal está assim
dependente de terceiros, ou seja, da evolução do mercado CELE.
A segunda característica que um imposto sobre o
carbono deve ter é ser um imposto universal. Ou seja, todos os agentes
económicos que produzam emissões de dióxido de carbono – sem quaisquer exceções
e qualquer que seja a justificação – devem ser tributados por igual. Só assim
se garante uma redução das emissões, que seja efetiva, e sem distorções nem
iniquidades.
O imposto sobre o carbono que temos neste momento em
Portugal funciona como um adicional em sede de ISP. Assim sendo, herdou as
múltiplas isenções em sede de ISP que favorecem, em muitos casos, setores e
atividades fortemente poluentes. Esses são os casos, por exemplo, de
isenções no que não sejam usos como carburante ou como combustível; nos usos na
navegação aérea ou navegação marítima costeira e interior; usos na produção de
eletricidade, de eletricidade e calor ou de gás de cidade; usos em transportes
públicos e no transporte de passageiros e mercadorias por caminhos-de-ferro.
Mais importante ainda, o imposto sobre o carbono não
incide sobre os sectores que participam no mercado CELE. Estão isentos sectores
como, por exemplo, a produção de eletricidade, papel, cerâmica, vidro, ferro e
aço, refinação e cimento, com o argumento compreensível de que esses setores já
estão sujeitos a um preço do carbono através do mercado CELE. Contudo, como os
valores praticados nesse mercado são tão baixos, há um risco muito sério de que
a isenção destes setores altamente poluentes acabe por condenar o imposto sobre
o carbono à irrelevância. A solução seria uma sobretaxa de carbono para estes
setores sobre o preço que pagam no mercado CELE, de modo a alinhar o seu preço
do carbono com os valores adequados aos objetivos nacionais.
A terceira característica que um imposto sobre o
carbono deve ter é ser um imposto claro, transparente, e sem subterfúgios que
possam encobrir os seus objetivos. Os agentes económicos que são alvo deste
imposto têm de saber – de forma clara e inequívoca – não só que ele existe, mas
também que o seu custo é substancial e que não há forma de o evitar. As
organizações internacionais recomendam que, para este objetivo ser cumprido, o
imposto sobre carbono deve ser um imposto em sede própria.
O
imposto sobre o carbono que temos em Portugal é tudo menos transparente. Foi
implementado sem sede própria e foi escondido na confusão e na complexidade do
ISP. Foi apresentado como algo marginal e que os agentes económicos não
sentiriam, o que – a ser verdade – só atestaria a sua relativa irrelevância.
Neste enquadramento, vale a pena perguntar: quantos portugueses sabem que temos
um imposto sobre o carbono? Quantos sabem quanto este imposto é?
A
quarta e última característica de um imposto sobre o carbono merece um pouco
mais de discussão. Trata-se do facto de as receitas deste imposto terem de ser
muito criteriosamente devolvidas à economia – ‘recicladas’ é mesmo o termo
técnico usado entre especialistas. Este ponto é absolutamente fundamental,
porque, ao descarbonizar, o imposto sobre o carbono leva invariavelmente a
efeitos macroeconómicos, de competitividade internacional e de justiça social
que não só podem ser adversos, como podem ser muito substanciais. Assim sendo,
o uso criterioso das receitas do imposto sobre o carbono é fundamental para
permitir neutralizar – e mesmo reverter – estes efeitos adversos que são
esperados. Por exemplo, as receitas do imposto sobre o carbono podem ser
aplicadas para aliviar as outras margens fiscais como o IRS, de modo a zelar
pela justiça social ou proporcionar incentivos fiscais ao investimento limpo em
setores mais abertos da economia que estão assim mais expostos à concorrência
internacional, ou mesmo para financiar a transição para processos
energeticamente mais eficientes, que já estão disponíveis.
Lamentavelmente,
o imposto sobre o carbono que temos em Portugal neste momento ignora por
completo esta importante questão da reciclagem – i.e., de como aplicar as
receitas resultantes. O princípio da reciclagem não está consignado na lei.
Isto significa que na ausência da correção deste aspecto, das duas uma. Ou
temos um imposto muito fraco do ponto de vista ambiental, como é o caso de
momento, e cuja irrelevância também se traduz em efeitos adversos ao nível
económico e distributivo que não são muito expressivos. Ou, então, temos um
imposto ‘a sério’, i.e., que responde à dimensão do problema, mas cujos efeitos
adversos não estarão minimamente acautelados e, por isso, a sua
sustentabilidade económica e social está muito longe de estar garantida.
Para
concluir, o imposto sobre o carbono que temos em Portugal – em todos os aspetos
relevantes – está muito aquém do que é necessário e desejável. É um imposto de
magnitude insuficiente, de abrangência desajustada, de duvidosa transparência e
que ignora por completo a questão da reciclagem das suas receitas.
Dito isto, também fica claro que o
objetivo de revitalizar o imposto sobre o carbono que temos é uma tarefa da
maior envergadura. O que precisamos mesmo é de uma mudança de paradigma e não
apenas de ajustamentos incrementais. De facto, poder-se-ia dizer que o que
precisamos é de um imposto sobre o carbono renascido, qual fénix, das cinzas do
imposto que atualmente existe. E assim, fica a grande expetativa de ver o que
este Grupo de Trabalho nos vai trazer em termos de propostas concretas. Há
muito a fazer. E este muito que há a fazer requer não só uma enorme ambição,
como também um tremendo compromisso político alargado e ainda uma profunda
visão do futuro que queremos. O imposto sobre o carbono que temos nasceu muito
torto. Quanto vai o trabalho deste Grupo de Trabalho contribuir para endireitar
algo que tão torto nasceu? Em breve saberemos …
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