O tempo urge em relação às medidas que a
humanidade necessita tomar para ir ainda a tempo de evitar uma catástrofe climática
que leve à destruição da vida no nosso planeta. Mas a verdade é que os donos
disto tudo se encontram cegos, surdos e mudos perante tantos avisos que a
Natureza nos está a enviar, com toda a clareza. E os donos disto tudo, a única
coisa que têm na cabeça é a cobiça, o locro e a ganância esquecendo que as consequências
das alterações climáticas atingirão, é certo e em primeiro lugar, os mais
pobres, mas os ricos e poderosos não ficarão imunes durante muito tempo.
Ora, perante a quase consciente inação daqueles
que podem decidir, é tempo de os povos tomarem em suas mãos a defesa do futuro do
planeta, com ações concretas que impeçam o desastre climático que se aproxima a
passos largos.
É à volta destas movimentações que gira o
seguinte artigo de opinião do investigador em alterações climáticas, João Camargo,
que transcrevemos do “Público” de hoje.
Nos radicais tempos em que
vivemos, em que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas,
reunindo milhares de cientistas de todo o mundo, nos informou que temos até
2030, 12 anos, para cortar as emissões de gases com efeito de estufa para
metade, não é de estranhar o aparecimento de novos tipos de movimentos
políticos. Depois de mais uma semana de acções directas pacíficas, que
incluíram o corte de estradas em Londres, o bloqueio do Departamento de
Negócios, Energia e Estratégia Industrial, o bloqueio da ponte de Westminster e
de Downing Street, a residência oficial da primeira-ministra britânica, mais de
50 pessoas foram detidas. O dia 17 de Novembro, sábado passado, foi o "Dia
da Rebelião”.
As acções foram organizadas pelo
Extinction Rebellion, grupo recentemente formado, que apresenta três reivindicações
básicas:
- Que os governos digam a verdade acerca
da crise climática e da emergência ecológica em que vivemos, revertendo
políticas inconsistentes, trabalhando com a imprensa para realmente comunicar
com os cidadãos;
- Que os governos implementem políticas
sólidas para reduzir as emissões de carbono para net-zero (balanço zero
entre emissores e sumidouros) até 2025, com uma redução de consumos;
- Que seja criada uma Assembleia Cidadã
para apoiar estas mudanças, como parte do processo de criação de uma democracia
capaz.
O movimento, criado por activistas e
académicos como Gail Bradbrook, professora de biofísica molecular e mãe de dois
filhos, declarou no dia 31 de Outubro estar em rebelião contra o governo e as
instituições "corruptas e inaptas", que ameaçam o futuro: “Declaramos
que os laços do contrato social estão invalidados, pela falha contínua do governo
de agir adequadamente [em relação à crise ambiental e climática]” e que, como
tal, “agimos em paz, com amor feroz por estas terras nos nossos corações.
Agimos pela vida”.
No “Dia da Rebelião”, cerca de seis mil
activistas cortaram cinco pontes na cidade de Londres –? Southwark,
Blackfriars, Waterloo, Westminster e Lambeth – criando um pandemónio na
circulação da cidade, que levou à detenção de quase uma centena de pessoas.
A questão central deste
novo tipo de movimento e este novo tipo de acção é a disponibilidade declarada
de todos e cada um destes activistas de serem presos por causa das suas acções
para travar as alterações climáticas e o colapso ecológico. Depois de décadas
em que o diagnóstico está mais que feito, em que os governos estão mais que
informados, apesar de acordos e protocolos internacionais, as emissões de gases
com efeito de estufa não só não desceram como subiram, e este movimento não
aceita mais a impotência a que as populações foram remetidas pelo conluio
permanente entre governos e empresas petrolíferas e carboníferas, além dos
sectores afins como a aviação, a navegação, os automóveis e a agro-indústria.
Este tipo de acção e movimento pretende tirar das mãos dos governos e das
instituições um dos maiores poderes que estes exercem sobre as populações: o
poder da repressão. Se as pessoas estiverem disponíveis para sofrer as
consequências legais que a acção política directa implica, pervertendo a
capacidade dos governos de reprimi-las, o nível de empoderamento popular
possível é alto – a exemplo de movimentos como o pela independência da Índia,
pelos direitos civis nos Estados Unidos ou das sufragistas. Para lidar com uma
crise sem precedentes e com a urgência temporal da crise climática, não é de
espantar que seja cada vez mais radicalizada a necessidade da acção política
consequente para travar o colapso climático, que não é mais do que o colapso da
civilização humana.
Numa curiosa coincidência,
ao mesmo tempo que a Rebelião contra a Extinção entrou em marcha no Reino Unido
(e já se espalhou além de Londres), na Austrália vários alunos de escolas
básicas entraram em greve contra a inacção do governo australiano de agir
contra as alterações climáticas e, nos Estados Unidos, dezenas de jovens
activistas climáticos ocuparam o gabinete de Nanci Pelosi, a nova líder da
Câmara dos Representantes dos EUA, para exigir à nova maioria democrática do
Congresso um “Green New Deal”,
um gigantesco programa público de revolução energética, de transportes e
agricultura para cortar massivamente gases com efeito de estufa.
A luta pela justiça climática ainda agora começou. “Rebeldes
pela vida”, dizem os activistas Extinction Rebellion, dos oito aos 80 anos. E,
procurando replicar a onda dos movimentos dos Indignados e do Occupy, que virou
o mundo do avesso entre 2011 e 2013, querem que 2019 seja o ano em que a
rebelião pelo futuro se comece a espalhar pelo resto do mundo. Mas além da
rebelião, o programa para atingir os radicais cortes de emissões tem de ser uma
construção social que permita mobilizar milhões para resgatar o futuro.
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